Imparcialidade do juiz

04/07/2019

O que é Imparcial: Imparcial é um adjetivo de dois gêneros que descreve uma pessoa ou entidade que não é parcial, significa alguém justo, reto, equitativo ou neutro.

A imparcialidade do juiz é pressuposto de validade do processo, devendo o juiz colocar-se entre as partes e acima delas, sendo está a primeira condição para que possa o magistrado exercer sua função jurisdicional.

Punitivismo e ativismo judicial não podem ser confundidos com parcialidade. Um dos grandes deveres de um juiz é ser imparcial. O termo imparcial (derivado do adjetivo imparcialidade) é inerente ao indivíduo que não tem parte, que não tem pré-disposição à defesa de um dos lados da demanda.

Em um Estado Democrático de Direito, como objetiva a Constituição Federal de 1988, o processo está associado a princípios, direitos e garantias individuais inerentes a qualquer indivíduo que esteja sob o crivo da persecução penal. Um desses direitos é o de ser julgado de forma equânime e imparcial, em decorrência da opção constitucional brasileira pelo sistema processual penal acusatório.

A imparcialidade do juiz consiste na ausência de vínculos subjetivos com o processo, mantendo-se o julgador distante o necessário para conduzi-lo com isenção.

O princípio da imparcialidade do juiz decorre da Constituição Federal de 1988, que veda o juízo ou tribunal de exceção, na forma do artigo 5º, XXXVII, garantindo que o processo e a sentença sejam conduzidos pela autoridade competente que sempre será determinada por regras estabelecidas anteriormente ao fato sob julgamento, como se percebe pela leitura do artigo 5º, LIII.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXXVII – não haverá juízo ou tribunal de exceção;

LIII – ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente;

A imparcialidade do juiz é tão essencial ao devido processo legal que tanto o impedimento como a suspeição devem ser reconhecidos ex-officio pelo juiz, afastando-se voluntariamente do processo que passará ao seu substituto legal. A CFRB/88, em seu artigo 95, confere ao magistrado as garantias da vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios justamente para que ele possa atuar com isenção e independência, o que inclui declarar-se suspeito ou impedido.

Art. 95. Os juízes gozam das seguintes garantias:

I – vitaliciedade, que, no primeiro grau, só será adquirida após dois anos de exercício, dependendo a perda do cargo, nesse período, de deliberação do tribunal a que o juiz estiver vinculado, e, nos demais casos, de sentença judicial transitada em julgado;

II – inamovibilidade, salvo por motivo de interesse público, na forma do art. 93, VIII;

III – irredutibilidade de subsídio, ressalvado o disposto nos arts. 37, X e XI, 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I.

Além dessas garantias o parágrafo único do artigo 95 também veda aos juízes a prática de algumas condutas que poderiam macular sua imparcialidade, como, por exemplo, receber custas ou participação em processos.

Parágrafo único. Aos juízes é vedado:

I – exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério;

II – receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou participação em processo;

III – dedicar-se à atividade político-partidária.

IV- receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei;

V- exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de decorridos três anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração.

Código de Ética da Magistratura

CAPÍTULO III

IMPARCIALIDADE

Art. 8º O magistrado imparcial é aquele que busca nas provas a verdade dos fatos, com objetividade e fundamento, mantendo ao longo de todo o processo uma distância equivalente das partes, e evita todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito.

A magistratura é mais que uma profissão. A Ética do Magistrado é mais que uma Ética profissional.

A função de magistrado é uma função sagrada. Daí a advertência do Profeta Isaías:

“Estabelecerás juízes e magistrados de todas as tuas portas, para que julguem o povo com retidão de Justiça”.

Somente com o suplemento da Graça Divina pode um ser humano julgar.

A sociedade exige dos magistrados uma conduta exemplarmente ética. Atitudes que podem ser compreendidas, perdoadas ou minimizadas, quando são assumidas pelo cidadão comum, essas mesmas atitudes são absolutamente inaceitáveis quando partem de um magistrado.

A imparcialidade. Nada de proteger ou perseguir quem quer que seja. O juiz é o fiel da balança, a imparcialidade é inerente à função de julgar. Se o juiz de futebol deve ser criterioso ao marcar faltas, ou anular gols, quão mais imparcial deve ser o Juiz de Direito que decide sobre direitos da pessoa.

A função de ser juiz não é um emprego. Julgar é missão, é empréstimo de um poder divino. Tenha o juiz consciência de sua pequenez diante da tarefa que lhe cabe. A rigor, o juiz devia sentenciar de joelhos.

As decisões dos juízes devem ser compreendidas pelas partes e pela coletividade. Deve o juiz fugir do vício de utilizar uma linguagem ininteligível. É perfeitamente possível decidir as causas, por mais complexas que sejam, com um linguajar que não roube dos cidadãos o direito, que lhes cabe, de compreender as razões que justificam as decisões judiciais.

O juiz deve ser honesto. Jamais o dinheiro pode poluir suas mãos e destruir seu conceito. O juiz desonesto prostitui seu nome e compromete o respeito devido ao conjunto dos magistrados. Peço perdão às pobres prostitutas por usar o verbo prostituir, numa hipótese como esta.

Percebe-se, assim, que o Conselho Nacional de Justiça ao aprovar e editar o Código de Ética da Magistratura Nacional, o fez cônscio de que é fundamental para a magistratura brasileira cultivar princípios éticos, pois cabe aos juízes também a função educativa e exemplar de cidadania em face dos demais grupos sociais, entendendo a essencialidade de os magistrados incrementarem a confiança da sociedade em sua autoridade moral, fortalecendo a legitimidade do Poder Judiciário através da excelência da prestação dos serviços públicos e da distribuição da justiça.

Segundo Aury Lopes Jr. (2018, p. 58), “a garantia da jurisdição significa muito mais do que apenas ‘ter um juiz’, exige ter um juiz imparcial, natural e comprometido com a máxima eficácia da própria Constituição.” Deste modo, a atuação do juiz no processo penal deve primar pela garantia dos direitos fundamentais assegurados ao réu, entretanto, o juiz no processo penal não é completamente isento de imparcialidade.

Vejamos o art. 156 do Código de Processo Penal:

Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício:

I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida;

II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.

O juiz que no curso da investigação, ordenou a produção antecipada de provas urgentes, não deterá a imparcialidade necessária à sua função no momento da instrução processual, pois estará contaminado de parcialidade, pendendo para o lado da acusação, apenas buscando corroborar sua opinião já formada.

Conforme explica Lopes Jr. (2018, p. 64),

Nesse contexto, o art. 156 do CPP funda um sistema inquisitório, pois representa uma quebra da igualdade, do contraditório, da própria estrutura dialética do processo. Como decorrência, fulminam a principal garantia da jurisdição, que é a imparcialidade do julgador. Está desenhado um processo inquisitório.

Assim, insuficiente a simples separação das funções do julgador e acusador, se faz necessário que o juiz da instrução processual não esteja corrompido pelos atos investigatórios (LOPES Jr., 2018). O supracitado autor ainda nos elucida com sua obra, um estudo realizado por Bernd Schunemann, sobre a teoria da Dissonância Cognitiva, à qual é de extrema relevância para compreendermos a atuação do juiz no processo penal (LOPES Jr., 2018).

De acordo com Lopes Jr. (2018, p. 70), “[...] a teoria da ‘dissonância cognitiva’, desenvolvida na psicologia social, analisa as formas de reação de um indivíduo frente a duas ideias, crenças ou opiniões antagônicas, incompatíveis, geradoras de uma situação desconfortável, bem como a forma de inserção de elementos de ‘consonância’ [...].

Em suma, o juiz ao participar dos atos de investigação, acaba inconscientemente formando uma opinião sobre os fatos, e é esta mesma opinião que levará para a instrução processual, na qual procurará apenas corroborar hipótese anteriormente levantada.

Lopes Jr. (2018, p. 71) aduz que,

Toda pessoa procura um equilíbrio do seu sistema cognitivo, uma relação não contraditória. A tese da defesa gera uma relação contraditória com as hipóteses iniciais (acusatórias) e conduz à (molesta) dissonância cognitiva. Como consequência existe o efeito inércia ou perseverança, de autoconfirmação das hipóteses, por meio da busca seletiva de informações.

A imparcialidade do juiz é uma garantia de justiça para as partes e, embora não esteja expressa, é uma garantia constitucional. Por isso, tem as partes o direito de exigir um juiz imparcial; e o Estado que reservou para si o exercício da função jurisdicional, tem o correspondente dever de agir com imparcialidade na solução das causas que lhe são submetidas.

 

Notas e Referências

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BRASIL. Lei nº 7.960, de 21 de dezembro de 1989. VADE MECUM compacto de Direito: edição federal, São Paulo: Rideel, 11.ed., 2016.

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LOPES Jr., Aury. Breves considerações sobre a polimorfologia do sistema cautelar no PLS 156/2009 (e mais algumas preocupações). Boletim IBCCRIM, São Paulo, v. 18, n. 213, edição especial CPP, ago. 2010.

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