In dubio pro justitia socialis e a legitimidade no processo coletivo: elementos para a aferição da legitimidade ministerial e defensorial na 2ª onda de acesso à Justiça

20/06/2015

As discussões sobre a legitimidade coletiva costumam despertar bons debates judiciais e acadêmicos, mormente quanto aos agentes públicos legitimados. A contenda se inicia na definição do controle da legitimidade em Ação Civil Pública, se ope legis – bastando a manifesta vontade da legislação –, ou ope iudicis, na qual seria cabível o controle judicial da legitimidade coletiva.

Há tempos, o Ministério Público e a Defensoria Pública sofrem ataques antidemocráticos em sua legitimidade coletiva por parte dos interessados em sua não atuação coletiva. Os argumentos contrários são em vários sentidos: impossibilidade de defesa de direitos individualmente disponíveis por parte de um; impossibilidade de aferição da hipossuficiência econômica concreta no outro caso. Porém, todos os argumentos contrários às referidas legitimações coletivas são também contrários à chamada “2ª onda de acesso à Justiça”, à Jurisdição de direitos coletivos, de Mauro Cappelletti e Bryant Garth.

À luz do inciso XXXV, do artigo 5º, da Constituição, é preciso garantir a inafastabilidade do controle jurisdicional em relação aos direitos coletivos. Nesse sentido, é imperioso indicar um eixo legitimador do atuar ministerial e defensorial coletivo para que o acesso à justiça coletiva por atores processuais públicos não caia em desuso, descrédito ou limitações indevidas.

Nesse passo, já há algum tempo, o Judiciário evita afastar a legitimidade ministerial – mesmo em se tratando de direitos individuais homogêneos disponíveis. Assim sucedeu, por exemplo, quando o Supremo Tribunal Federal garantiu a legitimidade ao Ministério Público para o trato de questões indenizatórias de DPVAT. Reformando decisão do Superior Tribunal de Justiça (AgRg nos EREsp nº 855.165-GO), concluiu o STF que “[…] a lesão desses interesses individuais acaba não apenas atingindo a esfera jurídica dos titulares do direito individualmente considerados, mas também comprometendo bens, institutos ou valores jurídicos superiores, cuja preservação é cara a uma comunidade maior de pessoas. Em casos tais, a tutela jurisdicional desses direitos se reveste de interesse social qualificado, o que legitima a propositura da ação pelo Ministério Público […]” (RE nº 631.111-GO, DJe 30.10.14).

Ademais, admitiu-se também – desta feita no âmbito do STJ –, a legitimidade ministerial em ação coletiva benéfica a moradores de condomínio certo e identificado (AgRg no AREsp nº 562.857-RS, DJe 17.11.14), graças à relevância do bem jurídico sub judice. Destarte, a relevância social do bem sub judice no processo coletivo é questão que deve e pode delinear a legitimidade na segunda onda de acesso à Justiça.

Com efeito, em relação à Defensoria Pública não tem sido diferente. Em primeiro plano, é preciso sobrelevar o julgamento da ADI n. 3943 (STF), em 7/5/2015, na qual o Supremo Tribunal Federal julgou totalmente improcedente a ADI que almejava afastar ou limitar a legitimidade defensorial coletiva. Assim, há tendência à leitura mais ampliativa da retrocitada legitimidade ativa. Com a mesma razão, assinalou Cássio Scarpinella Bueno (2013, p. 192): “Trata-se, em última análise, do mesmo entendimento que reconhece ao Ministério Público ampla legitimidade ativa para agir no âmbito do ‘direito processual coletivo’, sem que isto, por si só, signifique qualquer mácula ao reconhecimento da legitimidade da Defensoria Pública, ou, até mesmo, da Advocacia Privada”.

Noutro âmbito, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) – em decisões constitucionalizadas pelo inciso XXXV do art. 5º da Constituição –, posicionou-se no mesmo sentido: “[…]. 6. ‘É imperioso reiterar, conforme precedentes do Superior Tribunal de Justiça, que a legitimatio ad causam da Defensoria Pública para intentar ação civil pública na defesa de interesses transindividuais de hipossuficientes é reconhecida antes mesmo do advento da Lei nº 11.448/07, dada a relevância social (e jurídica) do direito que se pretende tutelar e do próprio fim do ordenamento jurídico brasileiro: assegurar a dignidade da pessoa humana, entendida como núcleo central dos direitos fundamentais’ (REsp nº 1.106.515-MG, Primeira Turma, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe 02.02.11). […]”. (REsp nº 1.264.116-RS, 2ª Turma, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 13.04.12.)

 E ainda: “[…]. Ação Civil Pública. Defesa coletiva dos consumidores. […] Interesses individuais homogêneos. Legitimidade ativa do órgão especializado vinculado à Defensoria Pública do Estado. […]. III – Reconhecida arelevância social, ainda que se trate de direitos essencialmente individuais, vislumbra-se o interesse da sociedade na solução coletiva do litígio, seja como forma de atender às políticas judiciárias no sentido de se propiciar a defesa plena do consumidor, com a consequente facilitação ao acesso à Justiça, seja para garantir a segurança jurídica em tema de extrema relevância, evitando-se a existência de decisões conflitantes. Recurso especial provido.” (STJ, REsp nº 555.111-RJ, 3ª T., Rel. Min. CASTRO FILHO, DJ 18.12.06.)

Nessa esteira, em caso de adoção judicial da teoria do controle ope iudicis da legitimidade coletiva, questiona-se: se houver dúvida acerca da legitimidade ministerial ou defensorial (e de qualquer outro legitimado coletivo) e sobre a relevância social dos direitos demandados em Juízo, qual seria o critério a ser utilizado pelo Poder Judiciário para solucionar a problemática?

Pois bem, defende-se como resposta adequada à indagação supracitada, a adoção do princípio in dubio pro justitia socialis aplicada à solução de dúvida acerca da legitimidade coletiva (MAIA, 2015, p. 42-45) – na dúvida, em favor do acesso à 2ª onda de acesso à Justiça e da busca por efetividade da Justiça Social. Tal princípio fora usado inicialmente pela Suprema Corte Argentina, em 13 de setembro de 1974, no contexto da aplicação de direitos sociais – por essa razão, entende-se por sua aplicabilidade também quanto à solução de dúvidas sobre a legitimidade coletiva quando em discussão direitos sociais da população.

Oportunamente, compreende-se que a ideia de aplicação do princípio in dubio pro Justitia Socialis já foi adotada implicitamente pelo STJ no Recurso Especial nº 931.513-RS, com acórdão relatado pelo Ministro Herman Benjamin – conforme a seguinte redação: “[…]. 1. Quanto mais democrática uma sociedade, maior e mais livre deve ser o grau de acesso aos Tribunais que se espera seja garantido pela Constituição e pela lei à pessoa, individual ou coletivamente. 2Na Ação Civil Pública, em caso de dúvida sobre a legitimação para agir de sujeito intermediário – Ministério Público, Defensoria Pública e associações, p. ex. –, sobretudo se estiver em jogo a dignidade da pessoa humana, o juiz deve optar por reconhecê-la e, assim, abrir as portas para a solução judicial de litígios que, a ser diferente, jamais veriam seu dia na Corte. […]. (Primeira Seção, DJe 27.09.10.)”

Com efeito, a aplicação do princípio in dubio pro justitia socialis também findará por garantir a proibição do retrocesso quanto ao tema da legitimação coletiva dos atores públicos do processo coletivo – sentido em que apontam Didier Jr. e Zaneti Jr. (2014, p. 196): “Incide, no caso, o princípio da proibição do retrocesso toda vez que a lei legitime mais de um representante adequado para o ajuizamento da ação coletiva. Essa é a vontade da Constituição […]”.

Por fim, entende-se que a adoção da relevância social do direito coletivo sub judice ao lado do princípio in dubio pro justitia socialis poderá garantir mais efetividade à 2ª onda de acesso à Justiça e assim também maior legitimidade democrática aos debates judiciários acerca das soluções judiciais para temáticas relevantes à sociedade e às comunidades brasileiras – evitando-se o retrocesso social quanto à 2ª onda renovatória de acesso à Justiça.


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Notas e Referências:

BUENO, Cássio Scarpinella. Curso sistematizado de Direito Processual. V. 2. T. III. São Paulo: Saraiva, 2013.

CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988.

DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de Direito Processual Civil. 9. ed. V. 4. Salvador: Jus Podivm, 2014.

MAIA, Maurilio Casas. Os necessitados de Carnelutti e o mito de Sísifo: a (i)legitimidade coletiva da Defensoria Pública para a tutela dos encarcerados, Revista Jurídica Consulex, Brasília (DF), v. 436, p. 42-45, 15 mar. 2015.


 

Maurilio Casas Maia é Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Pós-Graduado lato sensu em Direito Público: Constitucional e Administrativo; Direitos Civil e Processual Civil. Professor de carreira da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e Defensor Público (DPE-AM).

Email:  mauriliocasasmaia@gmail.com                                                                                                                                                                                                                                         


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