1. Universo da Pesquisa
O estudo sobre a homofobia e a tutela penal, abrange questões importantíssimas em nossa sociedade, como o respeito e garantia do bem-estar do próximo, independentemente de sua orientação sexual. Dessa forma, é importante analisar o conceito de homofobia, e ressaltar as diversas visões sobre este tema.
No que tange as visões sobre este tema, verifica-se a necessidade de se tratar sobre a tutela penal no que tange aos aspectos homofóbicos, bem como, a previsão legal dentro do aspecto dos crimes das minorias. A criminalização da homofobia tem por objetivo prevenir e combater a prática deste preconceito que assola a sociedade.
Nesse sentido, a dignidade da pessoa humana é o princípio basilar constitucional, para analisar o tema proposto, uma vez que aborda a igualdade de gêneros, a liberdade sexual e o respeito perante aos homossexuais. Entretanto, os homossexuais ainda são marginalizados, não possuindo proteção legal para suas relações de afeto. Seu único amparo estatal tem-se limitado a decisões favoráveis após longas e exaustivas batalhas judiciais. Assim sendo inviável que não conste amparo também penal, que visa inibir atos de homofobia.
2. Perspectiva histórica
Ao longo dos séculos os homoafetivos foram tratados como doentes, pecadores e indignos, submetidos a tratamentos psicológicos e torturas, com o intuito de que se “curassem”. Séculos se passaram e os homoafetivos ainda sofrem diversas formas de torturas, psicológicas e físicas, como forma de retaliação por sua opção sexual.
Conforme relatório anual divulgado pelo site do Grupo Gay da Bahia, no ano de 2010 foram duzentos e sessenta assassinatos contra homossexuais no Brasil, 62 casos a mais do que os registrados no ano de 2009. Isto mostra que mesmo com toda evolução, com tanta informação e desenvolvimento, os seres humanos são capazes de atos bárbaros contra seus semelhantes, por não aceitarem que pessoas possam ter “orientações” diferentes das suas (BARCELOS, 2002).
Todos os dias, no Brasil, homossexuais são vítimas de preconceitos nos mais diversos lugares, como bares, shopping, lojas, aonde quer que se vá sempre têm alguém que acredita ser melhor e por isto se vê no direito de ofender. Pois, pessoas que não aceitam as diferenças, acreditam que um homossexual não é detentor do direito a igualdade.
Os cientistas sociais que tentaram explicar por que tantas pessoas têm sentimentos negativos relacionados as pessoas homoafetivas tendem a oferecer tanto especulações teóricas ou dados empíricos, como por meio de uma síntese dos dois. As vias teóricas muitas vezes têm revelado mais sobre preconceitos pessoais do escritor em relação à homossexualidade do que a reação da sociedade a ele.
Por exemplo, William James assumiu que ser repelido pela ideia de contato íntimo com um membro do mesmo sexo é instintivo, e existe mais fortemente nos homens do que nas mulheres (JAMES, 1890). Curiosamente, em culturas onde tais formas de ''vice-natura" como a homossexualidade são encontrados, James supôs que a aversão instintiva tinha sido superada pelo hábito. Em outras palavras, James assumiu que a tolerância é aprendida e a repulsa é inata ao ser humano.
Existem semelhanças entre o pensamento de James e Edward Westermarck (1924), mas este foi além de explicações baseadas em instinto. Afirma que a censura social de práticas homossexuais se deve ao "sentimento de aversão ou desgosto que a ideia de relações homossexuais tende a suscitar em indivíduos adultos, normalmente constituídos cujos instintos sexuais se desenvolveram em condições normais.”.
Mas Edward pensou que esta explicação seria insuficiente para contabilizar a reação particularmente violenta contra a homossexualidade apresentada pelas religiões judaica, cristã e zoroastristas. A forte hostilidade existe, conforme Edward, porque as práticas homossexuais foram associadas historicamente com a idolatria e a heresia, e assim foram condenados por meio de leis e costumes. (WESTERMARCK, 1924)
Psicanalistas ofereceram uma visão mais social-psicológica. Sigmund Freud (1905) afirmou que uma orientação heterossexual exclusiva não se baseia apenas no resultado de causas biológicas, mas também na influência por proibições da sociedade sobre homoerotismo e pelas experiências iniciais com os pais. Ele assumiu que todos os homens e mulheres tinham atrações fortes para sua parternalidade do mesmo sexo, mas estes sentimentos eram geralmente reprimidos na dissolução do complexo de Édipo completa. (FREUD, 2006)
Em muitos casos, no entanto, a repressão é incompleta. Assim, Sandor Ferenczi sugeriu que os sentimentos de aversão, hostilidade e repulsa em relação à homossexualidade masculina dos homens heterossexuais são realmente formações reativas e sintomática de defesa contra a afeição pelo mesmo sexo. Ferenczi não estendeu sua análise às atitudes das mulheres, mas que em processos semelhantes pode ser inferida. (FERENCZI, 1993).
3. Universo da Pesquisa
A homossexualidade é vista como expressão sexual desviante, secundária que subverte a ordem, o que causa reações contrárias, as quais materializam a homofobia. Mas afinal o que é homofobia? As teorias não são uníssonas em tal definição e têm desenvolvido diferentes percepções e perspectivas sobre o tema, muitas vezes faltando convergência nas opiniões.
Quanto à origem do termo homofobia, este foi cunhado pelo psicólogo Kenneth Smith, tornando-se notório com George Weinberg e, desde então, vem sendo intimamente ligado à linguagem patologizante que o deu origem, mas não pode a ela ser subsumida. (BARCELOS, 2002)
É preciso problematizar este viés de doença que tal acepção traz, pois o que é assinalado com a etiqueta de verdade médica/científica tem um grande poder fomentador de discussões e formador de opiniões. Para análise das afirmações deste discurso é imprescindível que se considere que, assim como todas as formas de conhecimento, o saber médico não é aparte da cultura, sendo assim, traz consigo padrões, éticos religiosos e morais. Tendo esta crítica em mente, é preciso desenvolver-se um conceito de homofobia que não limite-se a esta perspectiva. (CAPELLANO, 2016)
A homofobia nada mais é que uma das facetas discriminatórias e preconceituosas de nossa sociedade, assim como o antissemitismo, racismo e sexíssimo. Como preconceito entende-se as percepções negativas que se tem contra uma pessoa ou um grupo, já discriminação é a manifestação de tal preconceito nas relações sociais.
A discriminação subdivide-se em outras duas categorias, a direta que são as ações intencionais ou conscientes de inferiorizarão de certas pessoas, assim como a indireta a qual se oculta em atitudes pretensamente neutras, mas discriminatórias (CONSELHO, 2004). Embora a homofobia possa ser igualada pela violência e grau de segregação que opera na sociedade a outras formas de discriminação, há peculiaridades. Ao investigar o tema Roger, Raupp Rios discorre o que segue:
As definições valem-se, basicamente, de duas dimensões, veiculadas de modo isolado ou combinado, conforme a respectiva compreensão. Enquanto umas salientam a dinâmica subjetiva desencadeadora da homofobia (medo aversão e ódio, resultando em desprezo pelos homossexuais), outras sublinham as raízes sociais, culturais e políticas desta manifestação discriminatória, dada a institucionalização da heterossexualidade como norma, com o conseqüente vilipendio de outras manifestações da sexualidade humana. Neste último sentido, como será explicado adiante, o termo heterossexismo é apontado como mais adequado, disputando a preferência com o termo homofobia, para designar a discriminação experimentada por homossexuais e por todos aqueles que desafiam a heterossexualidade como parâmetro de normalidade em nossas sociedades. (2001, p. 21)
Apesar das teorizações que separam estas discriminações em homofobia e transfobia, para fins deste trabalho, o conceito de homofobia abarcará o de transfobia, qual seja:
A transfobia pode significar formas específicas de exclusão e violência contra as pessoas que constroem suas expressões sexual e de gênero diferente da norma ―macho, então masculino, então homem‖; e ―fêmea, então feminina, então mulher‖, junto à pressuposição e consequente discriminação dessas pessoas por assumirem ou serem suspeitas de assumir uma orientação sexual diferente da heterossexual. (PERES; TOLEDO, 2011, p. 271 e 272)
No presente trabalho a palavra homofobia será entendida como o preconceito que se dirige a todos aqueles sujeitos que não se enquadram nos modelos hegemônicos de masculinidades e feminilidades. Com tal concepção, abrange-se também a discriminação contra travestis, transexuais, bissexuais, mulheres heterossexuais com forte personalidade, homens heterossexuais delicados ou que manifestam grande sensibilidade.
Certa é que existe um processo preconceituoso a respeito da homossexualidade em muitas sociedades. Criou-se um costume de, criando tabus, tratando-os como doentes, gerando preconceitos e desordens exagerados nas pessoas. No entanto, sabe-se que há algum tempo a homossexualidade tem sido desmistificada, para Nébia Maria Figueiredo:
[...] foi retirada da lista de “doenças” do Classificador Internacional de Doenças – CID, em louvável iniciativa do Conselho Federal de Medicina, no ano de 1985, tornando sem efeito o código 302 do CID, o qual considerava a homossexualidade como desvio ou transtorno sexual, antecipando-se, assim, à própria Organização Mundial de Saúde. (FIGUEIREDO, 2006, p. 84).
O Parecer Federal de Psicologia ajeitou nacionalmente uma Autorização com normas para que os psicólogos contribuam com sua técnica profissional, como material de abolir com os discernimentos em analogia à direção sexual do indivíduo. Não se deve esquecer que sobre o olhar legal, a homossexualidade não é analisada como enfermidade no Brasil. Então novamente, os psicólogos não devem cooperar com eventos e serviços que se sugiram ao tratamento e cura da homossexualidade, muito menos que faça a condução para outros tipos de curas (FIGUEIREDO, 2006).
Assim, quando buscados por homossexuais ou seus responsáveis para tratamento, os psicólogos não devem abdicar o atendimento, mas sim aproveitar o momento para explicar tanto para o paciente quanto para a ascendência que a homossexualidade não se trata de uma enfermidade, muito menos de uma desordem espiritual, motivo pelo qual não se pode indicar métodos de cura.
A homofobia se compõe pelo horror irreprimível, repugnância, ódio, preconceito que alguns indivíduos, ou grupo alimentam contra os homossexuais, lésbicas e bissexuais. Desde o ano de 1991, a Anistia Internacional, passou a considerar a discriminação contra os homossexuais como uma violação aos Direitos Humanos. (DIAS, 2016).
Homofobia estancia-se em um termo proveniente da abordagem psicológica, determinada como a aversão ou rejeição de homossexuais, bissexuais, travestis e transexuais. Quando observado com outros tipos de discriminação, como o racismo, a homofobia é menos discutida. Para se uma melhor compreensão da homofobia é preciso observar o preconceito e a discriminação, o àquele pertence ao campo da psique e a este ao campo social.
O preconceito é uma percepção negativa efetuada acerca de indivíduos ou grupos socialmente considerados inferiores, bem como as representações sociais ligadas a tais percepções. Discriminação é a materialização das relações sociais, das atitudes arbitrárias, comissivas ou omissivas, relacionadas com o preconceito e que leva à violação de direitos dos indivíduos e dos grupos. Agregam-se a este conceito, de modo exclusivo, preponderante ou conjugado, conforme o caso, notas de irracionalidade, autoritarismo, ignorância, pouca disposição à abertura mental, inexistência ou pouca convivência com membros dos grupos inferiorizados.
O conhecimento sobre a homofobia ainda está em um processo de construção, pois é um tema muito amplo e complexo, mas não se pode imaginar que violência contra os homossexuais seja fenômeno unicamente da modernidade. A realidade do mundo de hoje resulta em novas percepções e de um olhar ao próximo com mais clareza, de modo a aceitar os indivíduos que fazem parte de uma sociedade, sem fazer distinção, pois em um estado de direito, todos são iguais e livres.
4. Amparo Legal
O Direito Penal não cuida apenas de um grupo, mas sim de um todo. Partindo desse pressuposto, verifica-se que ao tutelar o direito para uma minoria, estar-se-á beneficiando toda uma sociedade. No entanto, quanto ao que seria necessário ou não tutelar, deve ser observada a vulnerabilidade do grupo, tendo como critério para a definição do objeto jurídico aqueles que são altamente discriminados e violados dentro de suas desigualdades. (CARVALHO, 2008)
Isso reflete um atraso, ao se comparar com outras esferas jurídicas. Há amparo constitucional que respalda o direito à liberdade de opção sexual. O Direito Civil já apresenta regulamentação a uniões homoafetivas, assim como, direitos e deveres inerentes a essas. Porém, observa-se lacuna quanto à tutela penal, que não tipifica como crime casos de discriminação com relação à orientação sexual. (CARDOZO, 2013)
Não há dúvida quanto à indispensabilidade da tutela penal, mas há divergências entre os que defendem a necessidade de maior atenção a essa minoria, que seriam os fundamentalistas cristãos, que pregam o amor, mas que não querem resguardar determinada classe, tomando como certo a questão da orientação sexual e as críticas quanto à expansão do Direito penal, que relatam da seguinte maneira “redimensionou a crítica às práticas penais a partir da problematização da existência da realidade ontológica do crime e do universalismo das leis e dos castigos.” (SALLES, 2011, p. 3)
Conforme descrito pela expressão nullum crimen, nulla poena sine lege, não há pena sem lei, não pode ser aplicada qualquer pena. Há assim, colisão de direitos fundamentais. O artigo 5º, inciso XXXI da Constituição Federal desvela princípio da legalidade, onde não se pode atribuir pena, sem lei anterior que o defina. (CARDOZO, 2013)
Claudia Moura Masiero (2013) diz que mesmo com a crescente abordagem da importância da tolerância e respeito à liberdade sexual, a homofobia ainda é constantemente presenciada e noticiada, sendo grave violação dos direitos fundamentais. O artigo 5º, inciso XLI respalda a punição frente a atos de discriminação, onde se subentende que abarca tipificação em casos de conduta de preconceitos.
Nota-se, assim, que mesmo diante de tantas lutas em busca do respeito à igualdade, as liberdades individuais, campanhas contra a homofobia e discriminações referentes a opções sexuais, atitudes homofóbicos ainda não é crime, o que causa lacuna no direito pátrio, ou seja, é necessário atribuir assim, meios de penalização proporcional ao delito cometido que caracterizem homofobia.
5. Criminalização da homofobia
Além da busca pela efetivação dos direitos civis, sociais e políticos os cidadãos homossexuais buscam também reconhecimentos de tutela penal diante de atos de discriminação e de preconceitos. Com isso é crescente a necessidade de tutela penal frente à criminalização da homofobia. Assim, busca-se de forma efetiva a criminalização da homofobia como já fora feito em relação ao preconceito pela raça, gênero, opção religiosa, entre outros, classificados como grupo de minorias.
Preconiza-se que o direito penal de combate às condutas (ações comunicativas) de discriminação e ódio contra as minorias sexuais somente atingirá alguma eficácia com a orientação político-criminal que reconheça na homofobia uma representação (muitas vezes) de padrões culturais morais construtores da masculinidade, que em muitos casos são interpretados como condutas sociais não necessariamente de caráter da violência. (MASIERO, 2013)
Diante dos crescentes números, a intervenção penal tem total relevância. Talvez não surtiria efeito imediato, porém, poderia apresentar efeito a longo prazo. Como diz Furlani:
A homossexualidade, juntamente com a prática e a vivência heterossexual e a bissexualidade, constitui o que se define como a orientação sexual de cada pessoa, ou seja, o desejo sexual, aqui relativizado como as muitas possibilidades do prazer. Assim, orientação sexual não é o mesmo que pratica sexual (aquilo que as pessoas fazem no sexo), nem do que identidade sexual (como as pessoas se sentem ou são nominadas a partir de suas práticas sexuais). (2007, p. 154).
Com isso, o tema da homofobia adentra as fronteiras do direito penal em função do fracasso dos demais espaços jurídicos e políticas públicas em identificar medidas eficazes para mudar uma realidade histórico-cultural e social. Não há́ dúvida de que a produção legislativa não faz esforços para a construção de uma dogmática-penal que possa dominar o espaço da orientação sexual e identidade de gênero de forma a estabelecer a proteção penal; pelo contrário, demonstra ser extremamente conservadora.
A discriminação pela homofobia, até agora, não pode ser caracterizada como crime pela legislação penal, inexistindo consequências jurídicas, em âmbito federal, em relação a esse tipo de discriminação. Não obstante, é oportuno lembrar que é possível uma subsunção indireta, pois determinadas ações dirigidas à pessoa homossexual, mesmo não sendo tratadas por lei própria, são passíveis de punição. Tais atitudes mantêm relação com outras já consideradas como criminosas pelo Código Penal. (BULOS, 2000, p.54)
Na análise dos processos de criminalização da homofobia em curso no direito brasileiro, constatou-se detrimento da opção por crimes de ódio. Assim, tais crimes ainda encontram-se tipificados na sua maior parte, crimes de ódio, e devem ser referidos como crimes homofóbicos, tendo como motivo a não aceitação e ódio por parte do agressor em relação à vítima por ser gay, lésbica, travesti ou transexual, o que aponta assim a necessidade de tutela penal perante os crimes de homofobia (PRADO, 2002, p.44).
Entretanto, a homofobia é uma ação (verbal, física, psicológica) agressiva e desproporcional de desconsideração do outro como pessoa humana em função da orientação sexual não hegemônica. Porém, a política criminal que legitime a normatividade contra a discriminação e o ódio por motivos de orientação sexual não pode desconsiderar o processo analítico das manifestações de permissão e proibição existentes entre as orientações homossexuais e heterossexuais. (SILVA, 2013).
Uma política criminal anti-homofóbica não pode abdicar dos contornos transnacionais, pois a temática da homofobia fortalece o processo de internacionalização do direito penal, direcionando-o para uma afirmação do sistema internacional dos direitos humanos como fenômeno jurídico construtor das bases de sustentação de um modelo civilizacional, do modelo civilizacional ocidental. O entendimento de uma propositura político-criminal e dogmático-penal de interação internacional e integração jurídicas. (SILVA, 2013)
Carolina Valença Ferraz (2013) ressalta referente aos avanços de normatizações legais no Brasil a Comissão de Juristas para a elaboração de Anteprojeto de Código Penal, criada pelo Requerimento n. 756, de 2011, do Senador Pedro Taques, aditado pelo Requerimento n. 1.034, de 2011) de Reforma do Código Penal brasileiro que aprovou a proposta de criminalização de ações, condutas e comportamentos que se traduzam como discriminação por orientação sexual. A proposta criminaliza o preconceito contra gays, transexuais e transgêneros.
A criminalização da homofobia seria igualada ao crime de racismo, o que significa dizer que se tornaria um injusto penal imprescritível e inafiançável. Assim, aquela pessoa acusada de discriminação ou preconceito por orientação sexual poderia ser processada a qualquer tempo (sem prejuízo da prescrição punitiva). Mas ainda, com a determinação normativa de crime inafiançável (no caso de preso provisoriamente) a liberdade não poderá ser conquistada mediante o pagamento de fiança. (FERRAZ, 2013)
Nota-se assim que projetos de lei que visem inibir atos de homofobia têm crescido, porém, nada de efetivo ainda foi feito. São notificados crimes homofóbicos constantes. Muitos destes com requintes de crueldade, conforme descreveu Vinicius Marasciulo Dias Bastos o seguinte:
Dentre os diversos crimes contabilizados, a maioria deles é marcado por requintes de extrema crueldade e violência. Além de muitas vítimas mortas com o uso de machados, facas e foices, os assassinatos cometidos abrangem desde espancamentos (quarenta e nove pessoas) e enforcamentos (vinte e quatro) até casos de envenenamento (três), apedrejamento (dez) e carbonização (quatro). O número de balas mortíferas variou de uma até quinze, enquanto LGBTI foram perfurados mais de dez vezes com uma arma branca, três mais de vinte vezes e um indivíduo em particular foi esfaqueado 46 vezes. Tais detalhes explicitam o caráter torpe dos atos, não podendo estes deixarem de ser considerados ‘crimes de ódio’ (2016, online).
O projeto de lei de reforma da Parte Geral do Código Penal, encaminhado à Presidência da República em 11 de agosto de 2000, por exemplo, não abordou a questão da discriminação ou do preconceito em nenhum momento, tampouco previu a criação de uma agravante genérica nesses moldes. Referente à tramitação em Congresso Nacional destaca-se o projeto de Lei PLC 122 / 2006 que busca desde então caracterizar como crimes atitudes homofóbicas. (SANTOS, 2010)
O ser humano é o objetivo principal da tutela jurídica. O princípio da dignidade da pessoa humana vem como meio norteador da aplicação do direito, de forma a garantir o mínimo existencial a cada indivíduo, além de ser um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito. Este princípio possui respaldo jurídico para coibir comportamentos preconceituosos e não permitir que pessoas sejam desrespeitadas por desfrutarem de sua liberdade.
Desta forma, levando-se em consideração que não há no ordenamento jurídico impedimento para a união homoafetiva e que os princípios da dignidade da pessoa humana e da liberdade e igualdade são princípios basilares, norteadores de todos os demais, garantindo total proteção ao indivíduo, torna-se impossível permitir qualquer ofensa a esses direitos. Visto que, a sexualidade é atributo físico e psíquico da pessoa humana, sendo tão importante quantos os demais elementos que integram a essência do ser. (AMARANTE; WEISZFLOG, 2013).
Tomando, pois, como pontos de partida os Princípios da Isonomia e do Respeito à Dignidade Humana, as Leis, a jurisprudência, a doutrina e as posturas governamentais, respaldadas no quadro evolutivo dos Direitos Fundamentais e no seu atual estágio de proteção integral (baseado no paradigma da solidariedade), já apontam para a necessidade de os Estados assegurarem a igualdade plena, no atendimento jurídico e social aos seus cidadãos.
Pelo fato da heterossexualidade ser instituída como modelo “normal” para a sexualidade, acaba surgindo um óbice legal para a formulação de tratamento jurídico diferenciado. O suposto interdito preconceituoso, à afetividade dos que se atraem naturalmente por pessoas do mesmo sexo, constitui ofensa injusta à dignidade e à integridade. Isso porque, “a sexualidade consubstancia uma dimensão fundamental da constituição da subjetividade; alicerce indispensável para a possibilidade do livre desenvolvimento da personalidade”. (RIOS, 2001, p. 09)
6. Princípio da igualdade e liberdade
A igualdade é um princípio consagrado pela Constituição Federal, estando presente no rol de direitos e garantias fundamentais. As garantias constitucionais constituem-se, pois, instrumento relevante para o respeito à̀ diversidade humana, dentro da concepção do ideal de uma sociedade fraterna, plural e sem preconceitos. Dessa forma, não há como se afastar de uma interpretação conforme à Constituição, para reconhecer que todo cidadão tem direito à reunião familiar na forma que lhe aprouver, bem como ao exercício de sua sexualidade e da busca de sua identidade de gênero, não sendo admissível à restrição legal dessa liberdade. (DIMOULIS, LUNARDI, 2013)
Assim, pode-se colocar que o princípio da igualdade, hoje materializado no ordenamento jurídico brasileiro no art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, alcançou concretude em termos jurídicos de forma gradual, e não é diferente no que diz respeito às pessoas homoafetivas.
Os princípios da liberdade e igualdade caminham juntos, pois foram os primeiros a garantir o respeito e a dignidade da pessoa humana. Uma leitura sistemática da Constituição Brasileira de 1988 indica que a orientação sexual deve ser tratada como assunto privado e como tal deve permanecer fora da regulamentação jurídica (além da simples e pura permissão). A mesma Constituição assegura a todos o direito à liberdade e igualdade. (DIMOULIS, LUNARDI, 2013)
Dessa forma, mesmo integrado como valor ou mera concepção, e incorporado ao Texto Constitucional, apenas nas últimas décadas a sociedade e o Estado têm atuado no sentido de efetivar a igualdade àquelas pessoas. Com isso revela-se a importância da busca pela preservação da dignidade das pessoas, respeitando suas particularidades, sem exceção.
Nesse sentido, Leslei Magalhães discorre que homossexuais são detentores de direitos fundamentais, são iguais a todos perante a lei, e, assim também dever ser pela sociedade e pela população em geral. A igualdade e a liberdade constitucionalmente amparadas, não apenas de maneira implícita, mas por disposição expressa, a uma, vedam a distinção por motivos de sexo.
Enquanto houver tratamento desigual em razão do gênero e a homossexualidade for vista como crime ou pecado, não estarão sendo cumpridos os princípios fundamentais garantidos pela lei. Mesmo que tenha ocorrido relevante evolução da sociedade ao longo dos anos, a igualdade real ainda não se manifestou. A liberdade sexual deve ser vista então como direito fundamental, composto a partir do texto de várias normas da Constituição Federal de 1988.
Trata-se da liberdade genérica, garantida no caput do art. 5º; dos já́ mencionados direitos à intimidade e à privacidade (art. 5º, X); da proteção da convivência familiar em sua multiplicidade com base na livre decisão de seus componentes (art. 226). Essas normas oferecem, ainda que de maneira implícita, tutela constitucional a quaisquer características e opções sexuais, sendo proibido que o direito infraconstitucional as trate de maneira discriminadora. (DIMOULIS, LUNARDI, 2013)
Conforme exposto acima, a Constituição Federal consagra a dignidade da pessoa, a liberdade e a igualdade como princípios fundamentais. Além de vedar discriminações de qualquer ordem, assegura o pleno exercício dos direitos de cidadania a todos. Mas cabe à legislação infraconstitucional o encargo de dar efetividade a suas diretrizes, princípios e normas.
7. Considerações Finais
A homofobia reside numa manifestação arbitraria, de cunho individual ou social, que designa o outro como contrário, inferior ou anormal em face de sua orientação homossexual e, nessa medida, lhe priva dos direitos fundamentais acessíveis à maioria. Trata-se, sem dúvida, de um fenômeno complexo e multifário.
Como se expos, a homossexualidade não surgiu, ao longo da História, como um conceito identificável. Trata-se, em verdade, de uma ideia que pressupõe um oposto, a heterossexualidade, como um padrão normal, saudável, de expressão da sexualidade. É esse o ambiente que dá́ ensejo à homofobia, em todas as suas formas. O despertar da consciência social para o fenômeno revela uma importante mudança de enfoque. A homossexualidade deixa de ser o foco de estudo, a preocupação do cientista e, no lugar, a análise se volta à compreensão e ao combate à homofobia; isto é, o homossexual deixa de ser o “problema”, que se desloca para a reação irracional e arbitrária imposta contra seres humanos por forca de sua opção sexual.
No âmbito jurídico, a homofobia designa toda a sorte de atitudes discriminatórias ou segregatórias impostas a pessoas em face de sua orientação homossexual. Não resta dúvida que a homofobia, quando extravasa o claustro psíquico e, mais que uma aversão, se exterioriza em atitudes concretas, de cunho segregacionista, constitui inegável forma de preconceito, que deve ser penalizado.
Desta forma, verifica-se que garantir aos homossexuais a sua plena cidadania não é só dever do Estado mais sim de todos os cidadãos brasileiros, que lutam por qualquer outro tipo de discriminação, seja sexo, raça, etnia, classe social, orientação sexual, ou qualquer outra forma que possa surgir. Ser homossexual não é crime, não é vergonha e sim uma opção sexual, que todo mundo tem o direito de ter, devendo as ações que buscam impedir esse direito serem punidas.
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