Guarda compartilhada não é desafio matemático

19/02/2016

Por Fernanda Sell de Souto Goulart Fernandes - 19/02/2016

Nesta semana, voltamos a tratar sobre os Enunciados aprovados na VII Jornada de Direito Civil, discutiremos tema de grande relevância no Direito de Família: A GUARDA COMPARTILHADA.

No Brasil, antes da Lei 13.058/14, geralmente, inexistindo acordo entre os pais quanto à guarda dos filhos, caberia ao magistrado definir qual dos genitores possuía melhores condições para exercê-la.

Contudo, visando o melhor interesse da criança e do adolescente, e buscando a maior convivência e relacionamento dos filhos com os pais separados, a nova Lei da Guarda Compartilhada dispôs que “quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor.”

Assim, preferiu o legislador, desde que atenda aos interesses dos menores envolvidos, a aplicação da guarda compartilhada. Ressalta-se, DESDE QUE atenda os interesses dos filhos. Guarda Compartilhada é instrumento de aproximação dos filhos aos pais separados, e não instrumento para alienação parental.  Importantíssimo trazer à discussão trecho do texto publicado no Empório do Direito[1], de autoria da psicóloga Maíra Marchi Gomes, que diz:

Uma possibilidade aos operadores do Direito quando se deparam com ações de guarda é que se ouça o próprio filho a respeito da situação. Ele pode optar por viver com um deles, e até com nenhum dos dois. Evidentemente seu discurso pode ser influenciado por alienação parental (sobre o que neste espaço se discorrerá em outro momento). Mas mesmo que isto esteja ocorrendo, não é lhe retirando a voz e o obrigando a conviver com alguém com quem não quer e a se sujeitar às suas decisões que se ajudará uma criança/adolescente nesta circunstância. Talvez o que também se possa fazer é encaminhá-lo à psicoterapia. Pois eis que, frequentemente, à carência dos pais o filho já se encontra submetido em casos de disputa de guarda. Ele poderia menos não estar submetido à carência de operadores do Direito, que pretendem melhor saber dele que ele próprio.

É pertinente ainda dizer da facilidade que é a um operador do Direito posicionar-se pela guarda compartilhada. Talvez porque ela soe quase como democrática! O problema é que ela não soluciona o conflito entre as partes, mas o agrava. E o agrava porque legitima o uso que fazem do filho como arma. Logo, é o tipo de decisão que instrumentaliza o poder de atacar o outro de ambas as partes, e faz de terceiros vítimas.

Assim, a fim de verificar se a guarda compartilhada atinge o melhor interesse do menor, necessário se faz a composição de equipe interdisciplinar capaz de produzir estudos sociais e laudos psicológicos aptos a contribuir na formação do convencimento. Bittencourt afirma que parece inconcebível, numa área tão sensível para a afetividade humana e essencial à formação de crianças e adolescentes, a existência de um processo sem a participação de psicólogos e assistentes sociais. Embora não se possa atribuir a responsabilidade pelas decisões radicais, muitas vezes necessárias para salvar direitos fundamentais, a estes profissionais, por outro lado, não se pode igualmente imaginar que os conhecimentos jurídicos sejam suficientes para embasar tais decisões. Há nuances delicadas que precisam ser cuidadosamente investigadas, para que se revele a melhor solução possível, que venha a atender a efetiva proteção da criança, longe das abordagens genéricas ou legalistas.[2]

O § 2° do art. 1.583 do Código Civil disciplina que “na guarda compartilhada, o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos”.

Muitos doutrinadores, então, passaram a entender este dispositivo como uma divisão matemática do tempo de permanência do filho com cada um dos pais. Alegavam, portanto, que aqui estava a se tratar da Guarda Alternada, ou seja, aquela em há a possibilidade de cada um dos pais de ter a guarda do filho alternadamente, segundo um ritmo de tempo que pode ser de um ano, um mês, uma semana, uma parte da semana, ou uma repartição organizada dia a dia e, conseqüentemente, durante esse período de tempo de deter, de forma exclusiva, a totalidade dos poderes-deveres que integram o poder paternal. No termo do período os papéis invertem-se[3].

Para dirimir as dúvidas existentes, o ENUNCIADO 604 da VII Jornada de Direito Civil assim dispôs:

A divisão, de forma equilibrada, do tempo de convívio dos filhos com a mãe e com o pai, imposta na guarda compartilhada pelo § 2° do art. 1.583 do Código Civil, não deve ser confundida com a imposição do tempo previsto pelo instituto da guarda alternada, pois esta não implica apenas a divisão do tempo de permanência dos filhos com os pais, mas também o exercício exclusivo da guarda pelo genitor que se encontra na companhia do filho.

Diferentemente da guarda alternada, na guarda compartilhada os pais tem responsabilidade conjunta na tomada de decisões e igual responsabilidade legal sobre os filhos. Ambos tem a guarda jurídica, apesar de um deles ter a guarda material. Há presença física da criança no lar de um dos genitores, tendo o outro o direito de visitá-lo periodicamente, mas a responsabilidade legal sobre o filho e pela sua educação deve ser bilateral, ou seja, do pai e da mãe. O poder familiar é exercido por ambos, que tomarão conjuntamente as decisões do dia-dia. A guarda conjunta é, na verdade, o exercício comum do poder familiar. “Desaparece o casal conjugal e surge o casal parental”.[4]

O TJSC já decidiu:

DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO DE MODIFICAÇÃO DE GUARDA UNILATERAL E EXONERAÇÃO DO ENCARGO ALIMENTAR. SENTENÇA QUE FIXOU-A NA FORMA COMPARTILHADA. INSURGÊNCIA DE AMBOS OS LITIGANTES. AUSÊNCIA DE PROVAS DE QUE O GENITOR NÃO EXERCIA A GUARDA DE FORMA CONDIZENTE COM SUAS OBRIGAÇÕES. BOA CONVIVÊNCIA COM AMBOS OS GENITORES. ADOLESCENTE ATUALMENTE COM QUINZE ANOS DE IDADE. ALEGAÇÃO DE VONTADE DE CONVIVER COM A MÃE EM RAZÃO DE PROMESSA DE PRESENTES E DESNECESSIDADE DE CONTRIBUIR NAS ATIVIDADES DOMÉSTICAS. PRESERVAÇÃO DO MELHOR INTERESSE DO ADOLESCENTE. AUSÊNCIA DE CONSENSO A RESPEITO DA GUARDA ENTRE OS GENITORES. MANUTENÇÃO DA GUARDA NA FORMA COMPARTILHADA. DOMICÍLIO DO ADOLESCENTE ESTABELECIDO NA RESIDÊNCIA DO PAI. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 1.584, §2º, DO CÓDIGO CIVIL. RECURSOS NÃO PROVIDOS.   A modificação de guarda é medida excepcional, autorizada somente quando há provas suficientes de que o detentor não a está exercendo de forma condizente com os deveres inerentes à sua condição, agindo em prejuízo dos interesses do menor e o colocando em situação de risco.   A guarda compartilhada tornou-se uma alternativa jurídica para minimizar o sofrimento dos filhos em decorrência da separação dos pais. Visa-se preservar o convívio sadio e menos beligerante possível para os menores em relação aos genitores, objetivando que os tumultos conjugais não interfiram na relação pais-filhos-família. E mais, que o comprometimento parental permaneça intocável preservando também o núcleo familiar que não se desfaz pela separação do casal, visto que desta forma traz muito menos malefícios à prole do que quando regulada minuciosamente as visitas. (TJSC, Apelação Cível n. 2015.001587-0, de Jaraguá do Sul, rel. Des. Sebastião César Evangelista, j. 10-12-2015). 

O Enunciado 603 também disciplinou o tema:

A distribuição do tempo de convívio na guarda compartilhada deve atender precipuamente ao melhor interesse dos filhos, não devendo a divisão de forma equilibrada, a que alude o § 2˚ do art. 1.583 do Código Civil, representar convivência livre ou, ao contrário, repartição de tempo matematicamente igualitária entre os pais.

E ainda o Enunciado 606:

O tempo de convívio com os filhos “de forma equilibrada com a mãe e com o pai” deve ser entendido como divisão proporcional de tempo, da forma que cada genitor possa se ocupar dos cuidados pertinentes ao filho, em razão das peculiaridades da vida privada de cada um. 

Portanto, guarda compartilhada não é disputa de tempo, não é desafio matemático na contagem de horas e minutos que os filhos passarão com os pais. Afinal, a separação é dos pais e não dos filhos. Aos pequenos, ao menos, a benesse da relativização dos efeitos doloridos do término da relação conjugal. Até a semana que vem!!! 

Quem virou pai separado Não deve imitar criança. Lute pra ser pai pra sempre Sem perder a esperança. Não dê uma de otário Vendo no Judiciário Ringue pra fazer vingança. 

Admar Branco em A peleja dos pais separados pela guarda compartilhada


Notas e Referências:

[1] http://emporiododireito.com.br/filho-nao-e-so-falo-o-que-se-compartilha-na-guarda-compartilhada-por-maira-marchi-gomes/

[2] BITTENCOURT, Sávio Renato. Psicologia na prática jurídica: a criança em foco. Niterói: Impetus, 2009. p. 59.

[3] GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda Compartilhada: um novo modelo de responsabilidade parental; São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, pg. 106.

[4] PELUSO, Cézar, et al. Código civil comentado. 8. ed. rev. e atual. Barueri - São Paulo. Manole, 2014. p.1.590


Sem título-1

. Fernanda Sell de Souto Goulart Fernandes é graduada em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí (2002) e Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí (2005). Doutoranda pela Universidade do Vale do Itajaí. Atualmente é professora do Instituto Catarinense de Pós Graduação, advogada pela Ordem dos Advogados do Brasil de Santa Catarina e professora da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI.


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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