Por Germano Schwartz - 07/04/2015
Pensei em escrever uma coluna sobre o rock goiano e o Direito, mais especificamente sobre uma banda “das antigas“, oriunda de Goiás e de que gosto muito: Língua Solta. O próprio nome do grupo já causaria espécie em época de censura no Brasil. Eu tinha dois motivos para tanto. O primeiro era porque estive naquele Estado durante o fim de semana; o segundo, consequência deste, era o de demonstrar para meu amigo Arnaldo Bastos Santos Neto, o kelseniano-luhmanniano mais fanático pelo time do Goiás que conheço, que existe, sim, rock – e dos bons-, no cerrado brasileiro.
Mas algo chamou minha atenção durante a semana passada. Não consegui deixar de pensar na PEC 171/93, de autoria do Deputado Benedito Domingos, do ilibado PP do Distrito Federal. Ela propõe a alteração do art. 228 da Constituição Federal, considerando penalmente imputável o “jovem” de 16 (dezesseis) anos. Note-se que a proposta estava há mais de vinte e dois anos em curso no Congresso Nacional. O que mudou para que tão rapidamente ela fosse aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça – o famoso controle de constitucionalidade político preventivo -, isto é, considerada constitucional e fazendo com que o processo legislativo pudesse seguir seu curso normal?
Antes de tudo, importa dizer que a afamada inimputabilidade penal tem como fundamento a capacidade de discernimento do agente que comete o ato. Em outras palavras, bastante simplórias, tem-se que, ao menos até agora – no Brasil-, vige a ideia de que a punição de esfera penal é algo não corriqueiro. Grave. A ser aplicada em ultima ratio. É um critério de política criminal. Eu diria: é um sinônimo de civilidade, ou, ainda, de avanço de determinada sociedade. Para deixar bem claro: não considero sociedades avançadas aquelas em que ainda se praticam penas como a de morte ou aquelas em que pessoas de tenra idade são punidas criminalmente. Por quê? Bem, basta cruzar os índices de desenvolvimento social com as idades de maioridade penal para se comprovar o que digo. Para não ficar repetindo as ideias dos outros, sugiro a leitura, aqui, de um estudo da UNICEF a respeito.
A coluna, entretanto, é de Direito & Rock. E o que rock tem a dizer com essa capacidade de entendimento aos dezoito anos? O título desse ensaio é copiado de uma das músicas de maior sucesso de Alice Cooper. Nela, ele diz:
Tenho dezoito
E eu não sei o que eu quero
Tenho dezoito
E eu simplesmente não sei o que eu quero
Na mesma linha, o Skid Row, na música 18 & Life , conta a história de Ricky, um garoto que trabalhava das 9 até às 5. Com isso, mal conseguia ir à escola. Vivia no subúrbio e seu ambiente familiar era péssimo. Ele não tinha perspectivas. Casou-se com uma arma e seu grande crime era ter feito dezoito anos. O que aconteceu com ele? Foi baleado. Morreu. O final da música revela que “você nunca pode pensar em morrer”.
As duas músicas demonstram que (a) ter por certo que menores de dezoitos anos possuem capacidade de discernimento é uma falácia que não corresponde à realidade de 1940, 1993 ou 2015 e que (b) não se leva em consideração o dia-a-dia daqueles que restam inseridos em um quase failed State como o Brasil. Referir que, conforme diz a PEC em comento, “o moço hoje entende perfeitamente o que faz e sabe o caminho que escolhe“, é deixar de lado que ele somente sabe o que sabe porque quem (Estado) deveria fazer com que ele não soubesse o que já sabe, deixou de agir quando deveria ter agido. Mas agora ele age. Para punir. Um Estado-Violência:
Homem em silêncio
Homem na prisão
Homem no escuro
Futuro da nação
Homem em silêncio
Homem na prisão
Homem no escuro
Futuro da nação...
Tendo deixado claro com as músicas retroreferidas o que penso a respeito da idade com a qual alguém pode ser considerado penalmente capaz e, também, minha descrença na prisão enquanto algo que comprove o nível civilizatório de um país, não enfrentarei os argumentos – com os quais me afilio – sobre a inconstitucionalidade da proposta. Interessa-me mais, com esse sobrevoo raso, verificar de que modo essa proposta vem, agora, à tona. Não por acaso ela é retomada quando o Congresso Nacional, passados vinte e seis anos da promulgação da Constituição Brasileira, possui a maior bancada evangélica de sua história. Coincidência? Veja-se trecho da PEC:
"A uma certa altura, no Velho Testamento, o profeta Ezequiel nos dá a perfeita dimensão do que seja a responsabilidade pessoal. Não se cogita nem sequer de idade: a alma que pecar, essa morrerá (Ez 18)."
O que se tem aqui? Uma ausência de diferenciação funcional. Quando um sistema, no caso, o religioso, sobrepõe sua comunicação perante outro (sistema político), um dos dois deixa de ser funcionalmente relevante para a sociedade. É a alopoiese – maldita- de Marcelo Neves. O problema é que a comunicação típica da política é a legislação, a periferia do sistema jurídico. Acaso o Direito perca sua autopoiese, como parece ser o caso, o grande problema será que ele deixará de possuir autonomia. Assim, os pressupostos típicos de direito penal passarão a ser analisados de acordo com as estruturas organizacionais de outros sistemas. Esse é o perigo. Parafraseando o Junho de 2013: “Não são apenas os 18 anos!”. É o que isso representa: o fato de estarmos a um passo de algo muito diferente como cantam os Rolling Stones na canção Gimme Shelter:
A guerra, crianças,
Está a um tiro de distância
Está a um tiro de distância
Germano Schwartz é Diretor Executivo Acadêmico da Escola de Direito das FMU e Coordenador do Mestrado em Direito do Unilasalle. Bolsista Nível 2 em Produtividade e Pesquisa do CNPq. Secretário do Research Committee on Sociology of Law da International Sociological Association. Vice-Presidente da World Complexity Science Academy.
Imagem Ilustrativa do Post: Autor Desconhecido // Sem alterações Disponível em: http://www.everydaynodaysoff.com/2010/09/09/nra-challenges-handgun-ban-for-18-20-year-olds/