IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS (IPI) — O DIREITO AO CREDITAMENTO EM RAZÃO DO PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE NA CADEIA PLURIFÁSICA: EXPORTAÇÃO

12/06/2019

Avaliando a estrutura jurídica que alberga o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), em se tratando de uma mesma cadeia plurifásica, deve-se redobrar a atenção do contribuinte para a hipótese de não incidência do famoso “imposto sobre imposto”.

Para o efeito anunciativo pretende-se explicar, não apenas sobre o princípio da não-cumulatividade, mas também sobre o saldo do crédito de IPI (crédito básico) não utilizado em razão da imunidade tributária decorrente da exportação de produtos industrializados.

Cabe ressalvar, desde logo, que o crédito de IPI não se confunde com o crédito presumido de IPI.

O princípio da não-cumulatividade do IPI, bem como a imunidade tributária nas exportações de produtos industrializados estão contidos na Constituição da República, no art. 153, §3, II e III, a saber:

“Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:

(...)

IV - produtos industrializados;

(...)

§3º O imposto previsto no inciso IV:

(...)

II - será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores;

III - não incidirá sobre produtos industrializados destinados ao exterior.”[1]

Por sua vez, o caput do artigo 49 do CTN (Código Tributário Nacional) e o parágrafo único do mesmo dispositivo também expressam essa não-cumulatividade do IPI[2].

No contexto da norma legal, o contribuinte tem o direito de utilizar o saldo em comentário para compensar (abater) ou a restituir-se de tais valores.

A jurisprudência tem assim se posicionado:

TRIBUTÁRIO. CONSTITUCIONAL. CREDITAMENTO DECORRENTE DE AQUISIÇÃO DE INSUMOS E MATÉRIAS-PRIMAS TRIBUTADOS OU NÃO, UTILIZADOS NA FABRICAÇÃO DE PRODUTO NÃO TRIBUTADO (ÁLCOOL CARBURANTE). PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE. LEI Nº 9.779/99. EXPORTAÇÃO. INCENTIVO. MEDIDA PROVISÓRIA Nº 491/69, RESTABELECIDA PELA LEI Nº 8.402/92.  PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. DECRETO Nº 20.910/32. (...).

XII. O benefício fiscal previsto no art. 5º do DL n. 491/1969 (restabelecido pelo art. 1º, II, da Lei n. 8.402/1992) legitima o creditamento de IPI relativo às matérias-primas, produtos intermediários e material de embalagem tributados efetivamente utilizados na industrialização dos produtos exportados. O valor do imposto pago nas etapas anteriores da cadeia produtiva pode ser creditado na contabilidade do exportador, ou repetido, evitando-se sua inclusão no preço do bem a ser exportado (que não está sujeito ao IPI).

XIII. Os insumos utilizados na industrialização dos produtos exportados cuja aquisição é não tributada, isenta ou sujeita à alíquota zero não autorizam o creditamento de IPI, porquanto já destacado que o princípio da não cumulatividade não legitima creditamento nas hipóteses de entradas exonerativas.

XIV. Apelação parcialmente provida, para reconhecer o direito de creditamento de IPI da empresa contribuinte com relação às exportações, com base no art. 1º, II. da Lei nº 8.402/92 (art. 5º do DL n. 491/69), nas hipóteses em que houve a incidência do citado tributo na aquisição de insumos e matérias-primas para a produção do produto a ser exportado, o que deve ser efetivamente demonstrado quando da liquidação da decisão, cabendo à execução do julgado definir se a produção contempla também álcool não carburante.

(TRF4. PROCESSO: 200280000098543, DESEMBARGADOR FEDERAL IVAN LIRA DE CARVALHO, Segunda Turma, JULGAMENTO: 18/08/2015, PUBLICAÇÃO: DJE - Data::27/08/2015 - Página::129).

Na mesma linha interpretativa, o Superior Tribunal de Justiça — STJ, por ocasião do julgamento do Recurso Especial nº 1.528.764, a respeito do direito ao creditamento do saldo do Imposto sobre Produto Industrializado decorrente da exportação de produtos em que incide esse tributo, decidiu:

TRIBUTÁRIO. IPI. CREDITAMENTO. EXPORTAÇÃO. DL N. 491/1969 E LEI N. 8.402/1992. INCENTIVO À EXPORTAÇÃO. CREDITAMENTO. POSSIBILIDADE NAS ENTRADAS DE MATÉRIAS-PRIMAS, PRODUTOS INTERMEDIÁRIOS E MATERIAL DE EMBALAGEM TRIBUTADOS.[3]

Conforme o entendimento jurisprudencial mais recorrente, a compensação prevista na Constituição da República, para fins da não-cumulatividade, depende do cotejo de valores apurados entre o que foi cobrado na entrada e o que foi devido na saída, ou seja, o crédito do adquirente se dará em função do montante cobrado do vendedor do insumo e o débito do adquirente existirá quando o produto industrializado é vendido a terceiro, dentro da cadeia produtiva (cadeia plurifásica).

Assim, para acontecer o direito ao creditamento do IPI, o vendedor de matérias primas, produtos intermediários e material de embalagem, utilizados na industrialização, deve ter recolhido o valor referente a esse tributo.

Esse mesmo raciocínio, em tese, não se aplica quando a entrada desses produtos tenha sido feita de forma isenta, sujeita a alíquota zero ou imune, todavia a questão aqui é polêmica, considerando-se a existência de precedentes albergando o creditamento mesmo nestas hipóteses, como é o caso do RE 615929/2012, em cujo julgamento sustentou-se que “se não houver o creditamento, a imunidade, isenção ou tributação à alíquota zero de determinada operação anular-se-á na operação seguinte. Teríamos, então, mero diferimento de imposto. Este efeito, além de violar o princípio da não cumulatividade, compromete os objetivos extrafiscais pretendidos com o benefício da isenção ou taxação à alíquota zero, pois a carga fiscal apenas se transfere para uma etapa seguinte do processo produtivo (RE 615929 AgR/PR, Rel. Ministro Luiz Fux, DJe-126, 28/06/2012).  

 De qualquer forma, e para o efeito almejado no presente estudo, vale lembrar que a variação de alíquota depende de cada produto industrializado, devendo-se consultar a Tabela TIPI (tabela do IPI).

Para exemplificar, cabe a seguinte ilustração:

 

Hipótese/Exemplo. A alíquota — 10%

Base de cálculo                                      100 ----------> 150-------------->200------------->1000

Credita-se do anterior                              10<-------------15<----------------20<--------------100

Resultado                                                10       +           5            +          5    +   80   = 100

Al: 10%

Fabricante 1

Fabricante 2

Fabricante 3

F. Exportador 4

 

Base de cálculo

100

150

200

1000

 

Creditamento

10

15

20

100

 

Resultado

10+

5+

5+

80

= 100

 

LEGENDAS: X1       – Matéria prima

P1        – Produto 1

P2        – Produto 2

P3        – Produto 3

P4        – Produto 4

Desdobrando-se o exemplo/hipótese, pode-se estabelecer que:

  • O Fabricante 1 compra a matéria prima (X1) de forma não tributada, com a qual faz o produto (P1) e vende para o Fabricante 2 por R$ 100,00.

O crédito aproveitado do Fabricante 1 foi de R$ 00,00 (zero), pois quando a entrada da mercadoria acontece de forma não tributada, imune, isenta, ou sujeita a alíquota zero, ele não tem de onde se creditar.

O Fabricante 1 paga R$ 10,00 a título de IPI (base de cálculo 100, alíquota de 10% =10).

  • O Fabricante 2 compra o produto (P1) do Fabricante 1 e transforma no produto (P2), revendendo-o por R$ 150,00 para o Fabricante 3.

O Fabricante 2 tem um direito de crédito de R$ 10,00 referente ao valor já recolhido pelo Fabricante 1, podendo se creditar (base de cálculo 150, alíquota de 10%= 15-10=5).

  • O Fabricante 3 compra o produto (P2) do Fabricante 2 e transforma no produto (P3), revendendo-o para o Fabricante/Exportador 4 por R$ 200,00.

O Fabricante 3 tem um direito de crédito de R$ 15,00 referente ao valor já recolhido pelo Fabricante 2, podendo se creditar (base de cálculo 200, alíquota 10%=20-15=5).

  • O Fabricante Exportador 4 compra o produto (P3) do Fabricante 3 e transforma no produto (P4), EXPORTANDO-O por R$ 1.000,00.

Considerando-se que o Fabricante/Exportador do produto (P4) tem imunidade tributária referente ao imposto de IPI na exportação, ele não recolherá como nas outras cadeias demonstradas anteriormente. Isto quer dizer que não irá recolher o valor sem creditamento de R$ 100,00 e nem mesmo o valor com creditamento, que seria de R$ 80,00 (base de cálculo 1000, alíquota de 10%=100-20=80).

Conclui-se que o Exportador tem a imunidade tributária de IPI e também um incentivo fiscal para aproveitar o crédito da cadeia anterior não utilizado. Crédito esse de R$ 20,00, segundo o exemplo acima.

Como visto o princípio da não-cumulatividade cumpre o seu papel constitucional, evitando-se acúmulo do imposto nas diversas fases do processo industrial.

O regime constitucional do Imposto sobre Produtos Industrializados determina a compensação do que for devido em cada operação com o montante cobrado nas operações antecedentes, caracterizando-se a substância jurídica do princípio da não-cumulatividade, não aperfeiçoado quando não houver produto onerado na saída (que é o caso da imunidade do IPI na exportação), pois o ciclo não se completa.

Assim sendo, é necessário que aconteça a incidência do IPI na entrada e a desoneração na saída, porém apenas isso não é suficiente para dar direito ao crédito de IPI ao exportador. O contribuinte (exportador) apenas passou a ter direito ao referido crédito com a entrada em vigor da Lei 9.779/99, artigo 11[4], que estabeleceu o marco legal da possibilidade de compensação do IPI incidente na etapa anterior, exceto em relação a saídas isentas, sujeitas à alíquota zero e imunes, fazendo, assim, com que o contribuinte tenha um crédito a ser compensado ou restituído.

Diante da autorização do direito ao crédito de IPI consagrado no art. 11 da Lei 9.779/99, o Decreto Lei n° 491/69, em seu art. 5º, assegura o direito a esse crédito decorrente da utilização de matérias-primas, produtos intermediários e material de embalagem utilizados na industrialização de produtos no mercado interno que serão exportados, conforme expressão abaixo:

“(...)

Art. 5º É assegurada a manutenção e utilização do crédito do IPI relativo às matérias-primas, produtos intermediários e material de embalagem efetivamente utilizados na industrialização dos produtos exportados.”[5]

Agregue-se aos fundamentos legais o disposto na Lei 8.402/92, que, em seu art. 1º, reafirma o contido no art. 5º do Decreto Lei nº 491/69:

Art. 1° São restabelecidos os seguintes incentivos fiscais: II - manutenção e utilização do crédito do Imposto sobre Produtos Industrializados relativo aos insumos empregados na industrialização de produtos exportados, de que trata o art. 5° do Decreto-Lei n° 491, de 5 de março de 1969.[6]

O Decreto n. 7.212/2010, em seu art. 238 (Regulamento do IPI - RIPI), também autoriza tal incentivo fiscal.[7]

Deste modo, para ter-se direito ao crédito de IPI decorrente da imunidade de produto industrializado destinado ao exterior, é necessário que a matéria-prima, produto intermediário e as embalagens destinadas à industrialização tenham entrado de forma tributada, sendo vedada sua entrada de forma exonerativa, permitindo-se que apenas sua saída tenha sido exonerada, conforme entendimento dos Tribunais Superiores. Porém, como visto, também é necessária a expressa autorização do incentivo fiscal por lei.

Conforme o Decreto 7.212/2010, em seu art. 226 (RIPI – Regulamento do IPI), os legitimados que têm o direito de se creditar são os estabelecimentos industriais e os que lhes são equiparados.

Os créditos deverão ser escriturados no Livro de Apuração do IPI, com os totais dos valores contábeis e dos valores fiscais das operações de entrada e saída, extraídos dos livros de Registro de Entrada e Saída, atendido o Código Fiscal de Operações e Prestações – CFOP.[8]

Em uma cadeia normal de industrialização, onde não exista a imunidade na saída do bem, o creditamento é imediato, sendo anotado o preço de entrada da mercadoria e o preço de venda, em que irá incidir o valor respectivo do imposto pago. Tal procedimento é feito pela contabilidade interna da empresa.

Conforme a IN RFB nº 1717/2017[9], os referidos créditos podem ser utilizados das seguintes formas: a) compensados com as saídas tributadas; b) compensação em período posterior; c) compensação com outros débitos federais administrados e permitidos pela RFB; ou d) restituição do valor.

A apuração do saldo dos créditos se dá a cada trimestre-calendário. Se, ao final deste trimestre-calendário, ainda houver saldo credor de IPI, este poderá ser compensado por tributo administrado e indicado pela Receita Federal do Brasil.

A compensação se dá através da guia Per/Dcomp, sendo registrado o Pedido de Ressarcimento (Per) e, em seguida, a Declaração de Compensação (Dcomp). Tal procedimento se dá na esfera administrativa.

Não conseguindo a compensação/restituição de valores a que a empresa tenha direito, por conta de indeferimento irregular ou arbitrário do fisco, deverá recorrer-se ao Poder Judiciário.

Caso existam estabelecimentos (matriz e filiais), a matriz poderá se compensar dos créditos das filiais, porém o contrário não é permitido.

Em regra, por se tratar de crédito de natureza escritural, não haverá correção monetária quando configurado o direito a restituição/compensação do crédito de IPI, exceto se ocorrer oposição injustificada da Fazenda Pública, hipótese de aplicação da Súmula nº 411 do Superior Tribunal de Justiça.[10]

Neste contexto, chama-se atenção para a complexidade das questões tributárias e o envolvimento do contribuinte em uma teia; um emaranhado de normas indutoras de um comportamento passivo, diante dos custos de transação que o comportamento ativo/diligente submete (processuais e ou extraprocessuais). Espera-se, de fato, que a reforma tributária contribua para a simplificação das normas de direito material e também das normas de procedimento, mediante a incorporação de inovações tecnológicas facilitadoras das relações fisco-contribuinte.

 

Notas e Referências

[1] Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 22. maio. 2019.

[2] Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172.htm>. Acesso em: 22. maio. 2019.

[3] Supremo Tribunal de Justiça, Recurso Especial nº 1.528.764.

[4] Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9779.htm>. Acesso em: 22. maio. 2019.

[5] Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del0491.htm> Acesso em: 22. maio. 2019.

[6] Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8402.htm>. Acesso em: 23. maio. 2019.

[7] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Decreto/D7212.htm#art617. Acesso em: 05. junho. 2019.

[8]PRESTES, Patricia .Disponível em: <https://www.econeteditora.com.br/boletim_comercio_exterior/11/boletim06/ipi_credito_basico_ipi.php>. Acesso em 11.junho.2019.

[9] Disponível em:<http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=84503&visao=original> Acesso em: 23. maio. 2019.

[10] MINARDI, Josiane. Manual de Direito Tributário. 2 ed. Salvador: JusPodium, 2015, p. 703. Súmula 411 do STJ: “É devida a correção monetária ao creditamento do IPI quando há oposição ao seu aproveitamento decorrente de resistência ilegítima do Fisco”.

 

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