Ilegalidade da aplicação do exame psicológico nos concursos da Policia Militar Paulista como avaliação de caráter eliminatório para prosseguimento no concurso e exercício do cargo

26/03/2020

Neste breve artigo abordaremos o tão famoso e temido teste psicológico realizado em concursos públicos para carreiras policiais, especificamente trataremos aqui da carreira de Policial Militar do Estado de São Paulo, buscando para tanto, realizar uma analise jurídica da aplicação deste teste, demonstrando ao final, sua incompatibilidade com a legislação vigente.

 

O QUESTIONAMENTO

O grande questionamento a respeito dos exames psicológicos consiste se este encontra ou não parâmetros legais para sua aplicação, e havendo, se são respeitados todos os princípios constitucionais quanto sua aplicação e meios de recursos para o resultado.

Neste sentido existem duas vertentes, sendo uma que busca justificar legalmente a aplicação do exame, e outra que busca através de analise de leis e jurisprudência, cominadas com um invólucro de hermenêutica, justificar a ilegalidade da aplicação da avaliação.

Inicialmente como forma de justificar a aplicação de tal avaliação, pauta sua aplicação como meio técnico ao qual a administração pública dispõe para o fim de obter, dentro do principio da moralidade administrativa, o aperfeiçoamento do serviço publico, propiciando a igual oportunidade a todos os candidatos que atendam os requisitos legais, nos termos do art. 37 da constituição federal.

Para sustentar a legalidade de sua aplicação, baseiam esta corrente nos ensinamentos de direito administrativos de HELY LOPES MEIRELLES,( in ‘‘Direito Administrativo Brasileiro’’, Ed. RT 15. Edição, 1990, p.371).

‘‘...a Administração é livre para estabelecer as bases do concurso e os critérios de julgamento, desde que respeite os princípios da isonomia, tratando com igualdade todos os candidatos’’.

As bases e regras do concurso estão expressas no edital , no qual a administração publica não pode se afastar, sob pena de quebra do principio da igualdade.

No que tange ao aparato legislativo alegam que não existe ilegalidade em sua aplicação pois o exame psicológico encontra-se plenamente previsto na legislação que visa o ingresso na Policia Militar.

Reza o artigo 2°., da Lei Complementar n. 697, de 24.11.1992, que:

Artigo 2° - A Graduação em Soldado fica subdivida em duas classes:

  • Soldado PM 2° classe – aquele que após aprovação em concurso de provas e títulos, for nomeado para cargo inicial de praças , em caráter de estagio probatório, para a realização de curso superior de formação técnico profissional ;
  • ‘‘.................’’

Essa norma é regulamentada pelo Decreto n. 41.113, de 23 de agosto de 1996 ( alterado pelo decreto  N. 42.053, de 05 de agosto de 1997) que em seu artigo 3°., prevê:

‘‘Artigo 3°.- O Concurso publico que se refere o artigo anterior, constara de provas e títulos.

Paragráfo 1°. – As provas a que se referem este artigo serão as seguintes:

  1. Prova escrita, ao nível de 2° grau
  2. Exames psicológicos
  3. Exame de saúde
  4. Prova de condicionamento físico...’’

Ainda alegam a concordância do candidato que ao inscrever-se no concurso deveria ter observado o edital, o qual faz constar previamente a exigibilidade do exame psicológico em cumprimento ao ordenamento jurídico, em seu item 4°., que:

‘‘4° DO CONCURSO

O concurso publico para ingresso na policia militar do Estado de São Paulo, na graduação inicial de Soldado PM 2° Classe, sendo que o concurso será composto das seguintes etapas:

  • prova de escolaridade (Parte I e II);
  • prova de condicionamento físico;
  • exames médicos;
  • exames psicológicos;
  • investigação social ;
  • analise de documentos e títulos.’’

Assim sendo, dentro desta coerência legal, o Estado defende a aplicação do exame psicológico, pois além de legal, também encontra-se previsto nas regras que o próprio candidato concordou em se sujeitar para participar do certame, sendo este exame aplicado a todos os candidatos.

Ainda podemos observar que, o Estado, especificamente a Policia Militar, baseia seus exames através de técnicas cientificas, onde para tanto, utiliza testes psicológicos, validados e aprovados pelo Conselho Federal de Psicologia, no meio da Resolução CFP° 02/2003.

Em nota, alegam ainda que se violada a maneira de aplicação do exame psicológico, estaria em risco um bem maior, o principio da paridade em relação aos candidatos.

 

DA ILEGALIDADE DA AVALIAÇÃO PSICOLOGICA

Em uma analise do caso restou algumas duvidas contrarias a aplicação do exame em questão, como também, reforma a ideia de ilegalidade do ato.

A principio o primeiro questionamento a se realizar sobre o exame psicológico, especificamente a respeito dos testes que são aplicados e se são validos. Ora, vejamos que os testes aplicados não encontram nenhum respaldo legislativo, pois são apenas testes científicos aprovados pela comunidade psicológica, mas não são reconhecidos através do poder legislativo. Cabe destacar que são resoluções dos órgãos que disciplinam a psicologia em geral, mas exatamente por este aspecto, por serem uma resolução de uma autarquia , onde seu efeito pode ressoar plausivelmente internamente, afasta sua aplicabilidade em um certame publico, onde sua validação legal não existe.

Um segundo ponto, que ataca diretamente a legislação outrora tida pelo Estado como ensejadora do exame psicológico, seria a falta de previsão pela legislação especifica (Lei Complementar n. 697, de 24.11.1992), do exame psicológico para o provimento de cargos da Policia Militar, desta forma a exigência editalícia de realização de exame psicológico carece de amparo legal.

Para melhor entendermos a colocação a cima, é necessário uma breve reflexão sobre uma sumula vinculante lançada pelo STF de numero 44.

‘‘Só por lei se pode sujeitar a exame psicotécnico a habilitação a cargo publico’’.

Precedente Representativo:

‘‘Antiga é a jurisprudência desta Corte no sentido de que a exigência de avaliação psicológica ou teste psicotécnico, como requisito ou condição necessária ao acesso a determinados cargos públicos de carreira, somente é possível, nos termos da CF/1988, se houver lei em sentido material (ato emanado do Poder Legislativo) que expressamente a autorize, além de previsão no edital do certame. Ademais, o exame psicotécnico necessita de um grau mínimo de objetividade e de publicidade dos atos em que se procede. A inexistência desses requisitos torna o ato ilegítimo, por não possibilitar o acesso à tutela jurisdicional para a verificação de lesão de direito individual pelo uso desses critérios.
[AI 758.533 QO-RG, voto do rel. min. Gilmar Mendes, P, j. 23-6-2010, DJE 149 de 13-8-2010, Tema 338.] ’’

Podemos observar que conforme enunciado da sumula, apenas através lei, ato emanado do poder legislativo, pode sujeitar a exame psicotécnico.

Em nosso caso a  lei complementar 697, de 24,11,1992 não prevê nenhum exame psicológico, onde esta está previsto apenas no Decreto n. 41.113, de 23 de agosto de 1996 ( alterado pelo decreto  N. 42.053, de 05 de agosto de 1997).

Cabe dizer que os decretos, atos administrativos normativos, têm em comum com a lei o fato de emanarem normas, ou seja, atos gerais e abstratos. Além disso, ambos são expedidos no exercício da competência normativa, definida por Marçal Justen Filho como;

‘‘o poder de produzir normas de conduta, em virtude da qual são gerados comandos destinados a regular a conduta intersubjetiva”.

A despeito de estabelecerem normas dotadas de abstração e generalidade, os decretos diferem substancialmente das leis. Vejamos:

As leis são elaboradas pelo Poder Legislativo, de acordo com processo específico previsto constitucionalmente: o processo legislativo, definido por Alexandre de Moraes como:

"[...] conjunto coordenado de disposições que disciplinam o procedimento a ser obedecido pelos órgãos competentes na produção das leis e atos normativos que derivam da diretamente da própria Constituição".

Os decretos, por sua vez, são editados privativamente pelo chefe do Poder Executivo, de acordo com o inciso IV, do art. 84, da Carta Magna. Ressalta-se, novamente, que os decretos não traduzem emanação da função LEGISLATIVA uma vez que se trata de atribuição privativa do chefe do Poder Executivo.

 Desta forma, fica claro que a controvérsia causada do Decreto n. 41.113, de 23 de agosto de 1996 (alterado pelo Decreto n. 42.053, de 05 de agosto de 1997, conflita diretamente com a Sumula Vinculante 44 do STF, uma vez que esta já decidiu que apenas através de Lei se pode Aplicar o Exame psicológico, o que não acontece aqui, pois além de o decreto tentar regulamentar a lei de forma inconstitucional pois contraria o concurso de provas e títulos, também não merece prosperar, por ter em sua natureza de criação uma representação do Poder Executivo (Criado por Governador) e não conforme nos diz a sumula que somente poderá haver exame psicológico através de Lei, que é emanação do poder Legislativo.

Embora ambos sejam normas, apenas a lei ato normativo originário - tem o condão de inovar originariamente no ordenamento jurídico, revelando-se, assim, como uma fonte primária do direito. Já o regulamento não altera a lei, apenas a desenvolve e a explica, revelando-se como uma fonte secundária do Direito. Conforma destaca Geraldo Ataliba:

"a lei tem cunho inaugural, inovador - e o regulamento é ato menor, inferior, de aplicação. É ato secundário e, pois, meramente administrativo". [24] Diógenes Gasparini, citado por Clèmerson Merlin Clève, critica essa concepção, afirmando que

 "[...],"[...] não apenas a lei, mas inclusive o regulamento inova a ordem jurídica. E deve, afinal, inová-la 'sob pena de repetir a lei e se tornar inútil".

Clèmerson Merlin Clève pondera as duas posições, afirmando que apenas a lei inova originariamente na ordem jurídica, criando direitos e obrigações e restringindo a liberdade e a propriedade dos administrados, enquanto o regulamento inova de forma derivada e subordinada, sem a autonomia da lei.

Sobre o tema, Lúcia Valle Figueiredo afirma que:

‘‘ É forte a doutrina, e mesmo a jurisprudência, no sentido de não admitir que a Administração possa sem lei impor obrigações ou restringir direitos. Nessa acepção encontram-se os constitucionalistas e administrativistas Celso Antônio Bandeira de Mello, o nosso saudoso Geraldo Ataliba, José Afonso da Silva, Michel Temer, Sérgio de Andréa Ferreira, Paulo Bonavides, dentre outros’’.

 No mesmo sentido manifesta-se Oswaldo Aranha de Mello, ao afirmar que:

‘‘ [...] Não cabe aos regulamentos, por iniciativa própria e sem texto legal, pres-crever penas, seja qual for a espécie; estabelecer restrições à igualdade, à li-berdade e à propriedade ou alterações ao estado das pessoas, prever tributos ou encargos de qualquer natureza, que repercutam sobre o patrimônio das pessoas de direito; dar organização administrativa às repartições governamentais, através da criação de cargos e prescrição de novas competências’’.

Jurisprudência:

CONSTITUCIONAL.ADMINISTRATIVO.AGRAVOREGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO.EXAME PSICOTÉCNICO. NECESSIDADE DE LEI. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. PRECEDENTES.1. A exigência do exame psicotécnico, prevista somentepor Decreto, não serve como condição para negar o ingresso do servidor na carreira da Polícia Militar. 2. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal está pacificada quanto à necessidade de lei em sentido formal para exigência de exame psicotécnico

Ainda como terceiro argumento, mas não menos importante ainda que haja lei específica, não é de se admitir a realização de exame psicotécnico meneada por critérios absolutamente subjetivos do Administrador Público, dando ensejo à violação não só dos princípios da legalidade, mas principalmente, da moralidade e da impessoalidade,

“No Anexo III do edital estão listadas as características para serem analisadas no exame psicológico,mas sem estabelecer critérios objetivos para determinar a aptidão ou inaptidão dos candidatos, sequer indicando grau em que se considera o concorrente apto no teste. Apenas enumerar as características que compõem o perfil psicológico para o cargo disputado não confere objetividade à avaliação,porque não se sabe se a aprovação nesta fase depende da cumulação de todas as características listadas, ou em que grau elas podem se manifestar nos candidatos para que sejam considerados aptos ou inaptos, tendo em vista que não são utilizados conceitos ou critérios para delimitar o atendimento aos itens expostos, ensejando ampla subjetividade no julgamento da equipe técnica,o que atenta contra o princípio da pessoalidade que não pode deixar de se observado nos concursos públicos.” (TJSP, ApelaçãoCível nº 0018049-76.2013.8.26.0053, rel. Des. EDSONFERREIRA, 12ª Câmara de Direito Público, j. 12 de março de 2014, destaque nosso).

 

CONCLUSÃO

Desta forma, podemos concluir que aplicação do exame psicológico não se encontra previsto em lei, apenas se baseia em um decreto, que se torna ilegal a constituição e demonstra total desconexão quanto a Súmula 44 STF, onde já demonstrou ser somente possível a aplicação do exame psicológico se houver previsão legal, através de lei emanada em decorrência do poder Legislativo, e não conforme se encontra hoje, onde o exame é previsto em decreto, o qual é emanado do Poder Executivo (Chefe de Governo), pois este ato que é o decreto, não possui formalidade para sua criação como uma lei, é criado conforme deliberação do governador.

 

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