Incentivos fiscais e a política jurídica

27/11/2015

 Por Charles M. Machado - 27/11/2015

Em meio a tantos escândalos de trocas de favores com contrapartida financeira, onde de um lado se concede um favor fiscal de outro uma vantagem financeira, a política tributária de incentivos vai sendo maculada, desvirtuando-se o seu real propósito.

No mundo inteiro a maioria absoluta dos países realizam políticas fiscais, com segmentos da economia sendo estimulados, ou áreas territoriais sendo favorecidas com cargas reduzidas, ou as duas coisas juntas.

O problema é que quando o homem público usa a política de incentivos fiscais como moeda de troca, ele desvirtua os propósitos e joga na lama tudo de bom que se construiu em termos de extrafiscalidade.

Os tributos são classificados pela sua finalidade em três espécies: fiscalidade, extrafiscalidade e parafiscalidade. Os primeiros tem apenas o propósito arrecadatório; O segundo tem outras finalidades além da arrecadação, é o caso por exemplo do Imposto de Importação e de Exportação, onde ambos tem finalidade diversa de arrecadar, quando pretendem serem também instrumentos de regulação do comércio exterior; Quanto a parafiscalidade ela se manifesta quando a sua cobrança é feita por um outro ente estatal criado com outros propósitos e que para qual é delegada a competência de cobrar tributos, esse sempre foi o caso do INSS e dos conselhos profissionais enquanto autarquias criadas por Lei.

Essa classificação, é claro é apenas uma, das tantas que podemos dar aos tributos, porém nesse artigo o papel é discutir o caráter extrafiscal do tributo, notadamente de quando ele pode ser gerador e estimulador da atividade econômica.

Nos últimos anos por conta da distribuição de competência entre os entes federativos permitir que cada ente da nossa federação regule os tributos da sua competência, dando fermento à guerra fiscal, ao mesmo tempo devemos enfrentar esse fantasma que distorce o propósito da extrafiscalidade. A guerra fiscal ganha às ruas na medida em que nosso modelo tributário delegou o ICMS para os Estados, ao contrário da maioria dos demais países, onde os Impostos incidentes sobre o Valor Agregado, é sempre de competência da União, no caso brasileiro, pelas suas dimensões continentais, o ICMS passou a ser a galinha dos ovos de ouro, e como tal sempre objeto de cobiça em todo projeto de reforma tributária.

O fato é que apesar de estar previsto na Magna Carta a necessidade de regulação dos incentivos fiscais, o país não possui um regramento nacional sobre a matéria, que de tratamento qualitativo e não quantitativo ao tema, de tal maneira que hoje o regramento paroquial dos incentivos fiscais criou distorções no sistema que ao invés de jogarem favoráveis ao sistema funcionam de forma torta gerando emprego fora do País.

Ficamos em alguns exemplos, os automóveis adquiridos por nossos taxistas, tem o mesmo benefício fiscal, seja ele fabricado no Brasil, no MERCOSUL ou no México. Dessa maneira estimulamos pela renúncia fiscal a geração de empregos fora do Brasil, uma contradição em uma nação que assiste de forma galopante o aumento da participação chinesa, no processo de industrialização mundial.

Em que pese a necessidade integracional do MERCOSUL, os demais entes federativos, não precisam seguir a União nos incentivos fiscais dados a essa frota, nesse aspecto a obrigação de uma política macro de incentivo precisa estar pautada em fatores que contribuam pelo desenvolvimento de uma indústria transnacional de base brasileira.

Nesse momento, todas as projeções conduzem a cristalização de uma indústria automobilística chinesa, algo impensável a quinze anos atrás quando iniciávamos a exportação de nossos Santanas, de lá pra cá, tornou-se no primeiro semestre de 2009 o maior fabricante e consumidor de automóveis, e deverá ter até o final de 2020, três marcas nacionais entre as dez maiores do mundo, seja por aquisição ou investimento em marca própria. No caso chinês qual foi o desenho, exigir que os fabricantes que tenham interesse em se instalar naquele mercado a obrigatoriedade de ter um sócio local, o que de uma certa forma acelerou a transferência de tecnologia, em que pese as formas pouco ortodoxas que muitas vezes os chineses utilizam pra isso, pois muitas vezes nesse aspecto os fins justificam os meios.

Nesse momento alguns projetos industriais, tem essas características, como da Hyundai e da Mitsubischi, não por uma política nacional, mas por características da negociação com as matrizes dessas empresas e pela coragem e empreendedorismo desses acionistas brasileiros.

O fato é que o desenvolvimento de uma industria automobilística nacional encontra todos os requisitos aqui no Brasil, pois além do tamanho do mercado interno, somos uma referência na América Latina, temos mão de obra qualificada, matéria prima e principalmente capacidade de inovar com velocidade. Então o que falta se não uma leitura de estadista para esse segmento, que entenda que qualquer incentivo precisa compreender os três entes federativos.

Nesse exemplo é claro a necessidade de uma política nacional, evitando assim a carnificina de Estados que disputam a tapas a instalação de fabricas. É preciso uma política macro de incentivos fiscais que considere:

1. As vocações regionais.

2. Privilegie a empregabilidade.

3. Desenvolva a formação de players pela agregação de valor.

4. Distribua o desenvolvimento.

5. Consiga ler as tendências mundiais econômicas, para que possamos exercer um papel de referência.

6. Que edifique ao longo do tempo setores auto-sustentáveis, pois áreas que só se mantenham à mais de 20 anos através de incentivos fiscais, comprovam que não realizaram o seu papel.

7. Privilegie a formação de cadeias de setores.

Imaginemos por exemplo um setor que já foi referência, o setor naval, pense que desenho poderíamos dar pelas condições e características desse setor:

1. Estímulo na venda das chapas vinda de siderúrgicas instaladas em território nacional, esse setor brasileiro já é competitivo, mas é fundamental que essa mercadoria agregue valor aqui dentro o que implica mais empregos. Nesse caso o papel é da União e dos Estados. Junto a essa indústria, estarão fabricas de tintas, de motores, material elétrico entre outros.

2. No segundo momento é fundamental os estímulos dos municípios na geração de mão de obra específica, de engenheiros, soldadores, sendo fundamental a edificação de uma infra-estrutura educacional próximo a essas plantas geradoras intensivas de mão de obra. Logo os municípios devem identificar como estimular as prestadoras de serviço no entorno desse parque industrial.

3. Quando as embarcações estão prontas, sejam elas de passeio ou de carga, é hora de criara regimes especiais e competitivos para que as empresas de navegação aqui se instalem, bem como seguradoras e operadoras de portos eficientes, que tornem baixo o custo operacional, o que implica também no estímulo a navegação de capatazia, o que torna o transporte em um país com uma costa continental uma ótima oportunidade. Logo é fundamental nesse instante a participação dos Estados em benefícios que reduzam a tributação na venda do diesel marítimo para essas operações.

4. No caso de navios para passeios turísticos, o incentivo deve ser ajustado entre os três entes federativos, afinal é bom lembrar, que a maior parte da costa brasileira, fica a 4 hs de vôo dos Estados Unidos e 6 hs de vôo da Europa, o que permite a oferta de cruzeiros marítimos durante todo ano, logo o papel dos Estados é igualar o fornecimento de combustível de navios brasileiros a operações de exportação, bem como a venda de produtos brasileiros dentro dessas embarcações podem ser estimuladas pela política de tax free. No caso das prefeituras o papel é fornecer mão de obra qualificada para o trabalho nesses navios.

É claro que esse desenho não pode estar dependente de um único segmento, de um único projeto, como o pré-sal mas sim de todo um modal, ou seja incentivo ao transporte de cabotagem, barcas para integração regional, barcos de pesca e de passeio.

Esses pontos tem um único propósito de construir um desenho de um setor significativo e privilegiado para o Brasil, onde a nossa participação no momento é insignificante, culpa da miopia e do atraso que por muito tempo, permitiu e permite que as ações sejam desordenadas.

As normas enquanto previsões hipotéticas de conduta, nascem da competência atribuída e distribuída pela Magna Carta que é nossa Norma Fundante, é sobre os Princípios nela previsto que se ergue o universo normativo.

No Art. 1º da Constituição em seu primeiro Enunciado elege os valores sociais de onde se extrai que “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: ...IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa."

Eleger o trabalho e a livre iniciativa é imaginar que o desenvolvimento de uma nação ocorre através do trabalho e na iniciativa de através dele produzir o novo, acompanhando todos os avanços que por meio do trabalho e da sociedade coletiva se apresentam para o evoluir social.

Logo a política fiscal deve sempre estar voltada para geração de emprego e de fomentar o novo, através de estímulos as novas tecnologias como Uber, WhatsApp, Waze entre outras tecnologias disruptivas.

O Incentivo fiscal deve privilegiar a inovação, afinal se a inovação é e sempre será o ato de pensar e produzir algo, seja bem o serviço de uma maneira nunca dantes executada. Estimular essa produção de ideias convertidas em produtos ou serviços, através de um ambiente favorável é uma obrigação do Estado, prevista na nossa Magna Carta.

A casuística normativa Brasileira, fez com que o legislador Constituinte Originário, e o Derivado (EC. N° 85) registrassem em Nossa Magna Carta, nos Artigos 218, 219-A e 219-B o Capítulo dedicado a Ciência, Tecnologia e Inovação, todo o universo regulador da Inovação Brasileira parte da Competência Impositiva ali prevista.

A história evolutiva do homem, é sempre contada pelas descobertas inovativas, que o ser humano produziu. Seja através da descoberta do fogo, ou do trabalho, o certo é que na vida humana, a inovação derrama suas tintas desde os nossos primeiros passos.

Afinal, nascemos e marcamos a nossa vida na terra, registrando, anotando e comentando todos os passos da nossa evolução, para isto basta observar como destacamos todos os passos evolutivos de nossos filhos, cada novo avanço é sempre motivo de comemoração, pois sabemos que a criança ao evoluir, se torna mais preparada para os desafios da vida adulta, e assim os novos passos da criança são sempre comparados com os nossos, o que nos leva sempre a concluir que as crianças de hoje parecem ser mais velozes no aprendizado do que antes, logo fazemos questão de compartilhar nas redes sociais, aguardando sempre os amigos clicks.

A Constituição Federal, no seu artigo primeiro elege os seus princípios fundamentais, é lá que encontramos a soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, todos valores umbilicalmente ligados com o poder de inovação das empresas. Afinal como imaginar um Pais soberano sem a sua autonomia tecnológica? Como forjar cidadãos, sem a liga do conhecimento, que alimenta e une a sociedade moderna? Como construir uma sociedade minimamente digna pra se viver sem a distribuição do conteúdo inventivo? Como edificar um mundo do trabalho e da livre iniciativa, sem a proteção legal que estimule e garanta a capacidade inventiva no mundo empresarial?

Os incentivos devem enfrentar os feudos e as políticas de oligopólio, e jamais servir a eles, como em recentes escândalos.

Esse são os principais pontos para essa discussão inicial, sem os quais assistiremos a derrama do dinheiro público, como último sopro e não como a brisa a movimentar o barco do desenvolvimento sustentável.

Com uma política de incentivos de Estado e não de governo, reduzimos o balcão de negócios, que quase sempre coloca o interesse particular na frente das causas nobres. O resultado disso colhemos nas CPIs alimentas pelas escutas.


Charles M. Machado é advogado formado pela UFSC, Universidade Federal de Santa Catarina, consultor jurídico no Brasil e no Exterior, nas áreas de Direito Tributário e Mercado de Capitais. Foi professor nos Cursos de Pós Graduação e Extensão no IBET, nas disciplinas de Tributação Internacional e Imposto de Renda. Pós Graduado em Direito Tributário Internacional pela Universidade de Salamanca na Espanha. Membro da Academia Brasileira de Direito Tributário e Membro da Associação Paulista de Estudos Tributários, onde também é palestrante. Autor de Diversas Obras de Direito. Email: charles@dantinoadvogados.com.br


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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