Atahualpa Fernandez - 23/02/2015
“Tus hijos no tendrán éxito gracias a lo que hayas hecho por ellos, sino gracias a lo que le hayas enseñado a hacer por sí mismos.”
Ann Landers
Em nosso particular mundo perfeito, aquele em que as pessoas se comportam de maneira congruente com nossos interesses e em que os recursos físicos e biológicos estão controlados, estudar ou falar de educação dos filhos dispara em seguida todos os alarmes e paranóias. Como a maioria das verdades amargas, não reporta muita simpatia que nos recordem a falsidade de nosso mundo, que temos uma imagem do mundo (pensamentos, crenças, preferências, memória, etc.) distorcidas e construídas de uma percepção distorcida e construída, todas contextuais e ao serviço da narrativa baixo a qual está operando nosso cérebro. O nosso é o mundo verdadeiro; desquiciados, falsos, ilusórios, excêntricos, profanos, disparatados ou ao menos estúpidos são os mundos dos «outros».
Mas, quando os fatos ou alguém viola nossas expectativas de idiossincrásica normalidade, quando nossa magnanimidade choca com a realidade, a realidade costuma sair ganhando. Por exemplo, um inquietante fenômeno diz respeito à descomedida fixação pela igualdade «a qualquer preço» e aos imoderados e indiscriminados encômios dedicados ao «talento» e/ou «êxito» de nossos filhos, notadamente no que se refere à forma de educá-los. Trata-se, no fundo, de um tema que coincide com as ideias de outros muitos autores, mas com matizes que podem resultar interessantes. Sigamos, então, por esta senda.
No conjunto dos discursos em que se emitem juízos acerca da ideia de justiça a «igualdade» parece ocupar sempre uma posição de destaque. De fato, desde suas primeiras formulações a justiça sempre foi associada com a igualdade (sobre a qual Aristóteles desenvolveu sua doutrina da justiça e que ainda hoje representa o ponto de partida de todas as reflexões sérias sobre essa questão) e sua caracterização evolucionou ao compasso desse princípio ilustrado. Do mesmo modo, as recentes evidências científicas estão revelando que a igualdade, enquanto intuição, instinto ou emoção moral, tem profundas raízes neurobiológicas e evolutivas, que se acha «gravada» em nosso cérebro, e que, em certo modo, já não pode considerar-se uma capacidade exclusiva do ser humano. A igualdade, portanto, parece ser um desses valores fora de toda discussão no mundo atual.
Contudo, como é quase ocioso recordar, a igualdade não é um fato. Dentro do marco da espécie humana, que estabelece uma grande base de semelhança, os indivíduos não são definitivamente iguais; a situação «de fato» não é a igualdade. Na situação inicial, o normal é partir da desigualdade devida a «motivos naturais» (as diferentes capacidades naturais de cada um) e a «motivos sociais» (o desigual reparto dos bens e serviços na sociedade que gera uma enorme diversidade de cunho social). Podemos queixar-nos ante Deus, mas, lamentavelmente, para onde se mire a vida está atulhada de exemplos de desigualdade e injustiça. E não há grande coisa que possamos fazer a respeito.
Pois bem, um dos detratores da superlativa apologia da igualdade é Stephen T. Asma, professor no Columbia College Chicago, que dedicou um livro muito provocador à noção de equidade (ou de igualdade, se a ideia é traduzir «fairness» de modo um pouco mais desafiador): «Against Fairness: In Favor of Favoritism» (2012).
A tese de Asma é que a obsessão da sociedade ocidental pela igualdade a todo custo não é boa (é absurda), uma vez que as diferenças e as iniquidades da vida não somente são naturais senão saudáveis. Em particular, de que é impossível não tomar-se em sério as características e os efeitos pessoais de cada um como algo que se deve ter em conta; se trata de um fato real na vida: todos damos mais valor a nossos filhos que ao filho do vizinho, reagimos de modo diferente quando morre um amigo cercano que um desconhecido e consideramos de forma distinta as desgraças alheias segundo o próximas que nos resultem. “Preferir é humano, o amor é discriminatório e estamos biologicamente programados para favorecer os mais próximos”.
Em seu livro o autor explica que o problema não é o conceito de igualdade senão o uso distorcido que cada vez com mais frequência se faz da ideia de (ou que se dá ao termo) igualdade e que pode levar a situações altamente prejudiciais: «o medo às diferenças» para dizer com Steven Pinker. Para Asma, perseguir a igualdade sem moderação é uma utopia porque todos os reclamos para uma maior equidade estão baseados na carência de um frente a abundância do outro: a igualdade, afirma Asma, «é um slogan baseado na inveja».
Mas não somente isso. Outro problema, diz Asma, é que essa cisma pela igualdade se vê nas aulas dos colégios diariamente, concretamente no que se refere à formação de crianças que foram educadas durante as últimas décadas e que, quando crescem, se topam com que não vivem “no melhor dos mundos possíveis” e experimentam, com angústia, um choque contínuo com a realidade. Asma conta um episódio em que seu filho chegou feliz do colégio com um prêmio que ganhou em uma competição com seus companheiros de classe. Ele, cheio de orgulho o felicitou, mas o filho lhe interrompeu para dizer que todos os demais alunos também ganharam e que a todos lhes deram o mesmo prêmio. Este caso não é o único. Ao contrário, trata-se mais bem de um tipo de política do sistema educativo implantado na maior parte de países ocidentais, cada vez mais interessado no rechaço à desigualdade (ou às diferenças) como valor máximo, adotando uma atitude condescendente em relação aos alunos “por medo de ferir sua autoestima” e, dessa maneira, “fomentar o dogma da igualdade”: já não se escolhe aos alunos por méritos pessoais, senão a todos para evitar ferir seus delicados e caprichosos egos.
Talvez seja este “pseudoacontecimento” o legado mais importante da educação atual. Enquanto que antes a gente procurava destacar para manejar os contextos reais de suas vidas, agora se inventam contextos de igualdade com o fim de que o mérito coletivo tenha maior relevância e o mérito pessoal inútil possa parecer como de algum valor. Um “pseudocontexto” (para usar a expressão de Neil Postman) em que se cria assim uma estrutura inventada de igualdade para dar à “capacidade pessoal” uma aparência de utilidade sem nenhuma conexão com a ida real e que não proporciona excelência (virtude), nem solução de problemas, nem câmbio pessoal.
Para infinidade de pais, mães e filhos, o ganhar, e não o merecer, se converteu na base para crer, sem conduzir a nenhuma ação ou resultado significativo. Isso, obviamente, apesar de idílico, não deixa de ser ilusório e igual de indefinidamente perverso.Poderíamos dizer que esse pseudocontexto igualitário de desmembramento ou deformação da realidade (em que todos ganham) é o último refúgio de uma educação abrumada pela urgência de dignificar a irrelevância, de justificar a incoerência e de ampliar a impotência. Aqui, a forma conspira contra o conteúdo.
Ademais, todo esse espetáculo da igualdade leva a que infravaloremos os defeitos de nossos filhos, porque ninguém lhes diz nunca de forma direta em que são menos válidos ou eficientes (ou para que são bons), de maneira que suas expectativas vitais são cada vez menos realistas e inadequadas para afrontar de forma mais efetiva as capacidades de cada um. O qual funciona também no sentido oposto: uma criança que é talentosa é lavada a ignorar sua capacidade superior ou suas virtudes porque crê que o normal é que todo mundo é igual de excelente e faz bem tudo. Também lhes ajuda a resistir pior à frustração, algo que na opinião de Asma se acrescentou nas últimas décadas: “as crianças aprendem rapidamente a ocultar suas frustrações egocêntricas baixo a linguagem da igualdade”. Resultado: os mais prejudicados com esta confusão de conceitos seriam as próprias crianças, dado que durante sua infância pais, mães e professores lhes protegem das iniquidades, o que poderia levar-lhes a desiludirem-se quando de adultos vejam com seus próprios olhos que a vida é mais injusta do que pensavam. Para explicar, Asma recorre a uma célebre frase de James Poniewozik: “O apoio nos ajuda a chegar às estrelas e o realismo nos impede que à metade de nossa vida decidamos ser astronautas”.
Daí que para Carol Dweck, professora na Stanford University (e quem dedica anos a demonstrar que um dos elementos fundamentais da educação satisfatória é “a capacidade de aprender dos erros”), o mais importante que se pode fazer para ajudar as crianças é elogiar o esforço e não seu talento ou êxito. Mensagens como “é tão inteligente!” ou “aprendeste tão rápido!” ensina às crianças que podem ser inteligentes ou não sê-lo e que o esforço não joga um rol importante no êxito (quer dizer, ensina que o talento leva ao êxito e não o esforço). Crianças que crêem que o talento importa não saberão como lidar com as dificuldades que podem encontrar no futuro. Bem ou mal o talento se tem ou não; e isso é o que vale, por algo foram elogiados por seu talento e não outra coisa.
Em câmbio, mensagens como “gostei da forma como abordaste o problema”, “que bom que tenhas perseverado e encontrado uma estratégia diferente que funcione” ou “sinto muito, isso foi muito fácil para ti, façamos algo mais desafiante”, ensina às crianças que o esforço é algo do que todos podemos beneficiar-nos para alcançar nosso máximo potencial possível, e que devem trabalhar com dedicação e determinação para crescer intelectual e mentalmente (se trata de ensinar que o talento é só um ponto de partida que sempre se pode – e se deve – melhorar).
É óbvio que não há nada mal no enaltecimento. Como disse alguma vez um psiquiatra, todos construímos castelos no ar. O perigo surge quando tratamos de «viver» neles, pelo simples fato de que é falso que possamos fazer qualquer coisa, ser quem queiramos ser e que «o céu seja o limite». Esta é a quimérica atitude do «can do», do «podes fazê-lo», que não põe barreiras à vontade e capacidades de um indivíduo, à necessidade de eleger e suas limitações, e que se reafirma com um tipo de otimismo ingênuo que confia cegamente no talento e no matrimônio da eficácia com a vontade. A realidade, para o bem ou para o mal, resiste à distorção mental fácil.
Assim que, se queremos fomentar o caráter, a honradez, a confiança, a força e a resiliência, temos que deixar que nossos filhos aprendam de seus erros e debilidades, que reconheçam suas diferenças e suas limitações, que se enfrentem às adversidades e que experimentem o orgulho que se sente ao sair reforçado de uma situação difícil. É complicado ver a nossos filhos «cair», mas as vezes é necessário. Em ocasiões, o mais sensato é perguntar se «intervir» se encontra entre as melhores opções. Há um sem-número de formas de amar a nossos filhos, mas, à hora de buscar sua felicidade (melhor dito, a «eudaimonia», “el trabajado dominio de uno mismo y el poder encontrarle el sentido a la vida”), convém ser conscientes de que o melhor é «preparar nossos filhos para o caminho, não o caminho para nossos filhos».
Atahualpa Fernandez é Membro do Ministério Público da União/MPU/MPT/Brasil (Fiscal/Public Prosecutor); Doutor (Ph.D.) Filosofía Jurídica, Moral y Política/ Universidad de Barcelona/España; Postdoctorado (Postdoctoral research) Teoría Social, Ética y Economia/ Universitat Pompeu Fabra/Barcelona/España; Mestre (LL.M.) Ciências Jurídico-civilísticas/Universidade de Coimbra/Portugal; Postdoctorado (Postdoctoral research)/Center for Evolutionary Psychology da University of California/Santa Barbara/USA; Postdoctorado (Postdoctoral research)/ Faculty of Law/CAU- Christian-Albrechts-Universität zu Kiel/Schleswig-Holstein/Deutschland; Postdoctorado (Postdoctoral research) Neurociencia Cognitiva/ Universitat de les Illes Balears-UIB/España; Especialista Direito Público/UFPa./Brasil; Profesor Colaborador Honorífico (Associate Professor) e Investigador da Universitat de les Illes Balears, Cognición y Evolución Humana / Laboratório de Sistemática Humana/ Evocog. Grupo de Cognición y Evolución humana/Unidad Asociada al IFISC (CSIC-UIB)/Instituto de Física Interdisciplinar y Sistemas Complejos/UIB/España; Independent Researcher.
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