Inexistência de sucumbência recíproca no pedido de danos morais à luz do CPC/2015, que não superou a Súmula 326 do STJ – Por Paulo Roberto Iotti Vecchiatti

06/12/2016

Com a aprovação do CPC/2015, tem havido manifestações no sentido de que o seu art. 85, §6º teria imposto o reconhecimento da sucumbência recíproca também em casos de danos morais[1]. Isso em razão do art. 292, V, do CPC/2015 impor a delimitação, no valor da causa, do indenizatório pretendido, “inclusive a [indenização] fundada em dano moral”.

Inicialmente, esse entendimento (do qual se discorda) evidentemente não pode ser aplicado para processos distribuídos antes da entrada em vigor do CPC/2015, por força do princípio tempus regit actum (art. 14 do CPC/2015). Não se pode aplicar uma norma que visa desestimular as partes a promoverem determinados pleitos antes da entrada em vigor de dita norma.

Contudo, o art. 85, §6º, do CPC/2015 é inaplicável aos pedidos de indenização por danos morais, por dois fundamentos. 

Em primeiro lugar, o fato de o art. 292, V, do CPC/2015 afirmar o dever da parte apontar, no valor da causa, o montante que pretende a título de danos morais tem repercussão apenas na questão da definição das custas processuais, não na definição da sucumbência recíproca. São questões independentes. 

Em segundo lugar, não obstante o teor do citado dispositivo legal, não consta em lugar algum do CPC/2015 a afirmação de que a sucumbência recíproca também se aplicaria a indenizações por danos morais. Os seus arts. 85, §6º, e 86 não o afirmam[2], tendo redação análoga ao art. 21 do CPC/1973[3]. Assim, se a lei não foi expressa nesse sentido, não há razão para se entender como superada a Súmula 326 do STJ, pois não houve alteração normativa apta a justificar referida superação. O fato de a lei ter expressamente imposto que ações indenizatórias por danos morais tenham um valor da causa de valor delimitado, superando jurisprudência anterior em sentido contrário, não tem como consequência necessária que a concessão de valores indenizatórios inferiores ao pretendido por danos morais implique em sucumbência recíproca: até porque mesmo quando delimitado o valor da pretensão por danos morais à luz do CPC/1973, a conclusão da Súmula 326 do STJ continuava aplicável. Isso porque, a ratio decidendi dos precedentes que geraram dita súmula refere-se ao fato de a “indenização” (tecnicamente, a compensação) por danos morais ser fixada segundo o prudente arbítrio do Estado-juiz, fixado segundo o “subjetivismo fantástico”[4] deste, não tendo a parte como adivinhar previamente o valor que será exatamente fixado, pois pessoas racionais e de boa-fé notoriamente discordam na definição do valor devido por danos morais. Assim, viola o princípio da razoabilidade punir-se a parte por sua estimativa não ter sido acolhida pelo Estado-juiz. Ademais, referida Súmula funda-se no fato de a pretensão principal ser obter a indenização por danos morais, não se podendo chegar ao paradoxo de a parte vencedora ter que pagar honorários sucumbenciais com a procedência do seu pedido, que inclusive podem ser superiores ou equivalentes à indenização recebida, caso o valor pretendido fosse vultoso e a indenização concedida fosse baixa, fundamento este que não resta infirmado por nenhum dispositivo do CPC/2015.

No caso dos danos materiais, a parte tem como saber exatamente quanto pretende a título de dano emergente ou de estimar com segurança o que pretende a título de lucros cessantes ou perda de uma chance, por se tratarem de danos patrimoniais. Já no caso dos danos morais (extrapatrimoniais), sua fixação depende de uma grande dose de subjetivismo do Estado-juiz à luz das circunstâncias do caso concreto, donde não se afigura razoável exigir que a parte adivinhe o valor que o Judiciário estimará no futuro. Especialmente porque notoriamente não há cultura de respeito a precedentes no Brasil por parte dos próprios Tribunais, que frequentemente decidem contrariamente à jurisprudência dos Tribunais Superiores e mesmo dos seus próprios precedentes[5].

Outrossim, tanto é irrazoável esperar que as partes se pautem em precedentes de casos “similares” que a Súmula 420 do STJ considera inviável pleitear-se a mesma indenização concedida em outros casos concretos por intermédio do recurso de embargos de divergência, por cada caso concreto ter peculiaridades que afastariam o cabimento do recurso em questão, o qual existe para que a mesma decisão seja aplicada no novo julgamento. Ora, se o STJ, intérprete máximo das leis federais, afirma que não é possível exigir-se o mesmo montante indenizatório em sede de embargos de divergência[6], não é razoável exigir-se que a parte se paute em precedentes para tanto, sob pena de impor-lhe a pena da sucumbência recíproca, negada pela Súmula 326 do STJ.

Logo, ausente dispositivo legal que expressamente disponha em contrário, persiste a pertinência da conclusão da Súmula 326 do STJ, que não pode ser tida como superada pelo CPC/2015.

Contudo, caso se entenda de forma distinta e se conclua pela “aplicabilidade” do instituto da sucumbência recíproca em hipóteses de concessão de valor inferior ao pretendido por danos morais, então deverá se concluir pela inconstitucionalidade dos arts. 85, §6º, e 86 do CPC/2015 e de qualquer outro dispositivo legal naquilo que se entenda impor a pena de sucumbência recíproca nessa hipótese. Isso por violação ao princípio da razoabilidade, em seu conteúdo de antônimo de arbitrariedade (de irracionalidade), que se entende existir no caso.

A razão disso é simples. A parte não tem como saber qual valor o Judiciário fixará a ela a título de “indenização” (tecnicamente, compensação) por danos morais. Isso está fora do controle da parte autora, já que é algo feito por estimativa realizada segundo o prudente arbítrio (sic) do Estado-juiz. Ao passo que, se o próprio STJ entende que não seria possível exigir-se a concessão do mesmo valor atribuído a outro caso em razão da indenização depender das especificidades de cada caso concreto (Súmula 420), afigura-se incoerente e irrazoável impor à parte que faça pedidos pautados em precedentes anteriores da jurisprudência. Até porque esta, data maxima venia, não tem ainda o costume de seguir os precedentes dos Tribunais Superiores e mesmo os precedentes do próprio Tribunal quando deles discorda (o que constitui fato notório, que ocorre inclusive dentro dos Tribunais Superiores, mesmo com sua própria jurisprudência).

A irrazoabilidade da imposição da sucumbência recíproca em casos de danos morais fica cabal quando se lembra da própria História dos Danos Morais no Brasil. Como se sabe, a jurisprudência amplamente majoritária anterior à Constituição Federal de 1988 negava a “indenizabilidade” dos danos morais. Argumentava-se que indenização visa “tornar indene [sem dano]”, retornando a parte ao status quo ante, ao passo que dinheiro nenhum seria apto a fazer desaparecer a dor sofrida. Bem como, e mais importante ao que aqui se quer demonstrar, afirmava-se ser impossível definir, com exatidão, o montante indenizatório devido à parte que teve sua moral abalada. Esse era o argumento central para afastar-se a indenizabilidade dos danos morais: a impossibilidade de se definir um valor exato, ficando o tema aberto ao subjetivismo do Estado-juiz para tanto. Bem como que o art. 159 do CC/1916 não o reconhecia expressamente. A isso se respondia, corretamente, que danos morais se compensam (e não se “indenizam”), constituindo um lenitivo, de sorte a ser irrelevante o valor não apagar o sofrimento que vitimou a pessoa, ao passo que o art. 159 do CC/1916[7], ao punir todo e qualquer dano decorrente de ato ilícito, era amplo o bastante para abarcar a hipótese de danos morais. Mas o argumento não era aceito pela jurisprudência majoritária, que entendia que a ausência de previsão expressa reconhecendo a indenizabilidade dos danos morais tornava o pedido juridicamente impossível ou, pelo menos, improcedente (não obstante o correto fosse reconhecer a possibilidade jurídica em razão da ausência de proibição expressa a tanto, consoante jurisprudência pacífica do STJ, então inexistente, acerca do tema).

Nesse sentido, a indenizabilidade se deu unicamente porque o art. 5º, X, da CF/88 expressamente reconheceu o direito à “indenização” por danos morais, impondo, assim, o seu reconhecimento pela jurisprudência. A partir daí, esta definiu que os danos morais são definidos segundo o prudente arbítrio do Estado-juiz, gerando os entendimentos jurisprudenciais supra citados (Súmulas 326 e 420 do STJ).

Portanto, viola o princípio da razoabilidade punir-se a parte por ter pleiteado um valor de danos morais superior àquele que o Estado-juiz fixou no caso concreto, por isso depender de uma grande dose de subjetivismo do Estado-juiz. Afigura-se arbitrário/irracional (logo, inconstitucional) punir-se a parte pela sua estimativa ter sido diferente da estimativa do Estado-juiz, seja por ser impossível prever (adivinhar) quanto o Estado-juiz fixará, especialmente ante a ausência de cultura de respeito a precedentes pela própria jurisprudência[8], mas especialmente porque cada caso concreto tem especificidades que podem fazer a parte considerar ser merecedora de um valor superior, como reconhece a Súmula 420 do STJ. Ao passo que a parte pode entender que o valor fixado pela jurisprudência é baixo e, assim, entender que é preciso haver evolução na compreensão pretoriana sobre o tema.

Sobre o conteúdo do princípio da razoabilidade, deve-se concordar com Jane Reis Gonçalves Pereira[9], no sentido dele significar: (i) antônimo de arbitrariedade (são irrazoáveis os atos estatais destituídos de causa ou fundamento, assim como os que se amparam em razões irrelevantes, o que supõe um imperativo de congruência às medidas adotadas pelo Poder Público); (ii) justiça do caso concreto (são irrazoáveis posturas que desconsiderem as regras da lógica ou da experiência comum; razoabilidade como sinônimo de equidade); (iii) exigência de consistência e coerência lógica das leis e decisões judiciais (coerência interna, de ausência de contradição entre os diversos fundamentos contidos no ato normativo ou na sentença, e coerência externa, harmonia entre o ato controlado e os valores imanentes do ordenamento jurídico); (iv) equivalência (imposição constitucional de correspondência equilibrada entre as grandezas analisadas).

Nesse sentido, a concluir-se que a interpretação sistemática do art. 292, V, com os arts. 85, §6º, e 86 do CPC/2015 implicaria na imposição da pena de sucumbência recíproca em casos de decisão concessiva de indenização por danos morais em valor inferior ao pretendido pela parte autora, então configurada estará a inconstitucionalidade de ditos dispositivos legais, devendo o Judiciário declarar a inconstitucionalidade sem redução de texto dos mesmos, para o fim de afastar a norma implícita que entenda isto impor.

Segundo a doutrina especializada, quando se entende que há uma norma implícita inconstitucional, caracteriza-se hipótese de declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto, o que, neste caso, implicaria na declaração de inconstitucionalidade da “norma implícita” que se entenda impor a sucumbência recíproca para concessão de valor indenizatório por danos morais inferior ao pleiteado pela parte. Por outro lado, na compreensão originária do instituto, quando se rejeita a arguição de inconstitucionalidade, afirma-se o cabimento de interpretação conforme a Constituição, para se entender que a lei é constitucional desde que interpretada de uma forma ou de outra. Esse conceitualismo, que diferencia a declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto da interpretação conforme a Constituição não parece acolhido pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que diversas vezes julga procedentes ações diretas de inconstitucionalidade para, por interpretação conforme a Constituição, declarar a inconstitucionalidade sem redução de texto de dispositivos legais[10], o que gera críticas de parte da doutrina especializada, que entende que a interpretação conforme seria cabível quando da rejeição da arguição de inconstitucionalidade[11]. Não obstante, há também na doutrina especializada quem defenda essa posição do STF[12], com a qual aqui se concorda.

De qualquer forma, temos duas possibilidades. Ou se reconhece que os artigos 292, V, 85, §6º, e 86 do CPC/2015 teriam a si implícita a imposição da pena de sucumbência recíproca quando da concessão de valor inferior ao pretendido mesmo em casos de danos morais, ou se reconhece que ditos dispositivos legais não geram a sucumbência recíproca no caso dos danos morais em valor inferior ao pleiteado. Caso se entenda existente dita pena neste caso, então qualquer juiz(íza) ou Tribunal, no controle difuso, deverá declarar a inconstitucionalidade incidental, sem redução de texto, de ditos dispositivos legais, para afastar dita pena nos casos de pedidos de “indenização” por danos morais. Caso entendam inexistente dita pena, então podem isto afirmar por interpretação infraconstitucional, ou por interpretação conforme a Constituição dos dispositivos legais em questão (na sua compreensão originária, de rejeição de exegese inconstitucional).

Por fim, algumas breves notas acerca do batido e cansativo argumento sobre a chamada “indústria do dano moral” (sic), já usado para “justificar” a revogação da Súmula 326 do STJ. Tornou-se um verdadeiro topos retórico falar-se sobre isso. Sempre que não se concorda com alguma indenização, fala-se que ela estimularia a tal “indústria”. Ora, a indenizabilidade do dano moral puro existe no Brasil desde 1988. Ou seja, há quase trinta anos, um período historicamente ainda muito recente. A jurisprudência levou algum tempo para consolidar algumas teses, concessivas ou negatórias de indenizações em casos diversos. Natural que demore algumas décadas para que a comunidade jurídica se conscientize sobre o que caracteriza ou não o dano moral puro – e trinta anos é muito pouco tempo, em perspectiva histórica. Doutrina e jurisprudência, até rapidamente, consagraram uma importante máxima, a qual consegue a façanha de dizer muito e não dizer nada ao mesmo tempo. Trata-se da afirmação segundo a qual não é qualquer dissabor cotidiano ou mero percalço rotineiro que gera o dano moral, no sentido de que suscetibilidades exageradas não podem gerar o direito à indenização, na medida em que a vida em sociedade supõe tolerar situações com que não nos agradam. Diz muito em termos abstratos/teóricos porque denota que é preciso um fato de especial gravidade para gerar o direito indenizatório, por algum grau de conflituosidade ser inerente à vida em sociedade, razão pela qual é uma tese importante (e correta). Mas não diz nada em concreto porque o que é um mero dissabor para uns pode ser um fato de especial gravidade para outros, logo, Estado-juiz e partes podem discordar enquanto pessoas racionais e de boa-fé que se espera que sejam.

Com o tempo, a jurisprudência já consolidou teses em prol da caracterização e não-caracterização de danos morais, inclusive in re ipsa. Por exemplo, espera em filas de bancos e atrasos de voos, em regra, não são considerados caracterizadores de danos morais (exceto se por muitas horas, por período considerado acima dos atrasos considerados “normais” e especialmente quando esses atrasos exagerados/injustificáveis fazem a pessoa perder algum compromisso importante, como uma reunião de negócios). Negativação indevida em cadastros de proteção ao créditos consideram-se caracterizadores de dano moral in re ipsa, independente da prova de qualquer prejuízo concreto, que se considera caracterizado, por presunção absoluta. Mas excetuou-se esse entendimento para pessoas com prévias inscrições em tais cadastros[13]. Nega-se o dano moral para “mero descumprimento contratual” (sic), mas excepciona-se esse entendimento quando o descumprimento contratual gera angústias e sofrimentos exacerbados, como no caso de indevida negativa de cobertura por planos de saúde. Considera-se existente dano moral in re ipsa pelo uso indevido da imagem da pessoa (mesmo que não haja, concretamente, algo objetivamente ofensivo em tal uso), o que se excepciona para o caso de pessoas públicas, especialmente detentoras de cargos públicos, as quais têm um menor âmbito de proteção do direito à privacidade (exceto em casos de abuso, como os que se comprove o animus injuriandi, claro).

Enfim, ao invés de invocar o topos puramente retórico da “indústria do dano moral”, deve-se analisar a pertinência ou não do pleito genericamente considerado. Se objetivamente ofensiva a direitos da personalidade da pessoa, a indenização deve ser concedida. Se caracterizadora de “mero dissabor” considerado como natural à vida em sociedade, pelo critério da pessoa mediana, a indenização deve ser negada. Falar em “indústria do dano moral” não ajuda em nada e apenas denota resistência de quem invoca esse topos à plena indenizabilidade dos danos morais. Razão pela qual este não pode ser considerado um argumento válido para se impor a sucumbência recíproca para condenação em valor inferior ao pretendido por danos morais. Pois a natureza jurídica da indenização por danos morais é incompatível com isso, já que o valor é fixado pelo prudente arbítrio do Estado-juiz, ou seja, segundo grande dose de subjetivismo deste, donde a natural discordância entre pessoas racionais e de boa-fé sobre o tema torna irrazoável a aplicação do instituto da sucumbência recíproca a tal hipótese.

Vale, ainda, um breve comentário sobre o citado entendimento de que “mero descumprimento contratual” não configuraria dano moral indenizável. Trata-se de entendimento absurdo que só serviu para naturalizar e estimular, ainda mais, tais descumprimentos. O desdém de fornecedores de produtos e serviços causa irritações profundas aos consumidores, que se sentem menosprezados por absurdos descumprimentos contratuais ou moras excessivas no seu cumprimento. Ao passo que soa teratológica essa verdadeira naturalização do “mero” (sic) descumprimento contratual, como se inadimplemento contratual fosse algo “aceitável”, que se fosse obrigado a “tolerar”, como “inerente” à vida em sociedade... Tal entendimento faz com que fornecedores de produtos ou serviços no mercado de consumo não se sentam compelidos a cumprir seus contratos quando inexistente cláusula penal considerável em favor do consumidor (que em geral não existe justamente por serem contratos de adesão, por eles elaborados) ou que não se enquadre nas exceções jurisprudenciais a tal entendimento. Anos atrás, o Ministro Luís Felipe Salomão, do STJ, protestou afirmando que o Judiciário se tornou o call center das empresas, para defender “filtros” para recursos subirem ao STJ e métodos alternativos de resolução de conflitos[14]. Bem, considerável parte da culpa por isso é do próprio Superior Tribunal de Justiça, tanto por negar o cabimento de indenização por danos morais em casos de “meros” (sic) descumprimentos contratuais quanto, especialmente, por conceder valores indenizatórios verdadeiramente irrisórios na generalidade dos casos. O verdadeiro preconceito do Tribunal da Cidadania com a aplicação de valores elevados, que realmente constranjam as empresas e pessoas em geral a não cometer condutas caracterizadoras de danos morais, tem como consequência que fornecedores de produtos e serviços em grande escala possam considerar “mais barato” pagar indenizações de uns “poucos mil reais” em alguns casos do que efetivamente garantir que suas dezenas de milhares de produtos ou serviços tenham qualidade suficiente a evitar os transtornos justificadores de tais indenizações.

Aqui vigora outro preconceito, o de que não se poderia conceder valores indenizatórios elevados porque isso geraria “enriquecimento ilícito/sem causa”. Ora, tem causa lícita e legítima o recebimento de indenização no valor que for, a saber, o dano moral causado. Fora que esse entendimento gera perniciosa situação de que pessoas de classes mais abastadas recebam indenizações superiores a pessoas de classes mais baixas por fatos idênticos ou equivalentes, em clara violação do princípio da isonomia, pela arbitrariedade de tal posição. Já nos foi dito informalmente que se a lei previsse que a indenização milionária não iria para a parte, mas para algum fundo estatal, com apenas um valor “razoável” indo para a vítima, possivelmente a jurisprudência fixaria valores superiores. Mas essa “distinção” é flagrantemente inconsistente. Os valores indenizatórios serem elevados ou não nos casos de danos morais não pode depender do destino do valor da indenização, que pela legislação vigente deve ser entregue exclusivamente à vítima, por qualquer destino diverso depender de lei que isto determine.

De qualquer forma, tais temas justificariam pelo menos mais um artigo, a eles destinado.

Em suma, afigura-se contrário à natureza jurídica do pleito de “indenização” por danos morais o instituto da sucumbência recíproca. Como não consta dos arts. 85, §6º, e 86 do CPC/2015 sua aplicabilidade aos danos morais, permanece em vigor a Súmula 326 do STJ. Caso o Judiciário conclua em contrário, então deverá declarar a inconstitucionalidade, sem redução de texto, de dito dispositivo legal, para se afastar a sucumbência recíproca nos casos concessão de valor inferior ao pleiteado pela parte a título de danos morais, pelo contrário violar o princípio da razoabilidade, dada a impossibilidade de a parte adivinhar qual será a estimativa judicial sobre o tema, que fica sujeita a profundo subjetivismo do Estado-juiz por ela responsável. Pelas mesmas razões, eventual dispositivo que expressamente venha a impor a sucumbência recíproca aos danos morais deverá ser declarado inconstitucional.


Notas e Referências:

[1] DELFINO, Lúcio. SOUSA, Diego Crevelin de. A derrocada do enunciado sumular 326 do Superior Tribunal de Justiça. Revista Consultor Jurídico, 5 de setembro de 2016. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2016-set-05/derrocada-enunciado-sumular-326-superior-tribunal-justica?utm_source=dlvr.it&utm_medium=facebook>. DELLORE, Luiz. Novo CPC e o pedido de indenização: fim da “indústria do dano moral”?. JOTA, 22 de fevereiro de 2016. Disponível em:  Este último artigo remete ao Enunciado 14 da ENFAM – Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados, segundo o qual “Em caso de sucumbência recíproca, deverá ser considerada proveito econômico do réu, para fins do art. 85, § 2º, do CPC/2015, a diferença entre o que foi pleiteado pelo autor e o que foi concedido, inclusive no que se refere às condenações por danos morais” (disponível em: <http://www.enfam.jus.br/wp-content/uploads/2015/09/ENUNCIADOS-VERS%C3%83O-DEFINITIVA-.pdf>) .

[2] CPC/2015. Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor. [...] §6º. Os limites e critérios previstos nos §§2º e 3º aplicam-se independentemente de qual seja o conteúdo da decisão, inclusive aos casos de improcedência aos casos de improcedência ou de sentença sem resolução de mérito. [...] Art. 86. Se cada litigante for, em parte, vencedor e vencido, serão proporcionalmente distribuídas entre eles as despesas.

[3] CPC/1973. Art. 21.Se cada litigante for em parte vencedor e vencido, serão recíproca e proporcionalmente distribuídos e compensados entre eles os honorários e as despesas.

[4] Citem-se dois precedentes que formaram a Súmula 326 do STJ. Primeiramente, STJ, EDiv no REsp 63.520/RJ, DJ de 27.08.2001, onde o Ministro Ari Pargendler aduziu que “em uma indenização por dano moral, se se entender que o valor é determinado, no futuro isso irá inibir uma pessoa de estimar o valor da lesão, porque, ao se estimar tal valor – e dano moral é de um subjetivismo fantástico – a parte estará a ele vinculada de imediato, sujeitando-se não apenas à sucumbência da tese em si, mas relativamente ao montante da indenização” (g.n). Ademais, “a corroborar esse entendimento, posicionou-se o Ministro Castro Filho, no REsp 545.476/RS, no que foi acompanhado pela Eg. Turma, ‘em se tratando de reparação por dano moral, não fica o magistrado jungido aos parâmetros quantitativos estabelecidos pelo autor, na inicial. Por isso, reconhecido o direito à reparação, ainda que esta venha a ser fixada em valores muito inferiores à quantia pretendida pelo autor, não há falar em êxito parcial ou sucumbência recíproca. A sucumbência é total, uma vez que o objeto do pedido é a condenação pelo dano. Escapando o valor da condenação à vontade do ofendido e inexistindo, consoante a sistemática de nosso direito positivo, tarifação para esses casos de lesão ao patrimônio imaterial desde que procedente o pedido, o êxito da parte autora é sempre total, a menos que, tendo havido cumulação de pedidos, num deles haja sucumbido’” (STJ, REsp 575.078/RO, DJ de 27.09.2004. G.n).

[5] Cite-se o seguinte artigo doutrinário, que expressamente afirma dito fato notório, na matéria penal: TORRANO, Bruno. Seria o Tribunal de Justiça de São Paulo um reino autônomo? Revista Emporio do Direito, 07 de setembro de 2016. Disponível em: <http://emporiododireito.com.br/seria-o-tribunal-de-justica-de-sao-paulo-um-reino-juridico-autonomo-por-bruno-torrano/>.

[6] Discorda-se desse entendimento, mas ele reforça a posição defendida nesse artigo. São temas independentes, as razões da Súmula 326 sendo suficientes para justificar sua vigência à luz do CPC/2015, mas a Súmula 420 reforça esse entendimento.

[7] CPC/1916. Art. 159. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano.

[8] Vivemos, até hoje, uma espécie de “vinculação de precedentes à brasileira”, pela qual juízes e tribunais só respeitam precedentes (e mesmo a jurisprudência consolidada de tribunais superioes) quando com eles concordam. Especialmente quando isto implica em não-conhecimento de recursos. Logo, beira a hipocrisia tribunais que não respeitam jurisprudência e precedentes punirem a parte que tem exatamente a mesma postura.

[9] PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Interpretação constitucional e direitos fundamentais. Rio de Janeiro/São Paulo/Recife: Ed. Renovar, 2006 p. 358-366.

[10] Cf., v.g.: STF, Rp. 1.417-7/DF, Rel. Min. Moreira Alves, que considera artificial a distinção entre declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto e interpretação conforme a Constituição, considerando esta como meio de controle de constitucionalidade. No mesmo sentido: STF, ADPF 132/ADI 4277, Rel. Min. Ayres Britto, usando a interpretação conforme a Constituição para excluir, como inconstitucionais, interpretações que não reconheçam a união duradoura, pública e contínua entre pessoas do mesmo sexo enquanto união estável; e ADPF 187, Rel. Min. Celso de Mello, que utiliza a interpretação conforme para excluir a exegese que criminalizava a chamada “Marcha da Maconha”.

[11] Cf., v.g.: ZAGREBELSKY, Gustavo. MARCENÒ, Valeria e PALLANTE, Francesco. Lineamenti di Diritto costituzionale Firenze: Le Monnier Università, 2014, pp. 438-439; MEDEIROS, Rui. A Decisão de Inconstitucionalidade. Os autores, o conteúdo e os efeitos da decisão de inconstitucionalidade da lei, Lisboa: Ed. Universidade Católica, 1999, pp. 398 e 405; MEYER, Emilio Peluso Neder. A Decisão no Controle de Constitucionalidade, São Paulo: Ed. Método, 2008, pp. 41, 55 e 65.

[12] DIAS, Cibele Fernandes. Decisões Intermédias e Mutação na Justiça Constitucional, Belo Horizonte: Editora Arraes, 2012, pp. 152-153.

[13] Do que se discorda, porque isso aumenta a ofensa à pessoa. Justificaria um valor inferior, mas não negar-se a existência de danos morais no caso.

[14] Cf. <http://www.conjur.com.br/2013-jan-06/entrevista-luis-felipe-salomao-ministro-superior-tribunal-justica> (acesso em 17.10.2016).


 

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