Informativo nº 801 do STF

17/10/2015

Por Nicola Patel Filho – 17/10/2015

No informativo ora estudado, os destaques são de Direito Eleitoral, especificamente:

1) É constitucional Lei que estabelece limites quantitativos e qualitativos para a criação de novos Partidos Políticos.

2) Ativismo congressual e intérpretes da Constituição Federal. O acesso ao fundo partidário e direito de antena assegurados pelo Supremo Tribunal Federal aos novos Partidos Políticos.


É constitucional Lei que estabelece limites quantitativos e qualitativos para a criação de novos Partidos Políticos.

O Plenário, por maioria, indeferiu pedido formulado em medida cautelar em ação direita de inconstitucionalidade, ajuizada em face do art. 2º da Lei 13.107/2015, na parte que alterara o §1º do art. 7º e o § 9º do art. 29 da Lei dos Partidos Políticos, os quais passaram a dispor:

Art. 7º. (...) § 1o  Só é admitido o registro do estatuto de partido político que tenha caráter nacional, considerando-se como tal aquele que comprove, no período de dois anos, o apoiamento de eleitores não filiados a partido político, correspondente a, pelo menos, 0,5% (cinco décimos por cento) dos votos dados na última eleição geral para a Câmara dos Deputados, não computados os votos em branco e os nulos, distribuídos por um terço, ou mais, dos Estados, com um mínimo de 0,1% (um décimo por cento) do eleitorado que haja votado em cada um deles.

Art. 29. (...) § 9º Somente será admitida a fusão ou incorporação de partidos políticos que hajam obtido o registro definitivo do Tribunal Superior Eleitoral há, pelo menos, 5 (cinco) anos.

O autor alegou que tais dispositivos violariam a liberdade de criação, fusão, extinção e incorporação de partidos políticos, bem como o pluripartidarismo, todos assegurados pela Constituição Federal.

No entanto, o Tribunal esclareceu que a própria constituição imporia limites a liberdade de criação de novos partidos; que são estes:

1) Controle quantitativo: deve ser observado o caráter nacional do partido (CF, art. 17, inciso I);

2) Controle qualitativo:  referente ao cunho democrático de seus programas (CF, art. 17, caput).

Diante disso, a necessidade de aperfeiçoamento do controle quantitativo e qualitativo dos partidos justificaria o advento das normas impugnadas. Observou-se que haveria agremiações intituladas formalmente como partidos políticos sem qualquer substrato eleitoral. Essas legendas estariam habilitadas a receber parcela do fundo partidário e a disputar tempo de televisão sem difundir, contudo, ideias e programas. Elas atuariam em deferência a outros interesses partidários, especialmente para obtenção de vantagens particulares para os seus dirigentes.

Assim, o aperfeiçoamento dos mecanismos de controle quantitativo e qualitativo na formação dos partidos, buscado na legislação questionada, assumiria também a função de tutela do princípio da eficiência administrativa dos recursos públicos, na medida em que, sem coibir a formação de novas agremiações, lhes atribuiria maior expressividade, de modo a estancar gastos públicos vultosos, seja na repartição do fundo partidário, seja pelo acesso aos horários de propaganda em rádio e televisão, também subsidiados pelo contribuinte.

Em se tratando do §9º do art. 29 da lei 9.096, o Tribunal consignou que a exigência temporal para se levar a efeito fusões e incorporações entre partidos asseguraria o atendimento do compromisso do cidadão com a sua opção partidária, o que evitaria o estelionato eleitoral ou a reviravolta política contra o apoio dos eleitores, então filiados.

Portanto, as normas objurgadas tenderiam a enfraquecer a lógica mercantilista e nada republicana de prática política.

ADI 5311-MC/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, 30.9.2015.


Ativismo congressual e intérpretes da Constituição Federal. O acesso ao fundo partidário e direito de antena assegurados pelo Supremo Tribunal Federal aos novos Partidos Políticos.

O Plenário, por maioria, julgou procedente pedido formulado em ação direta para declarar a inconstitucionalidade dos artigos 1º e 2º da Lei 12.875/2013, que, ao promoverem alterações nas Leis 9.096/1995 e 9.504/1997, restringem o acesso aos recursos do Fundo Partidário e ao tempo destinado a propaganda eleitoral aos novos partidos políticos criados após a realização das eleições para a Câmara dos Deputados.

Inicialmente, a Corte abordou o diálogo institucional entre os Poderes Legislativo e Judiciário.

Isso ocorreu por que os referidos dispositivos decorrem do julgamento da ADI 4.430/DF de 19.9.2013 e da ADI 4.795/DF de 30.10.2013. Na oportunidade, o Tribunal dera interpretação conforme ao preceito questionado para assegurar aos partidos novos o direito de acesso proporcional do tempo destinado à propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão, quando criados após a realização de eleições para a Câmara dos Deputados.

Poucos meses após os referidos julgamentos, o Congresso editou a Lei 12.875/2013 (objeto da presente ADI) que, em sentido oposto ao pronunciamento da Corte, subtraíra dessas novas legendas o acesso aos recursos do Fundo e ao direito de antena. Isso ocorreu em razão de que o cálculo da verba e do tempo de antena passou a ser baseado na representatividade partidária na Câmara dos Deputados. Se um partido novo fosse criado após tais eleições (para a Câmara), não teria direito ao fundo e à antena.

Assim, observa-se no caso o fenômeno em que a corte denomina de ativismo congressual; vejamos:

O ativismo é verificado quando um Poder interfere na atribuição Constitucional de outro Poder. Normalmente, é associado ao ativismo judicial, “que consiste em uma participação cada vez mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes” (ALVES, Cristiano Botelho, apud BARROSO, Luiz Roberto. O Ativismo do STF, a Transnacionalidade do Direito e “Hércules” na Solução dos casos dos Anencéfalos. Disponível em: www.emporiododireito.com.br/tag/ativismo. Acesso em 14/10/2015). O ativismo congressual, por sua vez, consiste na reação Legislativa a decisões da Corte acerca de determinada interpretação constitucional que já tenha sido objeto de interpretação.

Caberia perquirir, portanto, quais os limites de reações legislativas a decisões proferidas pelo STF, tendo em vista o impacto na esfera de liberdade de conformação do legislador.

Justamente por isso, o Tribunal afirmou que não se ignora a legitimidade do ativismo congressual, ou seja, de reversão legislativa a decisões da Corte, desde que observadas algumas balizas constitucionais. Nesses casos, o Legislativo buscaria reverter situações de autoritarismo judicial ou de comportamento antidialógico, incompatível com a separação de poderes. Ao legislador seria franqueada a capacidade de interpretação da Constituição, a despeito de decisões de inconstitucionalidade proferidas pelo STF.

Diante disso, o Supremo estabeleceu algumas conclusões a respeito do tema:

1) o Tribunal não subtrai “ex ante” a faculdade de correção legislativa pelo constituinte reformador ou pelo legislador ordinário;

2) no caso de reversão jurisprudencial via emenda constitucional, a invalidação somente ocorrerá nas hipóteses estritas de ultraje aos limites do art. 60 da CF; e

3) no caso de reversão jurisprudencial por lei ordinária, excetuadas as situações de ofensa evidente ao texto constitucional, a Corte tem adotado comportamento de autorrestrição e de maior deferência às opções políticas do legislador, em respeito a representatividade democrática do Congresso Nacional.

O Tribunal assinalou que seria prudente não se atribuir a qualquer órgão, fosse do Judiciário, fosse do Legislativo, a faculdade de pronunciar, em solução de definitividade, a última palavra sobre o sentido da Constituição. O próprio texto constitucional desafiaria esse entendimento.

Ademais, a perspectiva juriscêntrica de hermenêutica constitucional também estimula comportamentos irresponsáveis na conformação da Constituição pelo legislador. Portanto, o legislador poderia, por emenda constitucional ou lei ordinária, superar a jurisprudência, reclamando posturas distintas da Corte e evitando o engessamento jurídico. Se veiculada por emenda, altera-se o próprio parâmetro amparador da jurisprudência.

Se, porém, introduzida por legislação ordinária, a norma que frontalmente colidir com a jurisprudência do Tribunal nasce com presunção de inconstitucionalidade, de sorte que caberia ao legislador o ônus de demonstrar que a correção do precedente se afigura legítima, e que o posicionamento jurisprudencial deve ser superado, tendo em conta novas premissas fáticas e jurídicas.

Ocorre que, no caso em debate, o Legislador não demonstrou por razões públicas que a Lei questionada legitima a reversão da interpretação fixada pelo STF na matéria.

A justificação do projeto de lei se limitou a afirmar, genericamente, que a regulamentação da matéria fortaleceria as agremiações, sem enfrentar os fundamentos das ações diretas. A inconstitucionalidade das normas em questão se agrava, porquanto a decisão do STF fora ancorada em sólida construção argumentativa calcada em cláusulas pétreas. Em tese, a nova legislação que afrontasse decisões do Tribunal nasceria com presunção relativa de inconstitucionalidade, mas na espécie a inconstitucionalidade da lei seria evidente.

Por esses motivos, a reação jurisprudencial materializada na Lei 12.875/2013, ao subtrair dos partidos novos o direito de antena e o acesso a recursos do Fundo Partidário remanesceria eivada de inconstitucionalidade, na medida em que, além de o legislador não ter logrado trazer novos e consistentes fundamentos para infirmar o pronunciamento da Corte, o diploma inviabiliza o funcionamento e o desenvolvimento de minorias político-partidárias, em ofensa aos postulados do pluralismo político e da liberdade partidária (CF, art. 17, § 3º).

Uma última observação: em 15.09.2005, o Supremo Tribunal Federal enfrentou o ativismo congressual ao julgar ação direta de inconstitucionalidade cujo objeto era Lei que desafiara interpretação dada pelo STF quanto a extensão no tempo do foro por prerrogativa de função após o término do mandato. Na ocasião, o Supremo adotou posição agressiva ao declarar a inconstitucionalidade da Lei 10.628/02 por vício formal, afirmando que “não pode a lei ordinária pretender impor, como seu objeto imediato, uma interpretação da Constituição: a questão é de inconstitucionalidade formal, ínsita a toda norma de gradação inferior que se proponha a ditar interpretação da norma de hierarquia superior”. (ADI 2797)

No caso retratado no presente informativo, o Supremo adotou posição autorrestritiva e de maior deferência às opções políticas do legislador, prestigiando o diálogo institucional na hermenêutica constitucional.

ADI 5105/DF, rel. Min. Luiz Fux, 1º.10.2015. 


Nicola Patel Filho

Nicola Patel Filho é advogado, bacharel em Direito pela Universidade Barriga Verde (UNIBAVE), especialista em Direito Penal e Processo Penal pela Escola do Ministério Público do Estado de Santa Catarina. Aprovado nos concursos de Delegado de Polícia de Polícia Civil no Estado do Paraná (2013) e de Delegado de Polícia Civil do Estado de Santa Catarina (2015). Membro do Grupo de Estudos e Aperfeiçoamento de Polícia Judiciária da Associação de Delegados de Polícia de Santa Catarina.


Imagem Ilustrativa do Post: Vancity Vote Poster 31032008106 // Foto de: Roland Tanglao // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/roland/2377462241/

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/2.0/legalcode


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura