Por Paulo César Busato - 27/05/2015
Introdução
O legislador do Código penal de 1940 utilizou as clássicas motivações sociais e anti-sociais para estabelecer privilégios qualificadoras para o homicídio.
A técnica legislativa empregada, no entanto, produz problemas dogmáticos de difícil solução, em especial na questão do homicídio realizado mediante paga ou promessa de recompensa e sua relação técnico-jurídica com as hipóteses previstas como privilégios.
O presente artigo pretende explorar os problemas dogmáticos derivados de tal questão, expondo os paradoxos derivados da fórmula escolhida pelo legislador e propor soluções de lege lata e lege ferenda para as dificuldades encontradas.
Para tanto, iniciar-se-á pela abordagem da questão da evolução dogmático-jurídica das tratativas legislativas a respeito das motivações sociais e anti-sociais para as práticas delitivas, até chegar na fórmula adotada pela legislação atual.
Em seguida, descrever-se-á as vinculações entre o homicídio e as motivações sociais e anti-sociais no Código penal atual.
A partir de uma análise crítica das fórmulas de técnica legislativa empregadas para a conjunção do homicídio e as motivações no Código penal atual, serão expostas debilidades e problemas concretos especialmente relacionados ao homicídio realizado mediante paga ou promessa de recompensa e as hipóteses de homicídio privilegiado.
Finalmente, como contribuição para a discussão dogmática do tema, serão propostas soluções para os conflitos detectados, tanto através de fórmulas hermenêuticas de aplicabilidade imediata, quanto para fins de reforma legislativa, à vista da proximidade de uma revisão completa do Código penal.
1. O que são emoções e paixões e sua tratativa na sistemática da teoria do delito
Um aspecto essencial que desde há muito é levado em consideração na tratativa do controle social penal é o motivo que impulsiona a prática delitiva.
Daí que cedo se despertasse o interesse por emoções ou paixões que constituíram móveis para a prática delitiva. A emoção, considerada “um estado de explosão afetiva”[1] e a paixão, tratada como “um estado prolongado de emoção”[2].
Por influência do positivismo criminológico, as paixões eram classificadas entre sociais (amor, piedade, patriotismo) e anti-sociais (ódio, inveja, ambição)[3]. As sociais, de modo geral, chegavam a afastar responsabilidade, as anti-sociais a agravavam. Hoje, porém, a relevância de tais temas para a imputação resta afastada.
Assim, no Código penal atual, os motivos constituem elemento essencial para a individualização da pena, quer seja como circunstâncias judiciais, agravantes ou atenuantes genéricas ou causas gerais e especiais de aumento ou diminuição de pena. Eventualmente, ainda, compondo acessoriamente um tipo, figuram como qualificadoras ou essencialmente, como especiais fins de agir.
É justa a preservação somente de atenuantes e agravantes, causas de aumento e diminuição, porque as motivações humanas não podem ser desprezadas. Porém, é certo também que o crime é em si uma situação que, na imensa maioria das vezes, estará associada a alguma classe de emoção singular, todas elas, também em regra, incapazes de afastar a correta compreensão do desvalor social do fato[4].
Não obstante tal constatação, ainda existe parte da doutrina que entende que estes aspectos não podem ser desprezados como determinantes da avaliação de presença ou não de imputabilidade, como formas de “redução da capacidade de culpabilidade”[5].
Seja como for, há uma opção clara político-criminal pela irrelevância, para fins de afastamento da imputação, de qualquer justificativa penal relacionada à emoção ou paixão. Ao menos é isso que se expressa na parte geral, o Código penal de 1984, ao referir, em seu art. 28, inciso I, que: Emoção e paixão não excluem responsabilidade penal.
2. Uma análise de aspectos motivacionais do homicídio no Código atual
Especialmente no que tange ao homicídio, a opção feita pelo legislador de 1940, foi no sentido de que a motivação no homicídio é expressão de emoções e paixões que, conquanto não possam afastar a carga de imputação, são relevantes para a configuração da pena desde seu início.
O Código penal reserva privilégios e qualificadoras associadas aos motivos.
2.1. As causas especiais de diminuição de pena associadas à motivação.
O art. 121, em seu § 1º prevê especificamente que se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.
Como se nota, há duas situações diferentes, ambas relevantes a ponto de comportarem fração de redução de pena específica, caso estejam presentes no caso concreto. Fração esta incidente sobre o resultado da segunda fase de individualização da pena.
A primeira delas é ter o autor do homicídio sido movido por motivo de relevante valor social ou moral. A segunda, ter agido sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida à injusta provocação da vítima.
2.1.1. O relevante valor social ou moral
Com o uso da expressão relevante valor social ou moral, o legislador pretendeu especificar um qualificativo que não admite transigir com o valor social ou moral de menor monta.
É bastante óbvia a relatividade histórico-social deste conceito, porquanto valores sociais e morais não são unívocos. Aquilo que é relevante em um determinado contexto histórico-social não é em outro e os padrões morais, porque variáveis individualmente, são menos padronizáveis ainda.
A moral é, na base, heterônoma e prática, recebida por aprendizado e coerção, mecanismos que dão ensejo à sua formação autônoma. Como estes mecanismos e experiências que geram a formação da moral autônoma são os mais díspares possíveis, não é razoável esperar pela constituição de uma “moral uniforme”.
A doutrina clássica em geral[6] sustenta ser necessário cogitar, tanto para o relevante valor social quanto para o relevante valor moral, a consciência ético-social em geral ou o senso comum.
A idéia é criticada por Fernando Galvão[7], para quem, se a padronização em foco resolve a questão do valor social, não pode resolver, ao mesmo tempo, do padrão moral, sob pena de que se confunda ambos os conceitos. Se o legislador utilizou os dois, supõe-se sejam coisas diferentes.
Os autores mais modernos[8] mencionam, com freqüência, dada a individualização do padrão moral, que o relevante valor moral difere do relevante valor social, por ser uma questão egoística ou um interesse meramente individual, mas os exemplos dados pretendem, de qualquer modo, compreender uma situação em que qualquer pessoa, posta no lugar do agente, teria ímpetos de atuar de modo similar, como o assassinato do estuprador da própria filha ou a eutanásia.
Uma das mostras mais evidentes das dificuldades da padronização de uma idéia de relevante valor moral é efetivamente o caso da eutanásia, exemplo que figurou na exposição de motivos do Código de 1940, no item 39.
A doutrina da época, recém enfrentada com as polêmicas questões avivadas pelos programas de eugenia nazistas, especialmente a tese de Binding e Hoche[9] que defendia a distensão da permissão da eutanásia identificando discriminatoriamente indivíduos como ‘desprovidos de valor vital’, firmou pé em uma interpretação o mais restritiva possível do reconhecimento da benesse[10].
Isto sem contar que a própria opção por uma restrição da eutanásia a uma hipótese de decisão consciente segue sendo polêmica. Isto em função da química do próprio cérebro. Note-se que a depressão que pode ser desencadeada a partir de fortes emoções negativas como a notícia de portar uma doença grave e incurável. Essa circunstância pode levar uma pessoa que esteja gozando de suas plenas faculdades mentais, a decidir de uma forma que, revista em uma situação química diferente, não seria igual.
Isto é mais intenso ainda em pessoas com certos graus de transtorno bipolar, que se equilibram em períodos cíclicos de depressão e euforia. Quando esta decisão seria válida em uma pessoa portadora de transtorno bipolar: quando ela está em euforia ou quando ela está em depressão, e que dizer do quadro intermediário? Como afirmar que a decisão consciente, eventualmente firmada em um documento, não foi mero produto de um distúrbio químico?
É mais grave quando se sabe, clinicamente, que boa parte das pessoas são portadoras de certos graus de bipolaridade, considerados ciclos de alegria e tristeza que, conquanto constituam enfermidade, nem por isso podem ser reconhecidas como situações de irresponsabilidade no plano jurídico em geral.
A despeito das diferenças que pode haver sobre o polêmico tema da eutanásia[11], é certo que o guia decisório sempre deve ser a solidariedade humana[12].
Assim, a conclusão é que todos os temas que são submetidos à análise de relevância quanto a um valor social ou moral compõem uma situação aberta a polêmica no que tange à distinção de tais critérios.
Não obstante, é possível inclinar-se pela conformação de uma interpretação juridicamente aplicável para o reconhecimento da hipótese: aquele valor social ou moral que possa ser reconhecido como tal acima das diferenças individuais ou de grupos. Isto é o que deve ser considerado um relevante valor social ou moral. Relevante porque supõe relevo, porque se destaca a ponto de ser reconhecido em um plano geral.
Portanto, ainda que a moral seja um dado individual, sendo a análise jurídica uma estrutura relacionada à vida social, necessariamente o interesse individual sofrerá uma avaliação inter-subjetiva.
A questão, como quase todas as polêmicas em Direito penal, se resolve a partir de uma interpretação baseada na filosofia da linguagem, afinal, é o caráter interpessoal, ou seja, a possibilidade de ser partilhado como quadro de mundo[13], que faz com que se reconheça o conceito de relevante valor social ou moral. A rigor, este é o modo como comumente se atua no foro, ainda que a existência de uma estrutura teórica de base não seja perceptível por todos.
De modo prevalente, se utiliza a idéia de interesse, ou seja, quando o caso é de algo admissível socialmente como relevante, mas possui interesse coletivo, fala-se em relevante valor social, enquanto que quando se trata de algo admissível como socialmente relevante, mas guarda interesse meramente individual, é tratado como relevante valor moral.
Por exemplo, o ato de matar um traficante e seqüestrador que aterroriza o bairro é um homicídio por relevante valor social, enquanto que matar o estuprador da própria filha[14] ou o traficante que viciou o próprio filho, são casos de homicídios por relevante valor moral.
Em resumo, a relevância é sempre um critério interssubjetivo, enquanto que o dado moral (individual) ou social (coletivo) se vincula ao interesse que inspira o motivo.
Note-se que os exemplos são sempre aqueles cuja obviedade de padrão social ou moral permite aglutinar o transmissor e o receptor da mensagem e, mais do que isso, certamente a vítima, o réu e o próprio julgador.
2.1.2. O domínio de violenta emoção, logo em seguida à injusta provocação da vítima
A outra circunstância que conduz à redução especial de pena, não é foco da questão central aqui abordada, mas merece, ao menos, ser delineada.
É reduzida a pena do homicídio quando cometida sob domínio de violenta emoção, logo em seguida à injusta provocação da vitima.
O primeiro requisito para que isto se configure é que o autor seja dominado por violenta emoção, o que não pode ser uma mera influência. Portanto, é uma situação emocional que se apossa do agente, que deve ser intensíssima e incontrolável. Um jorro que impulsiona para ser violento.
Caso não haja propriamente um domínio da emoção, ou seja, se a emoção não foi tão intensa, mas ainda assim, tenha influenciado o sujeito, o tipo penal é de homicídio simples, que poderá sofrer a incidência da atenuante genérica do art. 65, III, c, última parte do Código penal[15].
Este fato tem momento próprio: deve ocorrer logo em seguida à provocação. Ou seja, há um aspecto temporal que torna incompatível, desde logo, esta causa especial de diminuição com a premeditação[16].
A previsão do Código teve por objeto mais freqüente de exploração doutrinária as situações de explosão de ciúme ocasionada por flagrantes de adultério[17].
De modo geral, se assenta que é possível entender-se por logo após, aquelas situações de imediação determinada pelo contexto fático, que traduzem uma situação onde não se rompe o ciclo emocional.
Isto porque, evidentemente, a explosão emotiva que caracteriza o privilégio tem seu ápice no momento em que o agressor é atingido pela provocação, com o que, o passar do tempo só pode determinar o seu abrandamento. Em geral, não é possível pretender a aplicação do privilégio em uma situação em que se reage várias horas após o cessar da provocação, salvo se, neste interregno, a reação ainda não se deu por impedimentos objetivos, e remanesce o domínio emocional negativo. Há situações, ainda, em que a provocação é o que perdura no tempo, levando, inclusive, a um progressivo desencadear de emoções no agente, que em um dado momento explode em agressão.
Caso não haja uma concreta imediação entre a provocação e a atuação, ainda poderá estar o sujeito sob a influência da emoção, situação que poderá clamar pela incidência da atenuante genérica do art. 65, III, c, última parte do Código penal.
O último requisito para configurar a hipótese de especial diminuição de pena, é ser a provocação da vítima injusta.
Com acerto, Fernando Galvão[18] lembra que injusto é um conceito jurídico. A expressão injusta aqui não pode ser entendida como uma expressão coloquial, pois se está tratando de matéria eminentemente jurídica.
De modo distinto, a doutrina clássica distendia o conceito, entendendo por injusto não o termo jurídico, mas o coloquial[19].
Hungria[20], em certa medida, buscava uma solução conciliatória, pois afirmava a impossibilidade de reconhecer como injusta uma provocação que acionou uma reação derivada da “hiperestesia sentimental dos alfemins e mimosos”, por outro lado, sustentou que contra a provocação, a reação não precisa ser “necessária”, pois, neste caso, estaria presente a legítima defesa.
Ora, é certo que não se trata da provocação que admita a necessidade de uma reação homicida em legítima defesa. Por outro lado, nem toda a ofensa injusta no sentido jurídico, exige repulsa desta monta. O homicídio, neste caso, será sempre um excesso na reação, mas, a nosso sentir, não há como negar que a expressão injusta deve assumir o cariz do termo jurídico[21].
Não se descura da observação que uma interpretação restritiva da expressão injusta seria contrária aos interesses do réu, reduzindo a aplicabilidade da causa especial de diminuição. Por outra, há que se asseverar que a interpretação não tem porque ser considerada restritiva quando se leva em conta que o injusto é uma categoria que não se restringe à matéria penal, pois existe o injusto civil, administrativo, trabalhista, etc. e todas as suas formas podem ser consideradas provocação.
Caso não haja propriamente uma provocação injusta de parte da vítima, mas um ato injusto, o tipo penal é de homicídio simples, que poderá reclamar a incidência, também, da atenuante genérica do art. 65, III, c, última parte do Código penal.
2.2. As qualificadoras associadas à motivação, especialmente o caso do motivo torpe e a paga ou promessa de recompensa
De outro lado, em direta contraposição à situação de diminuição de pena, os motivos figuram também como qualificadoras do homicídio, nas hipóteses específicas do § 2o, incisos I e II do art. 121 do Código penal, especificamente se o homicídio é cometido: I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe; ou II - por motivo fútil.
No inciso II, o legislador opta por um conceito. Fala em motivo fútil. A futilidade é a desproporcionalidade, ou seja, a fonte da reação homicida é a prática de alguma conduta cuja eventual característica ofensiva contra o homicida resulta absolutamente desproporcional em relação àquela.
Como um dado, no mínimo curioso aparece o assentamento pelos precedentes judiciais de que a ausência de motivo não qualifica o homicídio[22].
É mais do que evidente que o motivo nulo, o homicídio realizado aleatoriamente, não pode ser menos desvalorado socialmente que aquele realizado por algum motivo, ainda que fútil! O simples fato de constituir uma escolha pela morte a despeito de uma razão precisa representa um nível de desprezo pela vida humana que é certamente desproporcional e, portanto, fútil.
Por outro lado, o princípio da legalidade obriga a uma interpretação restritiva e em favor do réu, não admitindo que se inclua a ausência de motivos como um item a mais na qualificação do homicídio, quando nada diz a respeito o Código.
Por outro lado, ainda importa destacar que é certo inexistir ação humana destituída de propósito. Se este é um conceito jurídico de ação superado[23], ontologicamente corresponde à verdade, ou seja, não existe ação humana fisicamente considerada que não se oriente segundo propósitos determinados. Outra coisa, bem diferente, é que estes propósitos estejam demonstrados na investigação procedida.
Em resumo: uma investigação que conclua pela realização desmotivada de um homicídio será, necessariamente, uma investigação incompleta[24].
No inciso I, porém, o legislador optou por outra coisa diversa da simples enunciação de um conceito. Prescreveu uma fórmula consistente na exemplificação seguida de uma cláusula generalizante, remetendo à realização de interpretação analógica.
Assim o legislador assinala como qualificado o homicídio quando praticado mediante paga ou promessa de recompensa ou outro motivo torpe.
Vale dizer, é o homicídio mercenário considerado um homicídio praticado por motivo torpe e que admite incluir-se no epíteto em questão outras classes de homicídio tão torpes quanto o mercenário.
O motivo torpe é o abjeto, ignóbil, amoral, repugnante, o que ofende gravemente a moralidade média ou os princípios éticos dominantes[25].
Discute-se se a paga ou promessa de recompensa restringe-se ao plano econômico[26].
Seja como for, parece que se trata de uma aporia, pois, outras motivações como a recompensa sexual, por exemplo, podem claramente constituir motivo torpe, tão torpe quanto a paga financeira, ou a promessa de recompensa econômica. A discussão é, portanto, vazia.
3. A questão do homicídio qualificado-privilegiado
Já é bastante assentado na doutrina e nos precedentes judiciais brasileiros que é perfeitamente possível a coexistência entre o homicídio em sua forma qualificada e o privilégio que representa a causa especial de diminuição de pena do art. 121, § 1o do Código penal[27].
A razão desta aceitação geral é a limitação destas possibilidades às hipóteses de homicídio qualificado por razões objetivas. Sustenta-se basicamente que como o privilégio é sempre subjetivo, associado à motivação do sujeito, seja ele praticado sob violenta emoção logo após injusta provocação da vítima, seja ele cometido por relevante valor social ou moral, não há nenhuma incompatibilidade para com as qualificadoras consistentes na prática do homicídio mediante fogo, meio cruel, dissimulação ou outra qualquer qualificadora, desde que esta seja de ordem objetiva. Ou seja, o homicídio qualificado-privilegiado se restringiria às hipóteses de qualificadoras objetivas[28].
A incompatibilidade restaria restringida às hipóteses de qualificadoras subjetivas, já que estas estão igualmente fundadas nos motivos que são guias das condutas dos sujeitos. Portanto, não seria possível que o homicídio fosse praticado por motivo torpe e de relevante valor moral, por exemplo. Isto seria uma contradição.
Nada do que se tenha falado até aqui resulta complexo, polêmico ou discutível, mas aqui cessam as obviedades.
A questão intrincada surge a partir do cotejo entre a natureza jurídica da qualificadora da paga ou promessa de recompensa, sua comunicabilidade e a distribuição equânime ou justa da carga penal.
4. O caso do homicídio mediante paga. Natureza jurídica, comunicabilidade entre os concursantes, comunhão entre qualificadora e privilégio. O problema
No caso do homicídio mediante paga ou promessa de recompensa surgem graves problemas para com a distribuição de responsabilidade penal entre os concursantes[29].
Ocorre que se a paga ou promessa de recompensa é considerada motivo torpe, este motivo é uma elementar subjetiva do tipo. Como tal, deveria comunicar-se entre os concursantes, a teor da regra do art. 30 do Código penal.
É bem verdade que há uma intensa polêmica a respeito do que se pode considerar elementar do crime[30].
É que a redação do art. 30 do Código penal é a seguinte: Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime. Note-se que não são apenas as circunstâncias (a palavra deriva de circum stare, ou seja, estar ao redor de) mas também as condições de caráter pessoal que se comunicam.
Parece induvidoso, data venia, que constitui um elemento e não meramente uma circunstância do crime, tudo aquilo que o define como tipo, vale dizer, aquilo que pertence à imputação, claramente deve ser considerado elementar, enquanto que circunstância deve restringir-se àquelas que podem ser reconhecidas ou não sem desnaturar a imputação, ou seja, sem gerar as hipóteses de mutatio libelli ou ementatio libelli.
Neste contexto, é possível dizer que a qualificadora da paga ou promessa de recompensa integra o tipo, como sua elementar[31].
Enquanto tal, em sendo de caráter subjetivo, comunica-se entre os concursantes. Vale dizer: embora seja o motivo que inspira o sicário, mas não quem o contrata, deve comunicar-se à pessoa deste.
Eis o problema.
A questão diz respeito a se as qualificadoras se comunicam ou não aos partícipes, porquanto, se estas são elementares do delito, como parece ser correto, haverá comunicabilidade. Se, por outro lado, não constituírem elementares, mas forem meras circunstâncias, a solução da comunicabilidade fica à mercê da interpretação que se dê a esta última palavra na redação do art. 30 do Código penal.
Isto é particularmente grave na questão posta em debate, porquanto se a qualificadora da paga ou promessa de recompensa é motivação do sujeito se comunicará ao mandante, por força de ser elementar do tipo.
As opiniões a respeito são as mais díspares possíveis.
Para Fernando Galvão[32], os tipos derivados ou qualificados são autônomos em relação aos tipos principais, pelo que, o autor considera que a circunstância de ter sido o crime cometido mediante paga ou promessa de recompensa, como elementar do tipo, se comunica ao mandante, de modo que ambos responderão por homicídio qualificado. Ademais, refere o autor que a regra de comunicabilidade serve tanto para as qualificadoras objetivas como para as subjetivas.
A comunicabilidade das circunstâncias é a fórmula preferida pelos nossos Tribunais[33] e, nesta esteira, por boa parte da doutrina[34].
Para outra corrente doutrinária que arranca do pensamento de Fragoso[35], o mandante não deve responder pelo crime qualificado, mas sim por homicídio simples. Segundo o seu raciocínio, as qualificadoras devem ser interpretadas como circunstâncias e não elementares do tipo.
Desta forma, se entenderia possível que o mandante do homicídio mercenário possa ter praticado o crime por relevante valor social ou moral, sem infringir a regra geral de comunicabilidade das circunstâncias subjetivas nem tampouco incorrer no problema de coincidência de aspectos subjetivos orientadores de qualificadora e privilégio que, segundo a doutrina majoritária, seriam incompossíveis.
Em reforço a este pensamento sobre a incomunicabilidade, há quem aduza[36] que o que inspira o agir do executor é a cobiça, coisa que, em realidade, nunca é a inspiração do mandante, que tanto pode agir torpemente, por exemplo, por vingança, quanto por relevante valor social.
Existindo esta comunicabilidade, por exemplo, o homicida que contrata outro para que em seu nome mate o estuprador de sua filha, ou para que desligue a máquina que mantém vivo o parente enfermo realiza um delito que pode ser, em determinadas circunstâncias, considerado como motivado por relevante valor social ou moral. Não obstante, o privilégio não seria aplicável por força da comunicabilidade das circunstâncias de caráter subjetivo consistentes justamente no motivo do sicário, que não é o motivo do mandante[37].
Observe-se que a solução do problema não pode ser simplista.
Em uma primeira observação, poderia advir a proposta de considerar as qualificadoras como circunstâncias e não elementares do crime.
Neste caso, seria preciso reconhecer tal característica como uma regra geral e não apenas aplicável ao homicídio mercenário. Ou seja, seria preciso admitir, por exemplo, que um homicídio praticado por motivo fútil, poderia ser, ao mesmo tempo, praticado por relevante valor social, o que é completamente contraditório.
A outra solução, já referida, aventada por Fragoso[38], seria correta do ponto de vista anímico relacionado ao caso concreto, mas negaria aplicabilidade à regra geral do art. 30, com resultados práticos também duvidosos no plano da justiça. Vejamos.
Adotar tal solução significaria afirmar que quem contrata o sicário pratica homicídio simples enquanto que o sicário pratica homicídio qualificado, aplicando-se, ainda, o privilégio somente ao primeiro. O contratante responderia por homicídio simples (pena de 6 a 20 anos de privação de liberdade), com a redução própria da aplicação do privilégio. O matador de aluguel responderia pelo crime qualificado, sem possibilidade de aplicação do privilégio.
Não obstante, a vontade que se realiza no resultado é do mandante, ainda que a ela adira o executor. O tema é relevante sob o enfoque da teoria do domínio do fato, porque a interferência na fase de atos preparatórios, como definido no caso, geraria, para Roxin, a condição de instigador[39], enquanto que, a doutrina majoritária também admite a figura da coautoria[40].
Se admitida a figura da participação, seria esta uma hipótese de participação dolosamente distinta (art. 29, § 2o)?
Neste caso, surgiria um outro problema, pois o resultado mais grave – homicídio qualificado – não é apenas previsível, mas sim previsto, portanto, não ensejaria um plus de reprovabilidade derivado de imprudência inconsciente, mas sim de dolo e, no caso, dada a especificidade, dolo direto. Como aplicar, então, a diferenciação.?
Por outro lado, admitida a condição de autor para o mandante, há a questão da justiça na distribuição das penas faria com que o mandante tivesse uma pena incrivelmente menor que a de um coautor executor relativamente fungível.
5. Uma proposta de solução de lege lata
Moura Teles[41] levanta uma fundamentação que, do ponto de vista da justiça na distribuição da pena parece insuperável: a covardia e baixeza de caráter daquele que contrata alguém para matar terceiro, é tão vil quanto a daquele que executa tal morte por pecúnia. Ambos trazem em comum a reprovabilidade extra consistente em converterem a vida alheia em um objeto mensurável economicamente, objeto de barganha e contrato. Cada qual, estando em lados diferentes do contrato, tem idêntico desprezo pelo bem jurídico vida pertencente a outrem.
Não obstante, esta solução revela um aspecto inusitado, ainda que correto: o que o contratante e o sicário tem em comum é o contrato sobre a vida alheia, o que constitui um fato da vida, um dado objetivo, que nada tem de subjetivo.
Constituindo uma qualificadora objetiva, esta seria perfeitamente compatível com o privilégio subjetivo, o qual, ademais, não se comunicaria por não constituir elementar do tipo[42].
Nesta fórmula, a distribuição da carga penal resultaria justa na medida em que ambos responderiam pelo crime de homicídio qualificado e aquele que eventualmente estivesse movido por relevante valor social ou moral seria o único privilegiado por uma redução de pena. Assim, cada qual teria sua análise de privilégio, seja a morte do traficante que viciou o filho do contratante, seja a penúria e miséria famélica dos filhos do sicário.
O único inconveniente desta solução resulta ser o texto do artigo 121 § 2o, inciso II, que fala em mediante paga, promessa de recompensa ou outro motivo torpe.
Ao estabelecer a cláusula de equiparação o legislador deixou claro, como faz inclusive em outros incisos do mesmo dispositivo legal, que a fórmula visava a abertura de interpretação analógica.
O equívoco do legislador foi colocar como um exemplo de motivo uma situação objetiva e não uma orientação subjetiva.
Esta solução destrói a unicidade do texto da lei, pois difere entre os outros motivos torpes (subjetivos) e a paga ou promessa de recompensa (objetiva).
Assim mesmo, de lege lata, parece, de longe, a melhor solução técnica. Ou seja, que a paga ou a promessa de recompensa quando aconteça concretamente seja considerada no plano objetivo, como elementar do tipo, comunicando-se entre os concursantes. De outro lado, que a motivação do sicário siga sendo exemplo ao qual equiparar, em interpretação analógica, os motivos torpes capazes de representarem a qualificadora.
6. Uma proposta de solução de lege ferenda. A questão do homicídio mercenário e os privilégios no projeto de reforma do Código penal. Análise crítica
Diante do fato inarredável de que uma reforma no Código penal é necessária e se avizinha, ainda que a primeira mostra tenha sido nada alvissareira, é preciso deixar sentada uma proposta para a correção do problema apresentado, que possa resultar em uma solução técnica e político criminalmente mais adequada do que aquela que pode brotar do esforço hermenêutico em face do direito posto.
Verifica-se no anteprojeto enviado que a comissão é sensível ao problema da conjugação entre privilégio e qualificadoras do homicídio, tanto que antecipou, na distribuição dos parágrafos que detalham o tipo do homicídio, as qualificadoras ao privilégio, para deixar claro que este se aplica àquelas.
Outrossim, da mesma redação observa-se que piorou consideravelmente o texto do inciso I, do § 1o do art. 121, do Projeto, não só preservando o dado objetivo da paga ou promessa de recompensa, como ainda adicionando outras circunstâncias objetivas, o contexto de violência doméstica ou familiar ou em situação de especial reprovabilidade ou perversidade do agente.
Ambos são dados completamente objetivos. Ou seja, o ideal, que seria a separação entre as qualificadoras objetivas e as subjetivas em incisos diferentes, com vistas a dar adequada conjugação com eventuais privilégios e regras de comunicabilidade acaso preservadas na parte geral – aliás, mantida no projeto, em seu art. 39 - , não se realizou. Por outro lado, a mescla entre qualificadoras objetivas e subjetivas se ampliou consideravelmente, em detrimento da solução mais técnica.
A maior evidência do equívoco foi a clara associação, no inciso referido, entre os motivos e a culpabilidade, ao tratar de reprovabilidade conjuntamente aos motivos.
Ora, desde que a culpabilidade é normativa e os motivos, como guias da ação, nela já não estão contidos, esta associação é completamente superada. Não só porque isso ocorre no âmbito da imputação, pelo menos, desde o finalismo, mas também porque as próprias circunstâncias judiciais da culpabilidade e dos motivos são aferidas em separado.
De lege ferenda a proposta adequada exigiria separar os incisos da paga e dos motivos torpes. Paga não é motivo, é fato.
Considerações finais
No âmbito das considerações finais gostaria de deixar sentado que o trabalho hermenêutico em situações complexas de conjugação normativa são aqueles que mais exigem do juiz, mas que também o justificam.
É inatacável a tese central da predominância do legislativo, como fonte da dimensão política do princípio de legalidade.
Mas é igualmente certo que o juiz exerce, em sua atividade cotidiana, labor criativo. O juiz cria a norma aplicável ao caso concreto, através de um processo hermenêutico em que busca a melhor interpretação das normas aplicáveis, dentro dos limites políticos que lhe são dados.
Nesta tarefa, há um guia essencial que não pode ser descurado: a idéia central sempre lembrada por Vives Antón[43], de que é chegada a hora de que os juristas se proponham a substituir uma pretensão de verdade por uma pretensão de justiça, pois a verdade como correspondência, não será jamais encontrada pelo Direito, menos ainda o Direito penal.
A única coisa que se pode almejar é a busca por um resultado o mais justo possível, dentro das limitações humanas. Se a pretensão de justiça exige um empenho redobrado na costura de soluções interpretativas, hão todos os personagens do foro de debruçar-se sobre esta busca.
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[1] BRANDÃO, Cláudio. Curso de Direito penal. Parte Geral. Rio de Janeiro: GEN-Forense, 2008, p. 226.
[2] BRANDÃO, Cláudio. Curso de Direito penal...cit., p. 226.
[3] Esta classificação aparece referida ainda em alguns autores clássicos como HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código penal. Vol. V. 4a Ed., Rio de Janeiro: Forense, 1958, p. 124.
[4] De modo parecido, BRANDÃO, Cláudio. Curso de Direito penal...cit., p. 227.
[5] Neste sentido MESTIÉRI, João. Manual de Direito penal. Parte Geral. Vol. I. Rio de Janeiro: Forense, 1999, pp. 178-179.
[6] FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito penal. Parte Especial. 11a Ed., Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 35; NORONHA, Edgard Magalhães. Direito penal. Parte Especial. Vol. 1. 23a Ed., São Paulo: Saraiva, 1988, p. 19 e HUNGRIA, Nélson. Comentários...cit., p. 124.
[7] GALVÃO, Fernando. Direito penal. Crimes contra a pessoa. São Paulo: Saraiva, 2013, pp. 40-41.
[8] Assim, por exemplo, BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Especial. Vol. 2. 7ª ed., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 47; GRECO, Rogério. Direito penal. Parte Especial. Vol. II. 7a Ed., Niterói: Ímpetus, 2010, p. 146; ESTEFAM, André. Direito penal. Parte Especial. Vol. 2. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 101.
[9] Confira-se em BINDING, Karl e HOCHE, Alfred. La ciencia para la aniquilación de la vida sin valor de vida. Trad. de Bautista Serigós, Buenos Aires: Ediar, 2009.
[10] Para Hungria, por exemplo, quem refere a respeito do relevante valor moral, que nas hipóteses de eutanásia, “tal motivo só pode ser reconhecido em casos especialíssimos, depois de afastada a hipótese, por mais leve que seja, de uma dissimulação”. In HUNGRIA, Nélson. Comentários...cit., p. 128. Bento de Faria, qualificava o exemplo de ‘infeliz’, negando inclusive a sua condição de relevante valor moral, afirmando sobre a eutanásia, que semelhante prática “semelhante prática sobre não revelar valor algum moral, ou social, repugna a razão e a consciência humana”. In FARIA, Bento de. Código penal brasileiro comentado. Rio de Janeiro: Record, 1961, p. 13 e Aníbal Bruno ressaltou a necessidade de distinguir o que ele chamou de “verdadeira eutanásia” daquilo que foi praticado ao amparo do Estado nacional-socialista, cuja “prática deve receber a mais viva repulsa”. In FIRMO, Aníbal Bruno de Oliveira. Direito penal. Parte Especial I. Tomo IV. Rio de Janeiro: Forense, 1966, pp. 120-121. Em sentido também crítico veja-se também NORONHA, Edgard Magalhães. Direito penal...cit., pp. 19-20.
[11] Sobre o tema já me pronunciei em breve estudo apresentado no Senado Argentino no ano de 2012, sobre os limites legais à interrupção dos cuidados paliativos, cujo excerto em breve será publicado como artigo.
[12] Esta referencia foi bem ressaltada por Hungria, ao lembrar-se da lição de García Pintos: “Se algum dia no coração humano chegasse a extinguir-se totalmente toda chama do amor e solidariedade social, e na mente do homem já não pudesse florescer o mais minguado penacho de idealismo, para pensar em tais matanças, maldigamos, desde já, este dia, porque então sim que a sociedade, não obstante a exuberância de valores vitais e sociais, não estaria composta por mais do que mortos espirituais”. HUNGRIA, Nélson. Comentários...cit., pp. 131-132.
[13] Para Wittgenstein, especialmente no Investigações Filosóficas, o mundo e a linguagem não se relacionam como dados determinados, mas como uma derivação dos jogos de linguagem, ou seja, do modo como os termos significam. Veja-se em WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigaciones Filosóficas. 2a Ed., Barcelona: Editorial Crítica, 2002, pp. 71 e ss. Especificamente sobre os jogos de linguagem como fórmula de significação veja-se AUSTIN, John Langshaw. Cómo hacer cosas con palabras. Trad. De Genaro Carrió e Eduardo Rabossi, Buenos Aires: Paidós, 2006.
[14] Este exemplo aparece em vários autores como GRECO, Rogério. Direito penal...cit., p.146 e GALVÃO, Fernando. Direito penal...cit., p. 41.
[15] Cf. FARIA, Bento de. Código penal brasileiro comentado...cit., pp. 14-15 e FIRMO, Aníbal Bruno de Oliveira. Direito penal. Parte Especial...cit., p. 124. Atualmente, veja-se também GRECO, Rogério. Direito penal...cit., p. 147; BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Especial...CIT., p. 50.
[16] NORONHA, Edgard Magalhães. Direito penal...cit., p. 21; HUNGRIA, Nélson. Comentários...cit., p. 152; FARIA, Bento de. Código penal brasileiro comentado...cit., p. 16 e FIRMO, Aníbal Bruno de Oliveira. Direito penal. Parte Especial...cit., p. 124. Atualmente, veja-se também BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Especial...cit., pp. 51-53.
[17] Por exemplo NORONHA, Edgard Magalhães. Direito penal...cit., p. 21. Hungria, porém, em passagem célebre já alertava para o equívoco de confundir-se o passionalismo possessivo com uma explosão emocional derivada do amor: “[...] será que o amor, esse nobre sentimento humano [...] que nos purifica do nosso próprio egoísmo e maldade [... Pode] deturpar-se num assomo de cólera vingadora e tomar de empréstimo o punhal do assassino? Não. O verdadeiro amor [...] não se alia jamais ao crime. O amor que mata, o amor-Nêmesis, o amor-açougueiro é uma contrafação monstruosa do amor: é o animalesco egoísmo da posse carnal, é o despeito do macho preterido, é a vaidade malferida da fêmea abandonada. É o furor do instinto sexual da Besta. O passionalismo que vai até o assassínio muito pouco tem a ver com o amor”. HUNGRIA, Nélson. Comentários...cit., pp. 152-153.
[18] GALVÃO, Fernando. Direito penal...cit., p. 43. De modo parecido com Galvão, referindo a provocação como “ilícita” NORONHA, Edgard Magalhães. Direito penal...cit., p. 21.
[19] Assim, por exemplo, a opinião de Aníbal Bruno em FIRMO, Aníbal Bruno de Oliveira. Direito penal. Parte Especial I...cit., p. 124.
[20] HUNGRIA, Nélson. Comentários...cit., pp. 150-151.
[21] Cezar Bitencourt, refere textualmente que o fato de a agressão ser injusta “não significa, necessariamente, antijurídica, mas quer dizer não justificada, não permitida, não autorizada por lei, ou, em outros termos, ilícita”. BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Especial...cit., p. 51. A expressão ilícita, no jargão jurídico, é sinônimo de antijurídica, conforme refere o próprio autor na parte geral do mesmo tratado BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Geral. Vol. 1. 16ª ed., São Paulo: Saraiva, 2011, pp. 346-348. Ora, no caso, ou a exigência é de uma injusta provocação que consista em atitude ilícita ou antijurídica, em sentido jurídico-penal, ou seja, uma provocação que, por si só configure fato típico e antijurídico, ou a provocação será injusta em sentido leigo.
[22] Como exemplos veja-se o REsp 769651 SP 2005/0124029-6 5a Turma do STJ, Relatora Ministra Laurita Vaz, j. em 03/04/2006, DJ 15.05.2006 p. 281; RSE 16479 MS 2009.016479-6 do 2a Turma Criminal do TJMS, Relator Desembargador Romero Osme Dias Lopes, j. em 20/07/2009, publicado em 04/08/2009 e o RSE 100240951860370011 MG 1.0024.09.518603-7/001(1), do TJMG, Relatora Beatriz Pinheiro Caires, j. em 25/03/2010, publicado em 13/04/2010.
[23] Sobre o equívoco no desenvolvimento da tese central de Welzel veja-se FLETCHER, George Patrick. Basic Concepts of Criminal Law. New York: Oxford University Press, 1998, pp. 52-53. Para um repasse geral a respeito da superação da idéia ontológica de ação como supedâneo para um conceito jurídico, veja-se MARINUCCI, Giorgio. El delito como acción. Crítica de un dogma. Trad. De José Eduardo Sáinz-Cantero Caparrós, Madrid: Marcial Pons, 1998, pp. 135 e ss. No Brasil, já abordei o assunto detalhadamente em BUSATO, Paulo César. Direito penal & Ação significativa. 2a Ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, especialmente pp. 67 e ss.
[24] Fragoso já alertava para as razões pelas quais não se pode tornar qualificado pela futilidade um homicídio sem motivo. É que na verdade, ele “desconhecem-se os motivos do fato”. Cf. FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições...cit., p. 39.
[25] FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições...cit., p. 40; NORONHA, Edgard Magalhães. Direito penal...cit., p. 22; HUNGRIA, Nélson. Comentários...cit., pp. 163-164; FARIA, Bento de. Código penal brasileiro comentado...cit., p. 18; FIRMO, Aníbal Bruno de Oliveira. Direito penal. Parte Especial...cit., p. 77. Atualmente, veja-se também GALVÃO, Fernando. Direito penal...cit., p. 45; BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Especial...cit., p. 55.
[26] Entendendo que a questão deve restringir-se a aspectos econômicos FIRMO, Aníbal Bruno de Oliveira. Direito penal. Parte Especial...cit., p. 77; HUNGRIA, Nélson. Comentários...cit., p. 164; FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições...cit., p. 40 (quem especialmente menciona como fonte de sua conclusão a análise histórica das motivações da qualificadora) e BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Especial...cit., p. 54. Em sentido contrário, com o entendimento de que a paga ou recompensa pode ser de outra ordem que não meramente pecuniária ou econômica, NORONHA, Edgard Magalhães. Direito penal...cit., p. 22 e GRECO, Rogério. Direito penal...cit., p. 153.
[27] No sentido do texto FRANCO, Alberto Silva e STOCO, Rui (Coord.). Código Penal e sua interpretação. 8ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 630.
[28] Nesse sentido o posicionamento de NORONHA, Edgard Magalhães. Direito penal...cit., pp. 26-27. Atualmente, veja-se também GRECO, Rogério. Direito penal...cit., p. 181; GALVÃO, Fernando. Direito penal...cit., p. 56; BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Especial...cit., p. 53; ESTEFAM, André. Direito penal...cit., pp. 113-114; BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Crimes contra a pessoa. São Paulo: Saraiva, 1997, pp. 23-24 e TELES, Nei Moura. Direito penal. Parte Especial. Vol. II. São Paulo: Atlas, 2004, pp. 79-80. O posicionamento neste sentido é também firmemente agasalhado pelo Supremo Tribunal Federal, consoante exemplificado no HC 98265 MS, Relator Ministro Carlos Brito, j. em 24/03/2010, publicado no DJe-086 em 14/05/2010.
[29] O uso da expressão concursantes é deliberada, para evitar a discussão entre autoria e participação, que não é objeto deste estudo e que, no caso do homicídio mercenário, o qual, à luz da teoria do domínio do fato resulta, por si só, bastante complexa e polêmica.
[30] Sobre esta polêmica, veja-se, por todos, BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito penal. Parte Geral...cit., pp. 503-504.
[31] A rigor, diante de uma interpretação rigorosamente significativa, até mesmo os privilégios descritos no § 1o do art. 121 do Código penal deveriam ser considerados elementares do tipo. Este aspecto, porém, uma vez que implicaria digressão mais ampla, não foi tomado como ponto de discussão neste artigo.
[32] GALVÃO, Fernando. Direito penal...cit., p. 44.
[33] Nesse sentido, veja-se, TJSP RT 807/558, TJSC, RTJE 49/253 e TJSP, RT 538/348.
[34] Por exemplo, BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Parte Especial...cit., p. 54.
[35] Com esta orientação FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições...cit., p. 40. Atualmente, BARROS, Flávio Augusto Monteiro de. Crimes contra a pessoa...cit., p. 28 e GRECO, Rogério. Direito penal...cit., p. 155.
[36] Nesse sentido, por exemplo, ESTEFAM, André. Direito penal...cit., p. 108.
[37] A meu ver, ao contrario da doutrina dominante, a incompatibilidade entre qualificadoras subjetivas do homicídio e as figuras privilegiadas hão de estar demonstradas caso a caso.
[38] FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições...cit., p. 40.
[39] ROXIN, Claus. Autoría y domínio del hecho en Derecho penal. Trad. de Juaquín Cuello Contreras y José Luis Serrano González de Murillo, Madrid: Marcial Pons, 2000, pp. 325-326.
[40] Sobre as posições contrapostas veja esclarecedora nota em GRECO, Luís e LEITE, Alaor. “O que é e o que não é a teoria do domínio do fato sobre a distinção entre autor e partícipe no direito penal”, in Revista dos Tribunais, no 933. São Paulo: Revista dos Tribunais, julho de 2013, p. 75, nota 56.
[41] TELES, Nei Moura. Direito penal...cit., pp. 62-66.
[42] Não é demais lembrar que a posição dominante doutrinariamente, que não reconhece o privilégio do homicídio como elemento do tipo é bastante questionável.
[43] VIVES ANTÓN, Tomás S. Fundamentos...cit., p. 481.
Paulo César Busato é Graduado em Direito pela Universidade Estadual de Londrina (1986), especialista em Direito penal econômico pela Universidade de Coimbra, Portugal (2002), mestrado em Ciência Jurídicas pela Universidade do Vale do Itajaí (2004) e doutorado em Problemas Atuais do Direito Penal pela Universidade Pablo de Olavide (2005). Professor adjunto de Direito penal da Graduação, mestrado e doutorado da UFPR. Professor da FAE – Centro Universitário Franciscano. Catedrático convidado da Universidad Politécnica de Nicarágua, professor convidado da Universidad de Buenos Aires, Argentina e da Universidad Pablo de Olavide, Espanha.
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