HORIZONTE D'ÁGUA

06/09/2020

Coluna Direito e Arte / Coordenadora Taysa Matos

Eu guardo um punhado de sal no bolso do casaco da minha alma. Eu preciso sentir o mar vez por outra tocando a minha pele, aqui nessas alturas onde não tem horizonte d'água. Quando cheguei aqui de vez, todo o gole de mar guardado dentro do pote que eu trouxe do reino das águas salgadas tinha evaporado pr'o céu - só ficou o sal. Ele vai comigo pra todo lado, um punhado de sal feito bicho de estimação amarrado num cordão, para evitar 'perdimentos'...

Não sei dizer porque sinto saudades do mar - nesse tamanho tão grande de saudade - se nem sei nadar. Só sei dizer que é uma saudade diferente. Saudade de um horizonte d'água. Do toque do horizonte d'água na beirinha do céu. Daquela vontade da gota virar nuvem. Porque gota sonha planar leve lá na imensidão dos ares raros, subindo céu acima na leveza da nuvem, nas proezas do vento - até chegarem outra vez aqueles tempos de tempestades despencando gotas mar abaixo. No eterno ir e vir que é todo destino de gota.

Meu punhado de sal no bolso aguarda, na paciência do tempo, que o destino o leve outra vez ao encontro das águas. Ele sente saudades de beijar o horizonte d'água na beirinha do céu, como um amor primeiro, único, apaixonado. Derretendo o juízo. Virando do avesso.

Eu sei que vocês irão dizer que um punhado de sal apaixonado é loucura porque derretido vira água, vira nada. Mas eu lhes digo: vocês apaixonadxs também são loucura, também são quase nada - ou vocês se esqueceram que os seus corpos que os carregam pra lá e pra cá nessa estrada são todos setenta por cento d'água, e que o que sobra é tão pouco, ou nada? - também quase nada sobra de vocês quando apaixonadxs...

Olhem bem fundo em seus avessos... O que lhes sobra do avesso depois de um amor sorrateiro? Água. Maré alta. Inundação a perder de vista...

Então deixem em paz meu punhado de sal apaixonado por horizonte d'água... Enquanto ele não volta pra sua beirinha de céu a beijar seu horizonte d'água, vai fazendo de conta que o céu da boca da minha alma é sua redenção.

De minha parte, vou sentindo cócegas no céu da boca da minha alma - e isso me salva desse mundo onde tudo é quase sempre chão.

 

Imagem Ilustrativa do Post: At Guarda do Embaú, Santa Catarina, Brazil // Foto de: Douglas Scortegagna // Sem alterações

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