Por Antonio Marcos Gavazzoni - 31/03/2015
A sustentabilidade desponta como um conceito aberto, permeável, ideologizado, dialético, cambiante (FERRER, 2002, p.73-93). O que é considerado sustentável num período de profunda crise econômica pode não o ser num período de fartura. Em verdade, é mais fácil identificar as situações de insustentabilidade. Por tais razões, reclama-se a aproximação do conceito em construção da sustentabilidade com os ditames da hermenêutica, pois se a sobrevivência humana é um imperativo do desenvolvimento sustentável nada mais justo do que a compreensão do fenômeno da convivialidade humana. Todavia, uma advertência urge ser feita, os períodos de estagnação não podem servir de via para retrocessos em direitos consagrados, tal como preceitua Prieur (2012, p.6-17).
Eis que novamente surge o suposto antagonismo entre ambiente e desenvolvimento. Suposto em razão da argumentação de Rota (2008), para quem uma concepção equivocada é entender que: um determinado desenvolvimento social exige um pouco de sacrifício ambiental e acrescenta que “sacrificar o meio ambiente para lograr um maior desenvolvimento econômico é decisão própria de quem não conhece a problemática ambiental. Não há, sejamos sérios, contradições entre ecologia e meio ambiente. Caminham de mãos dadas” Mateo (2002) invoca, ainda em visão mais alargada que os postulados da economia e da ecologia não são necessariamente contrapostos, cabe uma integração harmoniosa, isto é, a construção de uma dialética de complementariedade. Com exceção de Malthus, os economistas sempre consideraram os recursos naturais um bem ilimitado - independentemente do modelo adotado. Os naturalistas, por outro lado, pregaram exaustivamente a necessidade de preservação da natureza diante da corrida desenvolvimentista predatória, mas foram na maioria das vezes massacrados pela ideologia da modernização a qualquer custo (LEFF, 2006).
A ética de uso dos recursos naturais em que se baseava o desenvolvimento e a modernização colocava o homem no centro dos processos, e essa ética de uso antropocêntrico teve efeitos devastadores na natureza que levaram a uma reflexão filosófica mais intensa a partir da década de sessenta, principalmente depois dos trabalhos de Carson e White, na busca de uma ética voltada à natureza e a sua administração sustentável e eficiente.
Representada pelo movimento antropocêntrico, a ética do uso, fundamentada no valor ocidental, estabelece valores para o desenvolvimento de uma racionalidade produtiva, sem se preocupar com as questões dos processos ecológicos, e atribui ao ser humano uma posição de centralidade em relação a todo universo, atrai para si o movimento da realidade, tendo como valor instrumental o uso da natureza como forma de manutenção da necessidade humana. Não por acaso, se observe a construção do perfil ideal de homem no modelo de “homo technicus”, segundo Gómes-Heras (1997). É como se a natureza estivesse ali para ser extraída sem princípios e normas de relacionamento. O que é pior, de forma exclusiva por uma minoria, que relega à pobreza aqueles que não se beneficiam da dimensão de utente, tal qual discorre Santos (2001, p.40).
A moralidade antropocêntrica passa a argumentar a noção de uso para as necessidades únicas do homem no que tange a sobrevivência e permanência dele no espaço, não havendo, na natureza e na cultura, valor contabilizável dentro da racionalidade econômica vigente. Não há neste sentido uma harmonia entre a humanidade e a natureza (ZACCHI, 2004). Esta base de relacionamento vem calcada após a crise financeira mundial, onde a interdependência econômica e ecológica torna-se evidente (CRUZ; OLIVIERO, 2013, p.27-35).
Importante lembrar que inicialmente, o homem não tinha desenvolvido sua consciência ou inteligência para modificar o meio em que vivia, apenas cumpria seu papel natural dentro da teia da biodiversidade. Ocorre que, com o desenvolvimento racional do ser humano a carga genética egoísta e agressiva manifestou-se interferindo diretamente no equilíbrio das relações naturais.
Apesar de se tratar de seres dominantes, dotados de consciência e inteligência o homem parou de preocupar-se com seu papel no mundo natural voltando seus esforços apenas para a satisfação de seus desejos individuais. Chegando ao ponto de maltratar, sequestrar, machucar, destruir, contaminar, extinguir, poluir, matar e escravizar por ambição ou apenas para melhorar sua condição de vida, sendo capaz de subjugar não apenas as outras espécies, mas o próprio homem. Ignorando o fato de que todos os organismos, e isso inclui os seres humanos, possuem sua função natural no equilíbrio e na continuação das espécies e do meio ambiente, tornando a vida sustentável e equilibrada.
Para Leff (2006, p.61):
A valorização da complexidade ambiental implica transformar a atual métrica que reduz a diversidade ontológica e axiológica do mundo a valores objetivos, quantitativos e uniformes do mercado a uma teoria qualitativa de economia sustentável, capaz de integrar os processos econômicos, ecológicos e culturais em um pluralismo epistemológico e axiológico capaz de expressar os antagonismos entre a racionalidade econômica e a racionalidade ambiental – incluindo a multiplicidade de racionalidades culturais que a conformam – nos processos de apropriação da natureza e da incorporação das condições ecológicas de sustentabilidade dos processos produtivos.
Chegou-se ao ponto em que a sustentabilidade é um caminho de sentido obrigatório para garantir às gerações futuras um ambiente saudável e possível de se viver. A Terra é finita e os recursos naturais são igualmente finitos, até podem ser substituídos como explanou Veiga (2006), mas não existem mais atitudes isoladas, as consequências das ações tomadas em âmbito local repercutem mundialmente, faz-se necessário um engajamento planetário para salvar o planeta e seus habitantes.
Eis que surge a premente necessidade de criação de um novo paradigma de convivência, baseado na sustentabilidade adaptada à cada realidade, área e contexto. Reformulando o modelo civilizatório da humanidade incorporando o cuidado com o planeta, com as espécies, com as futuras gerações e com o próprio ser humano, notadamente a empatia entre todas as relações (RIFKIN, 2010).
Consequentemente, a compreensão da sustentabilidade, enquanto fundamento do novo paradigma do direito, deve comungar bases teóricas e empíricas da Sociologia, Economia, Filosofia, Psicologia e Antropologia. Ao Direito, pesa a importante função de apropriar esta pauta suplicante humanitária, maturada no bojo das realidades sociais, os seus percalços e riscos e patrocinar políticas públicas objetivando mitigá-los e controlá-los para a realização efetiva das condições existências (CRUZ; BODNAR; STAFFEN, 2011, p.159-174). O homem não se preocupou em assumir um papel responsável e engajado, não aproveitou sua capacidade para melhorar a convivência com os demais, simplesmente encarnou o sujeito solipsista, manipulando e alterando os recursos naturais de forma egoísta e cruel.
Essa inversão de valores, onde o ter é mais importante do que o ser nos levou à crise socioambiental atual. A sociedade em geral somente começou a se preocupar com a sustentabilidade quando se deparou com a escassez de determinados recursos, ou seja, novamente o antropocentrismo impera em detrimento do equilíbrio natural.
A sociedade cedeu ao desejo capitalista do consumo, criando novos desejos e necessidades, novas formas de satisfação, independentemente do preço a se pagar, não valorizou-se o que o planeta oferece, nem se buscou conviver em harmonia. Parece que o destino do homem está fadado ao consumo exacerbado, originário do receituário economicista. Os desejos humanos, aguçados por este ambiente econômico de busca de satisfação instantânea, transformam as demandas e pressionam de forma contundente o aparato estatal, que encontra dificuldades para oferecer respostas céleres e que atendam a estes anseios.
Sem o meio ambiente equilibrado não existe vida e cada atitude, desde que com o intuito de mudar essa realidade, representa um avanço no colapso em que se encontra a natureza e as relações sociais. O problema do desenvolvimento a qualquer custo é de todos, não apenas dos que promovem, mas também dos que se omitem, dos que sentirão os reflexos e dos que sequer tem ideia do que está acontecendo. Ser sustentável não é apenas adotar um papel natural de cuidador, mas acima de tudo é garantir a sobrevivência das espécies que nunca contribuíram com a degradação da natureza.
A Ética da Responsabilidade proposta por Jonas (2006, p.18): “Age de tal maneira que os efeitos de tua ação sejam compatíveis com a permanência de uma vida humana autentica”, vem substituir os antigos imperativos éticos, como o Kantiano por exemplo.
Os problemas enfrentados atualmente não serão resolvidos com a aplicação de uma fórmula matemática simples, o desequilíbrio ambiental, social, cultural, político e tecnológico que impera têm como causa ações humanas, e somente com uma profunda mudança na mentalidade e na essência do ser humano surgirão resultados, daí a importância das ciências sociais nesse processo. A grave crise social e ambiental enfrentada atualmente é apenas uma amostra do que está por vir se não for adotada uma nova postura mundial. O aumento da temperatura, os deslizamentos de terras, as enchentes, as secas, os furacões, o aumento do nível do mar, o derretimento das calotas polares, a extinção de espécies, a falta de alimento, a falta de água potável, são alguns dos sinais da exaustão do planeta.
É primordial que se entenda que não se trata apenas de buscar um equilíbrio ambiental, mas também econômico e social em todos os níveis, principalmente o internacional (FERRER, 2010, p.66). A busca pela igualdade nunca se fez tão necessária.
Antonio Marcos Gavazzoni é mestre e doutor em Direito Público. Foi professor na UNOESC, na Escola Superior da Magistratura de Santa Catarina e na Universidade Paranaense. Em janeiro de 2013 assumiu pela segunda vez a Secretaria de Estado da Fazenda do Estado de Santa Catarina, cargo que ocupa até o momento. Email: contatogavazzoni@gmail.com
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