Imóveis penhorados, (re)avaliados e leiloados no Brasil em recessão – Por Fernando Sacco Neto

08/11/2016

Coordenador: Gilberto Bruschi

Desde 2014 o Brasil passa por uma intensa desaceleração na economia, que atinge frontalmente o mercado imobiliário. Esse desaquecimento consequentemente está a gerar reduções nos preços dos ativos.

Não que haja uma queda de preços plena e absoluta. Tal generalização não seria condizente com as amplíssimas dimensões territoriais do país e suas respectivas realidades econômico-sociais. Para verificações mais detalhadas seriam necessárias pesquisas perante os agentes e institutos capacitados para tanto.

Mas é fato notório (art. 374, I do CPC/2015) que, no ano de 2016, uma enorme quantidade de imóveis no Brasil está à venda e disponível para locação, sendo que grande parte desses bens está acessível por preços mais baratos do que em 2014.

Essas oscilações estão a impactar as execuções cíveis, mais especificamente suas fases de penhora e de expropriação, pois os valores auferidos na avaliação dos imóveis (penhorados) - a servirem como parâmetros para oferecimento de lances/propostas em leilão, alienações por iniciativa particular ou para adjudicação - tendem a acompanhar a realidade do mercado.

Assim, se os valores de avaliação dos imóveis penhorados - encontrados no processo judicial - não guardam sintonia com a atualidade, ou, em outras palavras, em um ambiente de crise como o vivenciado pelo Brasil/2016, se os imóveis estiverem mais baratos no mercado tradicional do que nos leilões judiciais, aumenta-se a probabilidade de que estes terminem sem licitantes (diga-se, sem arrematação).

O art. 878 do CPC/2015, nesse aspecto, permite a realização de nova avaliação se frustradas as tentativas de alienação do bem. O art. 850 do mesmo código também admite a redução ou ampliação da penhora, quando houver alterações significativas do valor de mercado dos bens penhorados.

Não estamos aqui a pregar que todas as avaliações de imóveis penhorados nos últimos dois anos sejam revisitadas judicialmente. As peculiaridades de cada caso concreto é que demonstrarão a utilidade, ou não, de reavaliações e também de ampliações ou reduções de penhora.

De qualquer maneira, é essencial esse diálogo entre o direito e a economia, ou, mais especificamente, entre as etapas processuais de constrição/avaliação/expropriação e o mercado imobiliário (e respectivos valores neste praticados).

Em tempos de recessão, quando os preços e transações perdem muitas de suas referências em razão de inúmeros fatores creditícios, políticos, sociais etc., para chegar ao valor justo do imóvel não se afigura suficiente a utilização de métodos comparativos, pesquisando-se a vizinhança e os corretores da localidade e indagando-se quais são os preços pedidos para venda dos imóveis semelhantes. É preciso ir além.

É necessário que se utilizem como referências os valores efetivamente pagos nas transações imobiliárias dos imóveis semelhantes da localidade.

A crise que atinge a economia do país vem causando desaquecimento e baixa de liquidez e de preços no mercado imobiliário. E nas transações que efetivamente chegam a ser celebradas, não raramente constatam-se substanciais diferenças entre os valores pedidos para venda e aqueles efetivamente pagos.

Em outras palavras, neste Brasil em recessão, a percepção é de que a elasticidade de preços – entre o valor pedido e valor de fechamento do negócio - é bem maior.

Dessa forma, inclusive para evitar-se que o imóvel penhorado fique à mercê de sucessivas tentativas de alienações frustradas - o que se afigura indesejável e prejudicial aos exequentes e aos executados -, há que se dedicar especial atenção à etapa de avaliação, para encontrar-se o real e efetivo valor do imóvel penhorado.

A propósito, veja-se que o CPC/2015, em seu art. 464, §2º, estabelece a possibilidade de substituição da perícia pela prova técnica simplificada quando o ponto controvertido possuir uma menor complexidade.

As imobiliárias (corretores), bem como os tabeliães dos Cartórios de Imóveis, têm condições de contribuir perante o Poder Judiciário – na qualidade de especialistas - informando valores pertinentes às transações/escrituras públicas de compra e venda de imóveis (nas quais tenham atuado profissionalmente) - similares ao penhorado – que tenham sido celebradas em datas recentes.

A perícia, normalmente, é uma prova mais onerosa. Em determinados processos, todavia, poderá ser substituída – total ou parcialmente – pela prova técnica simplificada. É oportuno lembrar que a prova técnica simplificada está também prevista na Lei 9.099/95, em seu art. 35.

O art. 464, §2º do CPC/2015 faz menção à prova do especialista em substituição à perícia. Ainda assim, mesmo que o grau de complexidade recomende a avaliação por meio de perito, há casos em que a prova técnica simplificada poderá ser realizada de forma complementar à pericial, ocasião em que o especialista prestará as informações sobre o ponto controvertido, as quais serão interpretadas e valoradas pelo juízo (art. 479 do CPC/2015).

Há situações, porém, em que a alienação judicial termina frustrada não porque o valor do imóvel penhorado esteja equivocado, mas sim em razão do fato de que o preço mínimo foi fixado em patamar exagerado.

Nesses casos, a reavaliação afigura-se como medida processual desnecessária e dispensável. É que, apesar de a tentativa de alienação ter sido frustrada, a simples redução do valor autorizado para lance mínimo (em um novo leilão, por exemplo) já seria suficiente para reverter (positivamente) o cenário.

Qual seria então o valor a ser estipulado para o lance mínimo em leilão?

O art. 692 do CPC/1973 não definia o preço mínimo, abaixo do qual o lance seria considerado vil. Já o seu correspondente art. 891 do CPC/2015, em seu parágrafo único, estabelece como lance vil “(...) o preço inferior ao mínimo estipulado pelo juiz e constante do edital, e, não tendo sido fixado preço mínimo, considera-se vil o preço inferior a cinquenta por cento do valor da avaliação.”

Importante notar-se que, se o juiz nada dispuser sobre o preço mínimo antes de o leilão ser praticado (art. 885, caput; art. 886, II do CPC/2015), aplicar-se-á então a regra geral, admitindo-se como preço mínimo o patamar de 50% do valor da avaliação.

Ainda que tal percentual não consista em uma regra absoluta e indiscutível – pois o magistrado definirá o preço mínimo de acordo com as peculiaridades do caso -, funciona como importante vetor (para o Judiciário, partes, leiloeiros e arrematantes), de modo a buscar-se um equilíbrio entre os princípios da efetividade da execução e da menor onerosidade ao patrimônio do devedor (art. 805 do CPC/2015).

Usando-se aqui exemplos extremistas, da mesma maneira que existem imóveis que, se leiloados a 60% ou 70%, seriam de qualquer maneira arrematados (porque são bem localizados, possuem boa liquidez/rentabilidade, estão bem cuidados, não demandarão trabalho jurídico excepcional pós-arrematação etc.), existem também aqueles imóveis que não geram interesse em leilão mesmo se forem admitidos lances de 40% ou 30%. Nesta última hipótese, uma das causas (da alienação frustrada) pode residir na circunstância de tais imóveis estarem caros/superavaliados, e aí sim a reavaliação seria oportuna.

A regra constante do art. 891, parágrafo único do CPC/2015 é positiva, funcionando como referência legislativa que agrega segurança e previsibilidade, baseada inclusive em jurisprudência sedimentada no âmbito do próprio STJ, porém admitindo flexibilidade. Ou seja, é possível a fixação de percentuais em patamares superiores ou inferiores aos 50% estabelecidos pelo referido dispositivo legal (para fixação do preço mínimo em leilão), desde que a demanda apresente circunstâncias merecedoras desse tratamento diferenciado.


 

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