Honorários recursais na admissibilidade local dos Recursos Extraordinário e Especial (precisamos falar sobre isso) – Por André Gustavo Salvador Kauffman

18/11/2016

Coordenador: Gilberto Bruschi

Os honorários sucumbenciais recursais começam a entrar na rotina forense. Parte importante da finalidade da norma, ou seja, diminuir a quantidade de recursos interpostos[1], já dá resultado. Não trago levantamentos ou pesquisas – até onde sei eles não existem –, mas o testemunho da advocacia. Em algumas oportunidades já vivenciei e, em outras, ouvi colegas dizerem o mesmo: processos estão sendo encerrados após a sentença, em causas que, quase certamente, teriam resultado em apelação.

Assim, mês após mês, um hábito comum nos Juizados Especiais passa a permear todo ambiente forense. A sentença é proferida e, após estudá-la, o advogado opina sobre o resultado e questiona ao cliente sobre a interposição de recurso, agregando como elemento para análise que a condenação em honorários de hoje deverá ser aumentada no julgamento de amanhã. Por conseguinte, advogado e cliente refletem mais antes de recorrer, algo muito salutar para atividade jurisdicional. A recorribilidade quase instantânea perdeu espaço. Para quem, como eu, crê no exercício da advocacia como um constante pensar, essa mudança agrada muito.

Dentro desse tema, uma pergunta especificamente me intrigou nos últimos meses: cabem honorários recursais no juízo de admissibilidade dos Recursos Extraordinário e Especial?  Isso mesmo, caro leitor, queremos aqui provocar a discussão sobre a viabilidade do presidente ou do vice-presidente dos Tribunais Locais fixar honorários quando indeferir o processamento dos recursos de estrito direito (art. 1.030, I, CPC-15).

Primeiro é preciso recordar ter a Lei n.º 13.256/2016 alterado a sistemática de processamento e admissibilidade dos recursos extraordinário e especial, mantendo, grosso modo, a sistemática que vigorava no Código de Processo de 1973 (“CPC-73”). Na lógica original do parágrafo único do art. 1.030 do Código de Processo Civil de 2015 (“CPC-15”) a remessa desses recursos aos Tribunais Superiores ocorria “independentemente de juízo de admissibilidade”. Nessa sistemática que sequer chegou a entrar em vigor faria sentido fixar honorários recursais apenas nos julgamentos feitos no Supremo Tribunal Federal (“STF”) e Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) na medida em que a admissibilidade somente ocorreria naquelas Cortes Superiores. Na atual nem tanto.

Deve saltar aos olhos do intérprete da norma a possibilidade de os recursos extraordinário e especial serem inadmitidos e essa decisão da Corte Local encerrar o processo. Nessa hipótese, sem o incremento da honorária aludida pelo § 11 do art. 85 do CPC-15. Será mesmo essa a correta interpretação da norma?

A questão vai além. No momento em que o recurso de estrito direito é objeto de exame de admissibilidade na Corte Local o advogado possui um novo trabalho, analisar cada um dos fundamentos de inadmissão e impugná-los através de outro recurso, o Agravo do art. 1.042 do CPC-15. Apesar de alguns colegas teimarem em repetir no Agravo os fundamentos do recurso indeferido, ignorando o teor da Súmula n.º 182 do STJ[2], a boa técnica e o princípio da dialética recursal exigem um detido exame dos fundamentos de indeferimento e sua precisa impugnação pelo outrora recorrente, agora agravante. Sob a ótica do § 11 do art. 85 do CPC-15 o trabalho deste novo recurso merece ser remunerado e, de fato, o STJ tem fixado honorários ao julgar os Agravos do art. 1.042 do CPC-15. Ainda assim fica a pergunta: e o trabalho exercido na interposição e resposta ao Recurso Especial e Extraordinário? Ficam sem remuneração?!?

Sabidamente trabalho exercido nos recursos de estrito direito é infinitamente maior do que aquele perpetuado no Agravo do art. 1.042 do CPC. Em apertada síntese, ele começa ao opor adequadamente Embargos de Declaração contra o acórdão, envolve pesquisar dissídio jurisprudencial, exige demonstrar, uma a uma, cada inconstitucionalidade relevante praticada pelo acórdão e as ilegalidades encontradas. Pressupõe basear-se no enquadramento fático constante da decisão recorrida, sem poder, em momento algum, fazer da Corte Superior uma terceira instância. São, sem dúvida, os mais técnicos dos recursos. As respectivas contrarrazões se mostram igualmente complexas de redigir corretamente, demandando profundo conhecimento das súmulas de admissão dos Tribunais Superiores, traquejo sobre arguição de relevância bem como amplo conhecimento de direito material, seja constitucional ou ordinário. Quem está habituado a interpor ou respondê-los sabe: dá trabalho!

Mesmo assim, segundo a praxe forense atual, quando os recursos de estrito direito são indeferidos o advogado que tanto se empenhou em respondê-los nada recebe a mais por isso. Caso o Agravo do art. 1.042 do CPC-15 deixe de ser interposto, não haverá honorários recursais. E mesmo quando ele é interposto, considera-se apenas o trabalho exercido no Agravo em vez de sopesar também aquele dispensado no recurso indeferido. Difícil acreditar que a norma alcançará sua finalidade com essa interpretação que lhe é dada.

Com essas considerações já posso adiantar minha opinião no sentido de que o indeferimento dos recursos de estrito direito deve, sim, ser acompanhado da fixação dos honorários recursais, observados os limites legais, claro.

Na hipótese de o trabalho do advogado ser motivo insuficiente para você, querido leitor, concordar comigo, então pense na outra finalidade da norma: reduzir a quantidade de recursos interpostos. Inexistindo honorários recursais no exame dos recursos de estrito direito pelo presidente ou vice-presidente dos Tribunais Locais o jurisdicionado e seu advogado farão menos aquela salutar reflexão da qual tratei no começo desse texto. Interporão, sem receio algum, o(s) recurso(s) de estrito direito. Estará perdida, portanto, uma ótima oportunidade de desafogar um pouco os gabinetes da cúpula dos Tribunais Locais.

Debatendo o assunto com colegas que também publicam nesta coluna ouvi duas críticas iniciais à opinião aqui defendida. A primeira delas repousa no fato de a decisão do art. 1.030 do CPC-15 representar mero juízo de admissibilidade monocrático. Contudo, me parece irrelevante o conteúdo da decisão para fins de aplicação do § 11 do art. 85 do CPC-15. Se um relator monocraticamente deixar de conhecer uma apelação por falta de impugnação específica (art. 932, III, CPC-15) estará proibido de fixar honorários recursais? Parece-me que não só pode como deve. Repito: o trabalho adicional do advogado merece remuneração. Nesse sentido, aliás, o enunciado n.º 242 do Fórum Permanente dos Processualistas Civis (“FPPC”): “Os honorários de sucumbência recursal são devidos em decisão unipessoal ou colegiada”.

Outra crítica repousa do enunciado n.º 16 emitido pela prestigiosa Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (“ENFAM”) que possui a seguinte redação: "Não é possível majorar os honorários na hipótese de interposição de recurso no mesmo grau de jurisdição (art. 85, § 11, do CPC/2015)". Vejo esse enunciado sendo repetido em decisões país afora, mas penso que sobre seu conteúdo se faz necessária uma detida reflexão. Inclusive é difícil, ou quase impossível, estudar seus fundamentos determinantes por ser uma criação acadêmica descolada, até onde sei, de qualquer publicação que materialize os debates travados até a propositura e aprovação da ementa. Ementa de redação imprecisa, sou obrigado a escrever, porque o ENFAN deveria substituir o “no” por “para o”. Salvo o Agravo de Instrumento todos os recursos são interpostos no mesmo grau de jurisdição para o julgamento pelo órgão superior; e é justamente o agravo de instrumento o recurso no qual menos haverá honorários recursais, pois os honorários são normalmente fixados em sentença (art. 85, caput, CPC-15).

Minha intenção aqui de maneira alguma passa por criticar enunciados da ENFAM, instituição de alta qualidade em quem deposito profundo respeito e consideração, porém é no mínimo estranho aplicar esse enunciado ao Agravo Interno em Apelação, pois haverá trabalho de interpor e responder o recurso (art. 1.021, § 2.º, CPC-15) bem como nos Embargos de Declaração quando existe a possibilidade de modificação da decisão embargada e, portanto, resposta (art. 1.023, § 2.º, CPC-15). Portanto parece-me mais relevante saber se houve novo trabalho do advogado a ser remunerado em vez de perquirir se o órgão julgador do recurso é o mesmo.

Volto ao tema do artigo, pedindo perdão ao meu leitor pela divagação. Considero inaplicável o enunciado n.º 16 do ENFAM à hipótese aqui estudada. E assim opino partindo da própria premissa do enunciado, pois os recursos de estrito direito são interpostos nas Cortes Locais para exame noutro grau de jurisdição (Cortes Superiores). O exame de admissibilidade bifásico em nada altera meu pensamento, porquanto a atividade realizada pela presidência da Corte Local representa apenas uma delegação legal do mandato constitucional dado ao STJ (art. 102, III, CF88) e ao STJ (art. 105, III, CF88), criada muito mais por razões práticas do que técnicas, diga-se.

Donde se torna fundamental reler o § 11 do art. 85 do CPC-15 e dar a ele a interpretação mais adequada à sua finalidade: reduzir a quantidade de recursos e remunerar dignamente o advogado. Com esse intuito minha opinião é que cada recurso interposto deve aumentar, proporcionalmente a verba honorária fixada originalmente na sentença. A apelação foi improvida? Honorários recursais. O Recurso Especial indeferido. Novos honorários recursais. O Agravo do art. 1.042 do CPC-15 foi improvido? Outros honorários recursais. Assim por diante, sempre, friso, respeitado o limite legal.

Com essas considerações submeto minha opinião a quem quiser criticá-la ou, quem sabe, comigo concordar. Precisamos falar disso.


Notas e Referências:

[1] “O  § 11 do art. 85 do Código de Processo Civil de 2015 tem dupla funcionalidade,  devendo atender à justa remuneração do patrono pelo trabalho  adicional  na fase recursal e inibir recursos provenientes de decisões condenatórias antecedentes.” (STJ, AgInt no AREsp 196.789/MS, Rel. Ministro João Otávio De Noronha, Terceira Turma, julgado em 09/08/2016, DJe 18/08/2016).

[2] “É inviável o agravo do Art. 545 do CPC que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada”


 

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