Há limites para tratamentos experimentais? - Por Clenio Jair Schulze

22/01/2018

Tratamentos experimentais são aqueles que não possuem evidência científica e comprovação do seu sucesso, razão pela qual são utilizados sem a segurança da obtenção de um resultado útil e positivo no quadro clínico da pessoa.

Assim, questão interessante é saber se existem limites para os tratamentos experimentais, especialmente na perspectiva do Estado. Ou seja, os entes públicos são obrigados a promover e fomentar os tratamentos experimentais? Existe um direito fundamental à tentativa de submissão a qualquer tratamento?

O tema precisa ser observado a partir de dois pontos de vista.

Em primeiro lugar, a interpretação jurídica do principio da Dignidade da Pessoa Humana indica que há liberdade de atuação do cidadão na escolha das opções de tratamento existentes. A autonomia da vontade confere tal prerrogativa. Assim, se não houver necessidade de intervenção do Estado, as pessoas são livres para escolher o caminho que se lhe aprouver.

Não há, portanto, maior discussão na aludida situação.

Contudo, o debate surge quando o cidadão postula perante o Estado – ou o plano de saúde - um tratamento que não está incorporado no SUS – ou no rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS.

A fosfoetalonamina é um bom exemplo de tratamento experimental. Em um primeiro momento, o Judiciário brasileiro, como regra geral, determinou ao Estado o fornecimento da pílula do câncer. O Supremo Tribunal Federal, contudo, no julgamento da medida cautelar da Ação Direito de Inconstitucionalidade 5501, suspendeu a eficácia da Lei 13.269/2016, que autorizava a entrega de tal substância química.

No exterior, há vários exemplos de tratamentos experimentais. Elina Barbosa relata dois casos ocorridos na Itália, em que o Judiciário determinou entre 1997 e 1998 o fornecimento de multitratamento tumoral criado pelo médico Luigi di Bella, mas que posteriormente comprovou-se que apenas 0,8% dos pacientes obtiveram sucesso[1]. No caso Stamina, ainda em território italiano, no qual se fazia terapia com células-tronco (inclusive para esclerose lateral amiotrófica), também houve determinação judicial de custeio do tratamento pelo Estado, com ulterior revisão da posição pelo Judiciário, em razão da ausência de evidências científicas[2].

A despeito das polêmicas que envolvem os tratamentos experimentais, o tema exige, necessariamente, a ponderação de vários aspectos, tais como:

1) o artigo 196 da Constituição brasileira determina a adoção de medidas para a melhoria do estado de Saúde das pessoas;

2) as Ciências da Saúde não conseguem encontrar soluções científicas para todas as patologias;

3) em decorrência da segurança jurídica, o Estado – e os planos de Saúde – não possuem a obrigação de custear, sem limites, qualquer tratamento médico;

4) o Estado deve atuar em favor da procura de novas curas, inclusive para as doenças raras;

5) deve haver um balanceamento entre o “direito à esperança” (ou direito de tentar) do cidadão e o dever estatal de fornecimento de substâncias não comprovadas cientificamente;

6) a concessão de tratamentos experimentais pode configurar potencial violação ao princípio da isonomia;

7) a teoria do custo dos Direitos não autoriza a adoção de todo e qualquer tratamento;

8) na escolha trágica, o Estado pode limitar o fornecimento de tratamentos experimentais, em razão da escassez de recursos;

9) só há Direito à Saúde quando se tem o cumprimento de normas técnicas minimamente comprovadas na plano da ciência;

10) a pesquisa científica deve seguir padrões eticamente aceitáveis.

De qualquer forma, o tema é aberto e não possui uma posição pacífica.

Enquanto, de um lado, há discussão sobre a real existência do Direito ao tratamento experimental, de outro lado, é preciso deixar claro que cabe ao Estado adotar posições equilibradas, a fim de evitar excessos ou omissões nas questões relacionadas ao Direito à Saúde.

 

[1] BARBOSA, Elina M. Revista de Direito Sanitário, São Paulo v.17 n.2, p. 66-92, jul./out. 2016, pág. 77.

[2] BARBOSA, Elina M. Revista de Direito Sanitário, São Paulo v.17 n.2, p. 66-92, jul./out. 2016, pág. 85.

 

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