Por Athus Fernandez - 07/06/2015
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Parte 2
Da aplicação subsidiária do Direito Processual Civil ao Direito Processual do Trabalho
O Código de Processo Civil é bem claro quanto à condenação em honorários advocatícios pagos pelo vencido, à luz do artigo 20, parágrafo 3º, que dispõe honorários advocatícios fixados entre o mínimo de 10% e o máximo de 20% sobre o valor da condenação, atendidos o grau de zelo profissional, o lugar de prestação do serviço e a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido.
Na Consolidação das Leis do Trabalho não há nenhum artigo nesse sentido, pois, novamente reiterando que foi elaborada em 1943, com um aspecto extrajudicial, não imaginou a complexidade que envolveria a matéria juslaborativa.
A previsão que sustenta posicionamento contrário à concessão de honorários advocatícios está prevista na Lei 5.584/70, que dispõe sobre normas de direito processual do trabalho. O artigo 14 da Lei prevê que a assistência judiciária na Justiça do Trabalho será prestada pelo sindicato para os que não possam demandar sem prejuízo do seu sustento próprio e de sua família, nos termos da Lei 1.060/50.
Nessa mesma toada, o artigo 16 da Lei 5.584/70 dispõe que os honorários do advogado, pagos pelo sindicato vencido, reverterão em favor do Sindicato assistente.
Com base nesses artigos, o Tribunal Superior do Trabalho recentemente reforçou a validade da Súmula 219, dispondo que, para a condenação em honorários advocatícios, nunca superiores a 15% (quinze por cento), a parte deve estar assistida por sindicato da categoria profissional e; comprovar a percepção de salário inferior ao dobro do salário mínimo ou encontrar-se em situação econômica que não lhe permita demandar sem prejuízo do próprio sustento ou da respectiva família.
O artigo 769 da CLT dispõe que, nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível.
Há divergência na doutrina sobre em quais situações poderia ser aplicado o direito processual comum, havendo uma necessidade de distinção entre lacunas normativas, ausência de norma; lacunas ontológicas, com posições legais que não mais se sustentam na atual conjuntura e; axiológicas, que não conseguem promover uma situação justa.
De acordo com Luciano Athayde Chaves[1]:
“Examinando uma série importante de classificações sobre o tema, concluiu Maria Helena Diniz pela síntese do problema das lacunas, a partir da dimensão do sistema jurídico (fatos, valores e normas), numa tríplice e didática classificação: lacunas normativas, axiológicas e ontológicas. As lacunas normativas estampam ausência de norma sobre determinado caso, conceito que se aproxima das lacunas primárias, de Engisch. As lacunas ontológicas têm lugar mesmo quando presente uma norma jurídica a regular a situação ou caso concreto, desde que tal norma não estabeleça mais isomorfia ou correspondência com os fatos sociais, com o progresso técnico, que produziram o envelhecimento, ‘o ancilosamento da norma positiva’ em questão. As lacunas axiológicas também sucedem quando existe um dispositivo legal aplicável ao caso, mas se aplicado ‘produzirá uma solução insatisfatória ou injusta’”.
Pois bem, o que existe com relação às disposições sobre honorários advocatícios na Justiça do Trabalho corresponde a uma clara situação de lacuna ontológica. Quem vive a realidade juslaborativa atualmente sabe que a presença do sindicato em demandas individuais trabalhistas é mínima. O empregado na grande maioria das vezes está assistido por advogado que luta para garantir os seus interesses.
Apesar de não existir lacuna normativa no ordenamento jurídico trabalhista, entendimentos fundados apenas em jurisprudência consolidada não são capazes de fixar realidades inexistentes. Ora, se a participação dos sindicatos é limitada nas demandas envolvendo o direito individual do trabalho, é claro que a previsão de assistência jurídica gratuita por parte do sindicato caiu por terra.
Além disso, caso este entendimento não seja acolhido, a legislação trabalhista nesse sentido pode ser entendida como uma lacuna axiológica, ou seja, incapaz de promover justiça. Isso porque, o empregado que postula seus direitos na justiça do trabalho, na maioria das vezes, visa receber valores que não foram pagos pelo empregador. A necessidade de pagar parte dos valores aos quais faz jus legalmente ao advogado, ferem o princípio da proteção do trabalhador.
Nas palavras de Carlos Henrique Bezerra Leite[2]:
“A heterointegração pressupõe, portanto, existência não apenas das tradicionais lacunas normativas, mas também das lacunas ontológicas e axiológicas. Dito de outro modo, a heterointegração dos dois subsistemas (processo civil e trabalhista) pressupõe a interpretação evolutiva do artigo 769 da CLT, para permitir aplicação subsidiária do CPC não somente na hipótese (tradicional) de lacuna normativa ao processo laboral, mas também quando a norma do processo trabalhista apresenta manifesto envelhecimento que, na prática, impede ou dificulta a prestação jurisdicional justa e efetiva deste processo especializado”
Nesse sentido é possível uma aplicação subsidiária do Código de Processo Civil ao Direito Processual do Trabalho, principalmente pelo fato de que, a norma juslaborativa já não consegue acompanhar a realidade vivida atualmente nos nossos tribunais.
De acordo com Mauro Schiavi[3]:
“Assim como o Direito Material do Trabalho adota o princípio protetor, que tem como um dos seus vetores a regra da norma mais benéfica, o Direito Processual do Trabalho, por ter um acentuado grau protetivo, e por ser um direito, acima de tudo, instrumental, com maiores razões que o direito material, pode adotar o princípio da norma mais benéfica, e diante de suas regras processuais que possam ser aplicadas à mesma hipótese, escolher a mais efetiva, ainda que seja a do Direito Processual Civil e seja aparentemente contrária à CLT”.
Entendimento diverso sobre este posicionamento, além de ferir o princípio da proteção existente no Direito do Trabalho, fere direitos fundamentais previstos na Constituição Federal, entre eles, o da garantia da dignidade da pessoa humana.
As verbas salariais têm natureza alimentícia, assim como os honorários advocatícios tem natureza alimentícia para aquele profissional. Não conceder honorários advocatícios faz com que trabalhador e advogado tenham que dividir o montante devido pela parte contrária, promovendo injustiça para os dois envolvidos.
Dos honorários advocatícios
É necessária uma mudança no entendimento já consolidado pelos Tribunais trabalhistas com relação aos honorários advocatícios, pois, a legislação trabalhista não mais abarca a realidade juslaborativa do nosso país.
O profissional da advocacia deve ter o seu trabalho valorizado, principalmente pelo fato de que, o Direito do Trabalho cada vez mais se mostra inovador e apresenta situações de alta complexidade.
O entendimento consolidado no sentido de que, a participação do sindicato como assistente impossibilita a condenação em honorários advocatícios é errônea. O fato de existir uma faculdade de assistência não impossibilita a atuação de profissionais. É o que ocorre com a presença da Defensoria Pública no Direito Civil, que nem por isso, extirpa a condenação em honorários advocatícios.
De acordo com Patricia Stefoni Fernandes[4]:
“Em primeiro lugar porque a parte tem o direito de ser atendida pelo advogado em quem confiar. Em segundo lugar porque assim como na seara trabalhista existe a possibilidade de assistência judiciária pelo sindicato, na seara cível também existe assistência judiciária pela Defensoria Pública e mesmo assim a indenização prevista no CC é cabível.”
Como na prática, o pleito de honorários advocatícios vinha sendo constantemente negado pelos tribunais, os advogados inovaram, começando a pleitear reparação por danos materiais sofridos pelo trabalhador pelas despesas com honorários advocatícios.
Em brilhante decisão, o juiz do Trabalho Mauricio Pereira Simões[5] da 84ª Vara de São Paulo, condenou a Via Varejo S/A, a pagar 30% (trinta por cento) sobre o valor bruto devido ao autor da reclamação trabalhista, a título de reparação de danos materiais, senão vejamos:
“Reformulando entendimento anterior e ressalvando a evolução quanto ao entendimento da matéria passo a deferir os honorários por reparação de danos. Em que pesem os argumentos, e até o entendimento anterior, em contrário, a realidade é que nenhum trabalhador poderá receber integralmente seus direitos se precisar se socorrer do Judiciário para reavê-los. De plano já os recebe com atraso temporal injustificado e muitas vezes de forma irreparável, pois a verba alimentar como sói acontece com o salário da maioria dos trabalhadores é parcela que se consome diuturnamente para a própria sobrevivência. A privação imediata desse pagamento já traz transtornos de todas as ordens. Em seguida temos que se tornou cultural em nosso país a política da judicialização como forma de postergar o pagamento de direitos mínimos e como forma de parcelamento e até liberação de certas obrigações, fruto dos acordos muitas vezes incorretamente entabulados, com renúncias a direitos sociais constitucionais, ou mesmo com sentenças e trânsitos em julgado tardios. Ao receber suas parcelas o trabalhador ainda precisa se privar de parte dos valores a que tem direito, pois com razão e justiça deve remunerar o patrono (que também é um trabalhador) com os honorários contratuais. Assim, ao receber tardiamente aquilo que já lhe era devido tempos antes, ainda precisa receber somente parte do todo. Nada menos justo. Assim, andou bem o Código Civil em seus artigos 389 e 404 ao estabelecerem a reparação de danos. Com isso, condeno a reclamada ao pagamento de 30% sobre o valor bruto devido ao reclamante, a título de reparação de danos materiais (despesas com honorários advocatícios)”
Nesse sentido, mesmo que não seja acolhida eventual tese de aplicação subsidiária do Código de Processo Civil por lacuna ontológica do Direito Processual do Trabalho, seria possível a incidência dos artigos 389 e 404 do Código Civil, mediante indenização por danos materiais para a contratação de advogado.
Contudo, em contradição a esta nova corrente e atual procedimento adotado, no dia 25 de maio de 2015, o TRT da 3ª Região (Minas Gerais), ao apreciar incidente de uniformização de jurisprudência por determinação do TST, nos moldes da Lei n. 13.015, aprovou a Súmula nº. 37, nos seguintes termos:
“POSTULADO DA REPARAÇÃO INTEGRAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PERDAS E DANOS. INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 389 E 404 DO CÓDIGO CIVIL. É indevida a restituição à parte, nas lides decorrentes da relação de emprego, das despesas a que se obrigou a título de honorários advocatícios contratados, como dano material, amparada nos arts. 389 e 404 do Código Civil.”
Tal posicionamento do Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais parece consolidar o entendimento de não cabimento de danos materiais por contratação de advogado, o que impossibilita e dificulta a evolução da matéria.
Nas palavras de Raimundo Simão Melo[6]:
“O fundamento para esse entendimento, como parece, continua sendo o jus postulandi nessa Justiça especializada, o qual não existe mais na prática, mas, apenas na teoria. Pode-se exemplificar com as complexas ações acidentárias, nas quais não é possível que as vítimas façam uso desse ultrapassado instituto nem os réus tenham condições de se defender! Como pessoas leigas não têm como fazer adequadamente os pedidos de indenizações/compensações por danos material, moral, estético e pela perda de uma chance, embasando-os no direito, na doutrina e na jurisprudência. Como vão recorrer ou contrariar o recurso da parte contrária em matéria tão técnica como a da responsabilidade civil, se até mesmo os advogados encontram dificuldades para enfrentar essa e outras novas questões que hoje são decididas pela Justiça trabalhista?”
O posicionamento dos tribunais trabalhistas deve ser revisto nesse sentido, pois dificultar os atalhos encontrados pelos advogados, como já relatado anteriormente, prejudica principalmente o próprio trabalhador lesado, que deverá distribuir o valor de suas verbas legais com o profissional contratado.
Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº. 33 de 2013, para alterar a CLT, dispondo sobre a imprescindibilidade da presença do advogado nas ações trabalhistas e prescreve critérios para fixação dos honorários, estabelecendo que o vencido será condenado ao pagamento de honorários de sucumbência aos advogados, fixados entre o mínimo de 10% (dez por cento) e o máximo de 20% (vinte por cento) sobre o valor da condenação. O projeto dispõe ainda que o beneficiário de justiça gratuita não sofrerá condenação em honorários advocatícios, mas os honorários pagos pelo vencido reverterão ao profissional patrocinador da causa.
Atualmente o projeto se encontra aguardando designação do relator, pendente de votação. A sanção da referida lei possibilitaria a solução desse tema tão controvertido e que se mostra, na atual configuração da Justiça do Trabalho, injusto para os trabalhadores e para os próprios advogados envolvidos.
Conclusão
O objetivo do presente artigo não é criticar ou pleitear o fim do princípio do Jus postulandi na Justiça do trabalho. Pelo contrário, por ser uma garantia do trabalhador, este instituto sequer pode ser retirado, sob pena de violação aos princípios base do Direito do Trabalho.
Contudo, para alcançar o tema pretendido sobre honorários advocatícios na Justiça do Trabalho, é necessário tecer uma ampla crítica à previsão constitucional sobre contribuição sindical obrigatória, que desencadeou a presente situação.
A participação dos sindicatos é muito limitada em relação ao Direito Individual do Trabalho. Uma simples análise sobre os processos na Justiça do Trabalho mostra a presença maciça de advogados postulando as reclamações trabalhistas dos trabalhadores prejudicados.
O aplicador da lei trabalhista deve estar ciente do atual contexto juslaborativo, não podendo decidir apenas com base em entendimentos erroneamente consolidados. Uma aplicação subsidiária do Código de Processo Civil seria capaz de sanar a problemática, tendo em vista que a legislação trabalhista tem uma lacuna ontológica quanto a tal situação.
O Magistrado não pode fechar os olhos para a realidade atual, atuando apenas com base em entendimentos jurisprudenciais que foram se consolidando ao longo dos anos e “fossilizar” a matéria.
Notas e Referências:
[1] CHAVES, Luciano Athayde. Direito processual do trabalho: reforma e efetividade. São Paulo: LTr, 2007. p.68-69.
[2] BEZERRA LEITE, Carlos Henrique. Curso de direito processual do trabalho. 6. ed. São Paulo: LTr, 2008. p. 101-107.
[3] SCHIAVI, Mauro. Manual de direito processual do trabalho. 8 ed. São Paulo: LTr, 2015. p. 161.
[4] FERNANDES, Patricia Stefoni. Honorários advocatícios x Justiça do Trabalho. Disponível em: http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI187741,101048-Honorarios+advocaticios+x+Justica+do+Trabalho. Acesso em: 28 mar. 2015.
[5] TERMO DE AUDIÊNCIA DO PROCESSO Nº 0002149-41.2014.5.02.0084. 84ª VARA DO TRABALHO DE SÃO PAULO. Disponível em: http://www.migalhas.com.br/arquivos/2015/5/art20150507-03.pdf##LS. Acesso em: 25 mai. 2015.
[6] MELO, Raimundo Simão. Questão de honorários na Justiça do Trabalho precisa ser repensada. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2015-fev-13/reflexoes-trabalhistas-questao-honorarios-justica-trabalho-repensada. Acesso em: 20 mar. 2015.
Athus Fernandez é Advogado. Mestre em Ações Coletivas e Cidadania pela Universidade de Ribeirão Preto – UNAERP. MBA em Administração pela Universidade de São Paulo – USP. Coordenador da Comissão de Direito do Trabalho da 12ª Subseção da OAB de São Paulo. Professor em cursos de especialização e pós-graduação, cursos para concursos públicos e preparatórios para o exame da Ordem dos Advogados do Brasil.
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