Há algum limite para a liberdade artística segundo a CF/88?

16/09/2017

Por Simone Henrique – 16/09/2017

A produção das necessidades humanas do nosso presente está baseada no modelo capitalista de produção, circulação e acumulação de riqueza. As expressões artísticas estão integradas a essa espécie de “contrato”, uma vez que os artistas também buscam meios para prover a sua subsistência e, via de regra, a exposição pública de seus trabalhos além de proporcionar condições de vida material também é meio de realização pessoal e sensação de pertencimento.

Nesse sentido, a abrupta ruptura do período de exposição artística por desejo unilateral da instituição mantenedora atenta à liberdade de expressão (a liberdade do fazer artístico está presente nessa categoria de direito individual fundamental, conforme a nossa Constituição)?

Entendemos que todos os direitos individuais fundamentais do artigo quinto da CF/88 possuem limitações. E a razão é simples: para que todos possamos exercitar os nossos direitos fundamentais precisaremos lidar com os limites impostos pelo exercício de direitos por outras pessoas.

O ponto central é: nossas liberdades individuais encontram plenitude em tese, não no mundo fático. Nossa liberdade de expressão artística, intelectual e de comunicação é livre e não depende de qualquer censura ou licença, com proibição do anonimato. Entretanto, a liberdade de expressão não pode veicular discursos de ódio, violações aos direitos da personalidade ou apologia de crimes.

Exercer o direito à liberdade de expressão artística ofende quais direitos de terceiros? O encerramento da exposição após manifestações contrárias nas redes sociais e também nas instalações do equipamento cultural é uma forma de censura?

O Supremo Tribunal Federal quando instado a tratar da liberdade de expressão dos artistas privilegiou o artigo quinto ao garantir o exercício desse direito sem qualquer censura de natureza política e/ou ideológica.

Não vimos as imagens da exposição, apenas leituras de matérias jornalísticas e postagens em redes sociais sobre as peças questionadas. Quem define o que é ofensivo ou obsceno? A ação da mantenedora foi abusiva, ofensiva ao direito à liberdade de expressão artística?

Recentemente a previsão legal do “ato obsceno” do nosso Código Penal de 1940 foi colocada em xeque por conta da fragilidade da tutela da dignidade humana das mulheres. Nosso ordenamento jurídico não define a “obscenidade” e caberá ao julgador a aplicação de seu entendimento.

Obsceno, no senso comum, é toda palavra ou gesto que seja ofensivo no plano sexual. Refletindo sobre o evento artístico citado: houve obscenidade? Ou as imagens possuíam um contexto?

Numa perspectiva mais ampla, nossas oscilações éticas, políticas e econômicas perpassam todas as nossas relações: cidadão x Estado; cidadão x comunidade e comunidade x organizações empresárias. O projeto de país prometido na Constituição de 1988 centralizado no valor dignidade humana mais uma vez está posto à prova, no episódio aqui examinado no dever de obediência aos direitos fundamentais (com destaque para o direito à liberdade artística) por entes privados.

O nosso intuito aqui foi o levantamento de alguns desafios. Caberá ao Poder Judiciário, se instado, reafirmar o melhor caminho para preservar a liberdade de expressão artística, um dos pilares do Estado Democrático de Direito.


Simone Henrique. Simone Henrique é Mestre em Direitos Humanos pela USP, pesquisadora do Gepebio (Grupo de Estudos e Pesquisas de Bioética e Biodireito da USP) e voluntária do Instituto Pro Bono de Direito e Responsabilidade Social. . .


Imagem Ilustrativa do Post: 55th International Art Exhibition :: La Biennale di Venezia // Foto de: Bruno Cordioli // Sem alterações.

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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