Há pessoas com as quais não vale a pena debater

14/06/2017

Por Bruno Torrano – 14/06/2017

“Sociedade da informação”, “sociedade digital”, “sociedade de risco”. Que vivemos em um ambiente que se encaixa nesses rótulos, já estamos cansados de saber. Mas muitos juristas e estudantes ainda não se deram conta de uma das contrapartidas disso tudo: a ampliação do conceito de inteligência. Ser inteligente não é apenas ter um bom raciocínio matemático ou analítico. É saber como e quando se relacionar com o próximo.

Sim: na sociedade de informação, a inteligência demanda que saibamos filtrar, no emaranhado de notícias, manchetes, memes, posts, tweets e artigos que captam nossa atenção, aqueles dados que realmente colaboram para o nosso crescimento. Mas há algo de terrivelmente incompleto nisso. A inteligência social exige algo mais: que compreendamos a importância de, após a coleta dos dados relevantes, selecionar as pessoas que fazem valer a pena o tempo gasto em um debate.

Não se deixem enganar com idealismos baratos que não aguentam dez minutos de confronto com a realidade. As pessoas não são iguais. Essa desigualdade se manifesta por gestos e atitudes que podem ser interpretadas a nosso favor, como um trilho para a vida boa. Uma característica relevante do pensamento maduro é conseguir categorizar mentalmente os nossos possíveis interlocutores dentro de dois grupos: aqueles com os quais vale a pena debater, e aqueles com os quais qualquer tentativa de discussão racional é mera perda de tempo.

Os critérios para inserir uma pessoa em um ou em outro grupo são subjetivos. De minha parte, por exemplo, nunca consegui entender as razões que levam muitos a gastar horas e mais horas no Facebook injuriando (e sendo injuriados por) aqueles com os quais não concordam. Nunca consegui, igualmente, compreender por que razão muitos caem em crises de ansiedade quando se deparam com críticas que, nitidamente, advêm de indivíduos cuja única pretensão, por qualquer motivo que seja, é a de reclamar, ofender ou difamar. Afinal, como disse Schopenhauer, condicionar a própria felicidade à opinião dos homens é honrá-los demasiadamente.

Calha perceber que o tempo é um dos bens mais preciosos da vida humana – e, ainda assim, um dos mais desperdiçados e vilipendiados. Escasso (o que são 70 ou 80 anos dentro da eternidade?) e totalitário, ele simplesmente flui, deixando para trás oportunidades perdidas e pessoas amadas. Em assuntos que põem a cabeça para funcionar, a escolha inteligente de nossas fontes de informação e de nossas lutas intelectuais é a única forma de batermos continência à autoridade e à intolerância do tempo.

Por fim, duas coisas merecem esclarecimento.

Primeiro, o ato de “selecionar” a pessoa com a qual vale a pena um debate pressupõe que você, em um primeiro momento, tenha dado a essa pessoa uma chance de manifestar-se. Aqui, vale o benefício da dúvida – mesmo que se mostre, na maioria das vezes, contra-fático –: até que se prove o contrário, as pessoas têm algo de bom ou de construtivo a expressar. Mais do que isso, daquele interlocutor que demonstra estar debatendo de boa-fé, é importante que estejamos dispostos a interpretar suas palavras da forma mais empática e benevolente possível, de modo a potencializar as chances de fazer o debate continuar fluindo amistosa e construtivamente.

E segundo: no dia-a-dia, nem sempre o ato de seleção será possível ou desejável. Em laços familiares, de amizade ou mesmo na prática profissional, a complexidade da vida nos brinda com cenários desagradáveis que independem da nossa vontade. Por um lado, o advogado e demais operadores do direito sempre vivenciam situações nas quais é necessário lidar com pessoas que não sabem debater racionalmente. Os familiares e amigos, por outro lado, podem ter um temperamento que não os torna as pessoas mais indicadas para estabelecer diálogos respeitáveis sobre questões políticas e morais.

A inteligência social requer que também estejamos cientes de que o “debate racional” não é a coisa mais importante do mundo. Em muitos ambientes, como a universidade, há boas razões para sustentar que essa é a melhor forma de nos comunicarmos. Mas pode ser conveniente deixar o ideal do discurso racional de lado em benefício de outros aspectos importantes. Em regra, uma boa amizade e uma relação saudável em casa não valem um argumento. A vida agradece.


Bruno Torrano. Bruno Torrano é Mestre em Filosofia e Teoria do Estado, Pós-graduado em Direito Penal, Criminologia e Política Criminal, Pós-graduando em Direito Empresarial, Assessor de Ministro no Superior Tribunal de Justiça. Autor do livro “Democracia e Respeito à Lei: Entre Positivismo Jurídico e Pós-Positivismo”. .


Imagem Ilustrativa do Post: Bored // Foto de: Travis Isaacs // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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