Informativo 816 do STF

25/04/2016

Por Nicola Patel Filho – 25/04/2016

São destaques:

A exigência de realização do interrogatório ao final da instrução criminal é aplicável no âmbito processual penal militar.

Vara especial destinada à proteção de garantias na fase de inquérito pode ser competente para apreciar pedido de interceptação telefônica, ainda que não venha a apreciar a posterior ação penal.

Concessão de férias coletivas a servidores da justiça estadual.

Crime ambiental e atipicidade material pela insignificância da lesão produzida ao bem jurídico tutelado.


A exigência de realização do interrogatório ao final da instrução criminal, conforme o art. 400 do CPP, é aplicável no âmbito processual penal militar.

O Plenário apreciou habeas corpus que pleiteava a incompetência da Justiça Militar para apreciar e julgar fato praticado por soldados posteriormente afastados do exercício castrense. A defesa sustentava que eles não mais ostentariam a condição de militares e, portanto, deveriam se submeter à justiça penal comum. Buscava-se ainda a nulidade do interrogatório por ter sido realizado em discordância do que dispõe o art. 400 do CPP.

No que se refere à questão da competência, o Colegiado denegou a ordem, tendo em vista que se trataria, na época do fato, de soldados da ativa. O art. 9º, II[1], b, do Código Penal Militar (CPM), é claro ao afirmar que se consideram crimes militares em tempo de paz aquele praticado por militar em situação de atividade ou assemelhado, em lugar sujeito à administração militar, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil. Basicamente, a justiça militar é competente quando o crime é militar, independente da condição do réu durante o processo (se na reserva, ou não).

No que tange a discussão acerca do momento do interrogatório, o Plenário consignou para a obrigatoriedade da aplicação do art. 400 do Código de Processo Penal (CPP), que introduz o interrogatório como último ato da instrução, no âmbito dos processos da competência da Justiça Militar; in verbis:

Art. 400.  Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado.

Isso ocorre por que o Tribunal admite a incidência do CPP em outros procedimentos especiais quando a norma constante nesse diploma é mais favorável ao réu. O Plenário observou que, na prática, a Justiça Militar já opera de acordo com o art. 400 do CPP. O mesmo também pode ser dito a respeito da justiça eleitoral.

Entretanto, o Plenário ponderou que a aplicação do art. 400 do CPP no âmbito da justiça castrense não incide para os casos em que já houve interrogatório. Assim, para evitar possível quadro de instabilidade e revisão de casos julgados conforme regra estabelecida de acordo com o princípio da especialidade, a tese ora fixada deveria ser observada a partir da data de publicação da ata do julgamento.

Portanto, o Tribunal denegou a ordem da suposta incompetência e da alegação de nulidade do interrogatório que não seguiu as regras do CPP.

HC 127900/AM, rel. Min. Dias Toffoli, 3.3.2016.


Vara especial destinada à proteção de garantias na fase de inquérito pode ser competente para apreciar pedido de interceptação telefônica, ainda que não venha a apreciar a posterior ação penal (caso deflagrada).

Segundo o artigo 1º da lei 9.296/96, a interceptação de comunicações telefônicas para prova em investigação criminal e em instrução processual penal dependerá de ordem do juiz competente da ação principal.

No caso concreto, as autorizações eram conduzidas por juízo da vara central de inquéritos. A defesa alegava a sua incompetência, posto que a ação penal seria atribuída a outro juízo.

No entanto, a Segunda Turma não concordou com os argumentos da defesa, afirmando que o art. 1º da Lei 9.296/1996 não fixa regra de competência, mas sim reserva de jurisdição para quebra de sigilo, o que fora observado. Além disso, há precedentes do STF que admitem a divisão de tarefas entre juízes que atuam na fase de inquérito e na fase da ação penal.

Portanto, Vara especial destinada à proteção de garantias na fase de inquérito pode ser competente para apreciar pedido de interceptação telefônica, ainda que não venha a apreciar a posterior ação penal (caso deflagrada).


Concessão de férias coletivas a servidores da justiça estadual.

A Segunda Turma denegou a ordem em mandado de segurança impetrado em face de ato do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que declarou ilegal a fixação de 60 dias de férias para os servidores do Tribunal.

A competência do STF para apreciar essa matéria é embasada no art. 102, inciso I, alínea r, da CF, o qual delimita a competência originária do Supremo para processar e julgar as ações contra o CNJ e o Conselho Nacional do Ministério Público.

Importante destacar que, o Supremo restringiu a competência originária das demandas contra o CNJ àquela de natureza constitucional, excluindo as ações ordinárias.

A competência desta Corte para conhecer e julgar ações que questionam atos do Conselho Nacional de Justiça – CNJ e do Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP se limita às ações tipicamente constitucionais: mandados de segurança, mandados de injunção, habeas corpus e habeas data. In casu, trata-se de ação ordinária de declaração de nulidade de ato administrativo, não se configurando a competência originária desta Corte para processar e julgar o feito.[2]

Após, a Segunda Turma traçou prevês comentários sobre a necessidade de contraditório quando da apreciação de atos pelo CNJ. Basicamente, a necessidade de contraditório ficaria restrita a atos controlados que gerou situação jurídica constituída. Não existindo situação jurídica constituída, o Tribunal não reconhece o direito ao contraditório.

Existindo situação jurídica constituída, há que observar a natureza, geral ou individual, do ato que foi objeto do controle do CNJ, a fim de se definir a necessidade de oitiva dos possíveis atingidos pela decisão. Só a análise de ato individual, que contenha elemento subjetivo, é que demanda o contraditório e a ampla defesa.

Pode-se concluir que: 1)  no ato que não gerou situação jurídica constituída: não há contraditório; 2) ato com situação jurídica constituída: 2.1. se geral, não há direito ao contraditório; 2.2. se individual: por gerar direito subjetivo, demanda a necessária participação do interessado para exercer o contraditório e ampla defesa.

No caso dos autos, todavia, seria discutida deliberação do CNJ, que, controlando atos normativos de tribunal local, considerara ilegal a concessão de 60 dias de férias aos serventuários da justiça estadual. Ao apreciar a legalidade de um decreto-lei de tribunal local e sua conformidade com os princípios constitucionais da Administração Pública, o CNJ não consideraria a situação particular dos beneficiários da norma, projetando, isto sim, sua apreciação, sob o enfoque objetivo, enquadrando-se na situação 2.1 das conclusões acima.

No mérito, a Turma observou que as normas estaduais infirmadas na decisão do CNJ assegurariam 60 dias de férias aos servidores da justiça estadual como decorrência da associação entre esse direito e o período de férias coletivas concedidas nos tribunais.

No entanto, a CF dispõe que “a atividade jurisdicional será ininterrupta, sendo vedado férias coletivas nos juízos e tribunais de segundo grau” (art. 93, XII).

Assim, se a Constituição veda a concessão de férias coletivas aos magistrados, com vista a garantir que a atividade jurisdicional seja ininterrupta, seria também inadmissível o gozo coletivo de férias pelos servidores de tribunal de justiça local.

MS 26739/DF, rel. Min. Dias Toffoli, 1º.3.2016.


Crime ambiental e aplicação da insignificância.

O crime de pesca proibida é capitulado no art. 34 da lei 9.605/98, que dispõe:

Art. 34. Pescar em período no qual a pesca seja proibida ou em lugares interditados por órgão competente:

Pena - detenção de um ano a três anos ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.

Segundo o art. 36 da mesma lei, “considera-se pesca todo ato tendente a retirar, extrair, coletar, apanhar, apreender ou capturar espécimes dos grupos dos peixes, crustáceos, moluscos e vegetais hidróbios, suscetíveis ou não de aproveitamento econômico, ressalvadas as espécies ameaçadas de extinção, constantes nas listas oficiais da fauna e da flora”.

Diante disso, afere-se que o delito de pesca proibida consuma-se com os atos tendentes a retirar (...), independente da efetiva apanha de alguma espécie. Por isso, o crime é formal e de perigo abstrato[3].

Surge a questão: cabe a aplicação do princípio da insignificância em crime formal, que independe da produção do resultado para a sua consumação?

A resposta é afirmativa. O Supremo, aplicando jurisprudência já consolidada, constatou a ausência de justa causa para prosseguimento da ação penal no caso em apreço ao aplicar o princípio da insignificância em benefício do agente que estaria em pequena embarcação quando teria sido surpreendido em contexto de pesca rústica, com vara de pescar, linha e anzol. Não estaria em barco grande, munido de redes, arrasto, nem com instrumentos de maior potencialidade lesiva ao meio ambiente.

Assim, apesar de a conduta do denunciado amoldar-se à tipicidade formal, não haveria a tipicidade material, consistente na relevância penal da conduta e no resultado típico, em razão da insignificância da lesão produzida no bem jurídico tutelado.

Inq 3788/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, 1°.3.2016.


Notas e Referências:

[1] Cabe aqui uma observação: o informativo aponta o inciso I, b, do art. 9º do CPM como fundamento para competência da Justiça Militar no caso. No entanto, obviamente se trata do inciso II, b, do mesmo dispositivo legal.

[2] STF: Pet. 4.794 ED/PR. Rel. Min. Luiz Fux. Data do Julgamento: 13.10.2015.  Órgão Julgador: Primeira Turma. Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em: 21.4.2016.

[3] Nesse sentido: JÚNIOR, José Paulo Baltazar Júnior. CRIMES FEDERAIS. 9ª ed. Saraiva, 2014. p. 1026.


Nicola Patel Filho

Nicola Patel Filho é advogado, bacharel em Direito pela Universidade Barriga Verde (UNIBAVE), especialista em Direito Penal e Processo Penal pela Escola do Ministério Público do Estado de Santa Catarina. Aprovado nos concursos de Delegado de Polícia de Polícia Civil no Estado do Paraná (2013) e de Delegado de Polícia Civil do Estado de Santa Catarina (2015). Membro do Grupo de Estudos e Aperfeiçoamento de Polícia Judiciária da Associação de Delegados de Polícia de Santa Catarina.


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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