Informativo 819 do STF – Prerrogativa de foro e competência

03/06/2016

Por Nicola Patel Filho – 03/06/2016

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou procedente reclamação constitucional para preservar sua competência originária consistente em processar e julgar, originariamente, nas infrações penais comuns, o Presidente da República, entre outras autoridades. (CF, art. 102, inciso I, alínea b)

A reclamação constitucional constitui instrumento conferido às partes para preservar a autoridade das decisões de determinado Tribunal (quando descumpridas), bem como preservar a sua própria competência originária (do Tribunal) que é usurpada por outro órgão jurisdicional. No caso do STF, está prevista no art. 102, inciso I, alínea l: Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe processar e julgar, originariamente a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões.

Importante destacar é que, apesar da reclamação ser geralmente atribuída ao Supremo, os demais Tribunais têm competência para julgar reclamação a fim de preservar a autoridade de seus julgados ou sua competência originária. Veja, por exemplo, o art. 105, inciso I, alínea f, da CF/88, que trata da reclamação no âmbito do Superior Tribunal de Justiça.

No caso dos autos, o juízo de primeiro grau da Justiça Federal determinou interceptação telefônica de investigados na operação “lava (à) jato”, sendo que um dos interlocutores interceptados manteve contato (telefônico) com a então Presidente da República, acionando a competência originária do STF prevista no art. 102, I, b da Constituição.

Por isso, a parte envolvida com foro privilegiado ajuizou reclamação constitucional para preservar a competência originária do Supremo, sendo julgada procedente e os autos da interceptação encaminhados para aquela Corte.

Rcl 23457 Referendo-MC/PR, rel. Min. Teori Zavascki, 31.3.2016. (Rcl-23457)

Morte de detento e responsabilidade civil do Estado


A responsabilidade civil do Estado por morte de detento é objetiva, ainda que se verifique indícios de suicídio.

No caso em apreço, determinado detento foi encontrado morto dentro de estabelecimento prisional com sinais de asfixia mecânica, provavelmente provocada por suicídio.

O Tribunal a quo reconheceu a responsabilidade civil objetiva do Estado por omissão ao verificar a ausência de guarda e proteção dos direitos fundamentais da pessoa presa, notadamente a vida. O Estado recorreu dessa decisão alegando que, havendo indícios de suicídio, não seria possível impor-lhe o dever absoluto de guarda da integridade física de pessoa sob sua custódia, pleiteando a irresponsabilidade estatal no caso.

No entanto, o Plenário do STF não concordou com esses argumentos, atribuindo responsabilidade objetiva na omissão de proteção da pessoa que se encontra sob a guarda do Estado, a exemplo dos detentos.

A doutrina e jurisprudência discorriam sobre o assunto, em síntese, da seguinte forma: a responsabilidade civil do Estado por atos praticados por seus agentes é objetiva com base na teoria do risco administrativo e ante o comando constitucional esculpido no art. 37, §6º, da CF; no caso de omissão, a responsabilidade “era” subjetiva e sua configuração dependeria da configuração da chamada “culpa administrativa”, que tinha por pressupostos: inexistência do serviço,. No tocante aos detentos, afirmava-se que a responsabilidade era objetiva em virtude do risco criado pelo dever de guarda, mesmo que a conduta estatal fosse omissiva.

No entanto, a jurisprudência do STF parece ter superado o entendimento acima exposto no que concerne à responsabilidade civil do Estado por omissão de seus agentes.

Ipsis literis do informativo: o Colegiado asseverou que a responsabilidade civil estatal, segundo a CF/1988, em seu art. 37, § 6º, subsume-se à teoria do risco administrativo, tanto para as condutas estatais comissivas quanto paras as omissivas, uma vez rejeitada a teoria do risco integral.

Assim, a omissão do Estado reclama nexo de causalidade em relação ao dano sofrido pela vítima nas hipóteses em que o Poder Público ostenta o dever legal e a efetiva possibilidade de agir para impedir o resultado danoso. Além disso, é dever do Estado e direito subjetivo do preso a execução da pena de forma humanizada, garantindo-se-lhes os direitos fundamentais, e o de ter preservada a sua incolumidade física e moral.

Por essa razão, nas situações em que não seja possível ao Estado agir para evitar a morte do detento (que ocorreria mesmo que o preso estivesse em liberdade), rompe-se o nexo de causalidade. Afasta-se, assim, a responsabilidade do Poder Público, sob pena de adotar-se a teoria do risco integral, ao arrepio do texto constitucional.

Na espécie, entretanto, o tribunal “a quo” não assentara haver causa capaz de romper o nexo de causalidade da omissão do Estado-Membro com o óbito.


PRIMEIRA TURMA 

Crime em que a fase preparatória ocorreu no Brasil e a consumação no exterior, por si só, não atrai a competência da Justiça Federal.

No caso, tratava-se de homicídio (CP, art. 121) em que a fase preparatória ocorreu no Brasil enquanto que a consumação deu-se no estrangeiro.

Antes de analisar as regras processuais, cumpre pincelar as regras de direito material quanto ao local do crime. É de relevância por que o Código Penal, no art. 6º, estabelece que: “considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado”. Trata-se da teoria mista, ou ubiquidade, em que se considera praticado o crime tanto no local da ação ou omissão, quanto no da consumação. Isso, para fins penais; no tocante à regra de competência, o art. 70 do CPP adota a teoria do resultado.

O art. 109 da Constituição, que disciplina a competência da Justiça Federal, estabelece que é de sua atribuição o processo e julgamento dos “crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente”.

Portanto, os requisitos para atrair a competência da Justiça Federal, nesse caso, são: 1) previsão em tratado internacional de que o Brasil é parte; 2) execução ou resultado ocorrido no Brasil e no estrangeiro (transnacionalidade do delito).

No Brasil houve a prática de atos meramente preparatórios. O ato criminoso fora inteiramente cometido no exterior, a afastar a incidência da mencionada regra constitucional, cuja interpretação há de ser estrita.

Portanto, a competência para julgar o delito foi atribuída à Justiça Federal.

HC 105461/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 29.3.2016. (HC-105461)


HC: denúncias anônimas e lançamento definitivo - 1

Neste julgado, foram abordados vários temas à respeito da relação entre consumação dos crimes contra a ordem tributária a partir da súmula vinculante nº 24, prática de atos de investigação e a consequente ocultação de capital adquirido com a sonegação.

Tratou-se de aos crimes fiscais a envolver apropriação e sonegação de contribuições previdenciárias descontadas de produtores rurais, ao crime de lavagem de dinheiro tendo por antecedente a sonegação dessas mesmas contribuições previdenciárias, e ao crime de sonegação da Cofins pertinente à parte quitada. Afirmou, ainda, a inexistência de prejuízo na continuidade da ação penal em relação ao restante da imputação. Na espécie, durante as investigações, iniciadas para apurar crimes de ordem tributária, foram revelados, fortuitamente, indícios de crimes mais graves, especificamente o de corrupção de agentes públicos para acobertar as atividades supostamente ilícitas

Foram respondidas as seguintes perguntas:

1) Qual o âmbito de incidência da súmula vinculante 24?

2) Denúncia anônima autoriza a deflagração de ação penal ou o emprego de métodos invasivos de investigação, como a interceptação telefônica?

3) A não consumação do crime material contra a ordem tributária em face da ausência de constituição definitiva do crédito tributário impede a deflagração de investigação policial?

4) Uma vez verificada a ausência de constituição definitiva do crédito tributário, é possível a deflagração de ação penal por crime de lavagem de dinheiro decorrente da sonegação?

Essa será a sequência abordada na presente análise, segundo este julgado e também casos análogos.

Qual o âmbito de incidência da súmula vinculante 14?

A súmula vinculante 24 dispõe que: “Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo”.

Num primeiro momento, afere-se que o âmbito de incidência da referida súmula vinculante é o crime material contra a ordem tributária tipificado no art. 1º da Lei 8.137/90.

No entanto, há muito o Supremo reconhece que a súmula vinculante 24 é de incidência obrigatória apenas para esse artigo da Lei 8.137/90, contudo estende seus efeitos a outros crimes cujo bem jurídico é a administração tributária como um todo, a exemplo da sonegação de contribuição previdenciária que é tipificada no art. 337-A do Código Penal.

Observe parte do inteiro teor do acórdão referente ao arquivamento do Inq. nº 3102/MG, de relatoria do Min. Gilmar Mendes:

De fato, o Enunciado nº 24 da Súmula Vinculante desta Suprema Corte não é de aplicabilidade obrigatória à hipótese em tela, uma vez que não versa expressamente sobre o art. 337-A do Código Penal. Contudo, desde o julgamento do Recurso Extraordinário 146.733/SP, de relatoria do Ministro Moreira Alves, esta Corte tem reiteradamente considerado, em seus julgados, que as contribuições devidas à Previdência Social possuem natureza tributária. (...) O norte precípuo desse enunciado é o fato de que, enquanto não constituído o crédito tributário, sequer é possível afirmar que este é devido. Dessarte, como seria possível imputar a alguém a prática de ter sonegado contribuição sem ter a ciência de ser ou não o crédito efetivamente devido? (...) A questão reside em saber se o crédito é ou não devido, e não em averiguar quem deve ou pode averiguar sua exigibilidade.

O presente julgado seguiu a mesma linha ao aplicar a Súmula Vinculante 14 nos crimes de sonegação de contribuição previdenciária.

2) Denúncia anônima autoriza a deflagração de ação penal ou o emprego de métodos invasivos de investigação, como a interceptação telefônica?

A Turma reafirmou o entendimento da Corte no sentido de que notícias anônimas desacompanhadas de outros elementos não autorizam a propositura de ação penal ou  o emprego de métodos invasivos de investigação, como interceptação telefônica ou busca e apreensão. Entretanto, elas constituem fonte de informação a cerca de fatos relevantes que devem ser investigadas.

3) A não consumação do crime material contra a ordem tributária em face da ausência de constituição definitiva do crédito tributário impede a deflagração de investigação policial?

Apesar de a jurisprudência do STF condicionar a persecução penal à existência do lançamento tributário definitivo, o mesmo não ocorreria relativamente à investigação preliminar. Crimes poderiam ser tentados e consumados e jamais se entendera pela impossibilidade da investigação preliminar durante a execução de um crime e mesmo antes da consumação. A afirmação seria válida tanto para crimes contra a ordem tributária como para qualquer outra modalidade delitiva. O Colegiado ressaltou que o tema do encontro fortuito de provas no âmbito de interceptação telefônica fora abordado em alguns julgados da Corte. A validade da investigação não estaria condicionada ao resultado, mas sim à observância do devido processo legal. Na espécie, as provas dos crimes de corrupção fortuitamente colhidas no curso da interceptação não pareceriam se revestir de ilicitude, pelo menos no exame que comportam na via estreita do “habeas corpus”, independentemente do resultado obtido quanto aos crimes contra a ordem tributária que motivaram o início da investigação.

4) Uma vez verificada a ausência de constituição definitiva do crédito tributário, é possível a deflagração de ação penal por crime de lavagem de dinheiro decorrente da sonegação?

Segundo o art. 1º da lei 9.613/98, constitui lavagem de capitais a conduta de “ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal”. Assim, ao deflagrar ação penal para apurar crime de lavagem de capitais, o órgão acusador deve apontar prova da materialidade da ocultação e do crime antecedente; é o que se denomina justa causa duplicada.

A referida lei, acompanhando entendimento doutrinário e jurisprudencial já consolidado, contribui afirmando que o processo dos crimes de lavagem de capital independo “do processo e julgamento das infrações penais antecedentes, ainda que praticados em outro país, cabendo ao juiz competente para os crimes previstos nesta Lei a decisão sobre a unidade de processo e julgamento”.

Por mais que se desconsidere a punibilidade do crime antecedente, certo é que deve existir prova da existência material do crime antecedente. Ora, se não se considera tipificado o crime material antecedente por falta de constituição definitiva do tributo, por consequência não se poderá apontar a justa causa duplicada exigida para a deflagração do crime de lavagem de dinheiro por ausência de tipicidade do crime antecedente (a sonegação).

Foi nesse sentido que caminhou o presente julgado, ao conceder a ordem de ofício para trancar a ação penal no que se refere aos crimes fiscais a envolver apropriação e sonegação de contribuições previdenciárias descontadas de produtores rurais e ao crime de lavagem de dinheiro tendo por antecedente a sonegação dessas mesmas contribuições previdenciárias.

É legítima a fixação de regime inicial semiaberto em função da quantidade e natureza da droga, na hipótese de condenação por crime de tráfico cuja pena aplicada foi inferior a 4 anos.

No presente caso, o agente foi condenado pela prática de tráfico privilegiado (11.343/06, art. 33, caput e §4º) à pena inferior a 4 anos.

O art. 33, §2º, c, atribui o regime inicial aberto ao condenado à pena inferior a 4 anos, como no caso em apreço.

No entanto, já no julgamento do HC 111840/ES, o Supremo já assentava que regime inicial mais severo do que o atribuído em função da pena poderia incidir sobre o condenado, desde que por motivos individualizados no caso concreto.

Na situação em análise, em que o paciente, condenado a cumprir pena de seis (6) anos de reclusão, ostenta circunstâncias subjetivas favoráveis, o regime prisional, à luz do art. 33, § 2º, alínea b, deve ser o semiaberto. 4. Tais circunstâncias não elidem a possibilidade de o magistrado, em eventual apreciação das condições subjetivas desfavoráveis, vir a estabelecer regime prisional mais severo, desde que o faça em razão de elementos concretos e individualizados, aptos a demonstrar a necessidade de maior rigor da medida privativa de liberdade do indivíduo, nos termos do § 3º do art. 33, c/c o art. 59, do Código Penal.

A pergunta respondida nesse julgado foi: a natureza e quantidade da droga podem autorizar o cumprimento inicial mais severo do que o atribuído à pena imposta?

O STF entendeu que sim, posto que são motivos individualizados e analisados no caso concreto, os quais devem ser considerados com preponderância, inclusive (Lei 11.343/06, art. 42).


Nicola Patel Filho

Nicola Patel Filho é advogado, bacharel em Direito pela Universidade Barriga Verde (UNIBAVE), especialista em Direito Penal e Processo Penal pela Escola do Ministério Público do Estado de Santa Catarina. Aprovado nos concursos de Delegado de Polícia de Polícia Civil no Estado do Paraná (2013) e de Delegado de Polícia Civil do Estado de Santa Catarina (2015). Membro do Grupo de Estudos e Aperfeiçoamento de Polícia Judiciária da Associação de Delegados de Polícia de Santa Catarina.


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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