Inclusão, um assunto sempre necessário!

23/07/2016

Por Daniela Bornin - 23/07/2016

Hoje li a notícia que a primeira linha de bonecas com deficiência é sucesso absoluto de vendas. A reportagem menciona que para a criação de uma linha de bonecas com deficiências, a empresa britânica Makies se inspirou na campanha Toy like me «Brinquedo como eu» cujos participantes, com o intuito de apoiar crianças com deficiência, modificavam bonecas comuns para que elas parecessem pessoas reais, e publicavam as fotos nas redes sociais. Os pais compartilhavam fotos de bonecas feitas por eles mesmos para seus filhos e pediam aos fabricantes de brinquedos criassem uma série que tivesse as mesmas limitações que os seus bebês.

Após a leitura do texto refleti sobre a infância que vivi.

Quando criança, se alguma boneca perdia alguma parte do corpo (perna, braço, olho, cabelo etc.) eu e minhas amiguinhas trocávamos por outras, deixávamos de lado, não queríamos mais brincar com aquilo que não era, aos nossos olhos, “perfeito”. E repetíamos os mesmos gestos com nossos “coleguinhas” que possuíam algum tipo de deficiência: o (a) cadeirante, o (a) “manquinho(a)”, o (a) “ quatro - olho”, o (a) “gago”, o (a) “babão” entre outros tantos adjetivos preconceituosos, desnecessários e desumanos.

Tínhamos medo dos “alunos da sala especial” e a escola contribuía para esse medo... Eu me lembro que esses alunos não conviviam com as demais salas e crianças, eram segregados do convívio.

O fato é que hoje sei que nos transformaram em “crianças preconceituosas” pelas práticas de exclusão tão frequentes em nossa sociedade, repassadas em todos os ambientes (principalmente no ambiente escolar). Como por exemplo, a restrição ao acesso à escola regular, ao mundo do trabalho, ao convívio social e também nas atitudes comiserativas, resultante do desconhecimento, considerado a matéria-prima para a perpetuação dessas atitudes preconceituosas e das leituras estereotipadas da deficiência – seja esse desconhecimento relativo ao fato em si, às emoções geradas ou às reações subsequentes.

Ligia Amaral leciona que esse preconceito em relação à questão da deficiência,

(...) pode estar lastreado na aversão ao diferente, ao mutilado, ao deficiente – os estereótipos daí advindos serão: o deficiente é mau, é vilão, é asqueroso...Ou o preconceito pode ser baseado em atitude de caráter comiserativo, de pena, de piedade: o deficiente é vítima, é sofredor, é prisioneiro ...e assim por diante[1].

Ao refletirmos sobre a condição de alguém que possui uma deficiência, os atributos da pessoa como discernimento, escolha, decisão ficam fora do foco, reduzimos a pessoa à sua deficiência, impedindo-a (segundo a leitura da preconceituosa sociedade de classes) de exercer seu papel social de cidadão.

No contexto educacional, o preconceito nos remete a ideia de que as crianças e os adolescentes com deficiência deveriam viver isolados ou segregados em escolas próprias para cada tipo de deficiência, ou mesmo na rede regular do ensino em salas de aulas diferenciadas das demais, que essa separação e exclusão seria benéfico a eles e a nós, o que é um absurdo!

Vivemos em uma sociedade plural, devemos aprender a conviver com a diferença e a inclusão é um direito que deve ser respeitado.

Luiz Alberto David Araujo enfatizou a concepção de igualdade nas escolas afirmando que:

A criança e o adolescente têm o direito de ser incluído socialmente. Não se quer mais a criança e o adolescente segregados, em escolas próprias, onde o convívio será sempre o mesmo. É preciso pensar-se em uma escola inclusiva, onde as crianças brinquem juntas e convivam, sem preconceitos ou quaisquer discriminações.[2]

Menciona ainda que a origem do preconceito e da discriminação se localiza justamente no processo educacional pela falta de oportunidade em conviver com coleguinhas com deficiência em sala de aula e em razão de não termos vivenciado a experiência de ter convivido democraticamente num ambiente inclusivo, não temos condições de lidar com naturalidade diante da situação de termos uma pessoa com deficiência no ambiente escolar.[3]

É exatamente isso que me veio à mente quando li a matéria sobre as bonecas.

A minha escola me ensinou um monte de coisas que até hoje não utilizei na minha vida, como por exemplo “a soma dos quadrados dos catetos é igual a hipotenusa”.

Hoje me pergunto por qual razão eu precisava encontrar o valor de “x” (ou de y) ao invés de encontrar o valor humano e compartilhar experiências no convívio com a diferença.

E o meu brinquedo, a minha boneca? Por qual razão era sempre  “branquinha, de olhos azuis e perfeita”? Ou era uma “bela moça” sempre de salto alto, botas, roupas da moda, vestidos, com “makes”, seios fartos e cintura fina (loura e de cabelos longos, óbvio!). Entre panelinhas e fogãozinho, a brincadeira com o carrinho foi tão somente com “carrinhos de bebê”, pois as mais legais (de controle remoto) eram de menino!

Os tempos são outros e hoje temos a oportunidade de fazermos diferente do que foi feito conosco. É tempo de inclusão!

Meus (futuros) filhos, seus filhos e essa criançada toda terão a possibilidade e a oportunidade terem bonecas negras, índias, deficientes, com óculos, com aparelhos auditivos, com muletas, cadeiras de rodas, de próteses, órteses, com manchas na pele, cicatrizes...entre tantos detalhes que representam esse nosso mundo real e diversificado.

Poderão brincar do que quiserem! É tão lindo! É educativo!

E sabemos que a educação é o caminho necessário e indispensável para desenvolvermos a naturalidade do convívio típica de uma situação inclusiva. E essas belezuras de bonecas vão contribuir ainda mais para o processo inclusivo, nossas crianças aprenderão a conviver com as diferenças e a desenvolver tolerância.

O mais importante disso tudo é a oportunidade que nossos pequenos terão em conviver com as outras crianças com deficiências porque encontrarão muito mais valor do que o valor de  “x”  ou “y”. Acreditem!

Espero que os fabricantes nacionais também adotem essa ideia e disseminem a inclusão!

E que nós estejamos atentos à importância de ensinar a conviver e a respeitar a diferença.


Notas e Referências:

[1] AMARAL, Lígia Assumpção. Conhecendo a deficiência (em companhia de Hércules). São Paulo, Robe Editorial, 1995, p.120.

[2] ARAUJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional da pessoa portadora de deficiência e os obstáculos para efetivação da inclusão social: tentativa de diagnóstico do período 1988-2003.  In Constitucionalizando Direito. 15 anos da Constituição Brasileira de 1988.  Fernando Facury Scaff (Org). Rio de janeiro: 2003, p. 422.

[3] Idem, p. 423

Fonte: http://incrivel.club/inspiracao-historias/primeira-linha-de-bonecas-com-deficiencia-e-sucesso-absoluto-29355/


Daniela Bornin. . Daniela Bornin é mestre em Sistema constitucional de garantia de Direitos pela ITE - Bauru, especialista em Direito Penal e Processual Penal, professora, advogada. . .


Imagem Ilustrativa do Post: Doll // Foto de: donvix // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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