Governança, lava - jato e a MP 703

17/02/2016

Por Charles M. Machado – 17/02/2016

Além de muitas páginas na mídia o que podemos extrair desse episódio histórico para o Brasil, com a operação Lava-Jato? O que evoluímos ou não com todo esse espetáculo midiático? Que desnuda operações e destrói corporações?

É evidente que falharam todos os mecanismos de controle daquela que sempre foi a maior empresa brasileira, o que nos leva à discutir o papel da Governança Corporativa e das Medidas Anticorrupção, previstas na Lei 12.846/2013.

O certo é que o tempo e o exercício dos Institutos do Direito, acabam aperfeiçoando conceitos, esse é o caso da Governança Corporativa, conceituada como o sistema pelo qual as sociedades são dirigidas e monitoradas, envolvendo relacionamentos entre acionistas, administradores, colaboradores e demais partes interessadas (os stakeholders).

De indiscutível importância, a governança em uma companhia é fundamentalmente: aumentar o seu valor, facilitar seu acesso ao capital e contribuir para a sua perenidade. O aumento de valor, e a facilidade que a sociedade terá em acessar novas fontes de capital, é claramente uma exigência dos investidores, decorrente e facilitada por alguns fatores, dentre os quais:

1) A onda de abertura de capitais ocorrida na última década, que teve como resultado a entrada de investidores privados, que antes não atuavam no mercado de capitais, e que se somou ao constante crescimento do poder econômico dos investidores institucionais, fundos de pensão, mútuos, etc. que atuam no mercado de capitais como investidores minoritários qualificados e de longo prazo, e que, por deterem investimentos de monta e escala, pressionam e obrigam empresas, que necessitam dos seus recursos, a implementar boas práticas de governança corporativa;

2) A globalização dos mercados de capitais que faz com que investidores estrangeiros exijam maiores garantias de retorno de seu investimento, inclusive com emissões de derivativos fora do Brasil. Esses fatores levaram órgãos internacionais, tais como o FMI, Banco Mundial e OCDE, a exigir das empresas que captam recursos no mercado de capitais, a implementação de boas práticas de governança;

3) Escândalos corporativos ocorridos nos EUA e na Europa (Enron, World.com, Tyco, Parmalat, etc.) que vieram demonstrar o problema generalizado com agentes do mercado financeiro (auditores, advogados, analistas de mercado), e que culminaram em uma resposta legislativa nos EUA: a promulgação da Lei Sarbanes-Oxley, exigindo que uma série de medidas de governança fosse adotada por empresas globais de capital aberto.

4) Mais recentemente o escândalo da Siemens, o maior escândalo corporativo do Mundo, que transcendeu fronteiras, revelando a possibilidade de uma relação promiscua entre uma transnacional e diversas instituições públicas no mundo.

Esses fatores fizeram com que a mudança no tempo de resposta e informações dos fatos e das empresas tivessem uma modificação acentuada.

Essa mudança do tempo nos negócios pode e é muitas vezes acompanhada de alterações nos modos e relações, porém a finalidade de boa parte dos institutos, criados pela melhor prática administrativa permanecem. Logo a crise pode demonstrar a necessidade de mudanças, que aperfeiçoem ou que amplifiquem as formas, mas continua sempre a perseguir a sua finalidade.

Atualmente as empresas são obrigadas a se inserirem em um processo de inovação contínuo que compreende, além da captação das necessidades prementes do mercado, um esforço de viés tecnológico praticamente constante, que busca na inovação tecnológica vantagens competitivas.

O emprego de recursos em publicidade e marketing perfaz outro ponto que de acordo com o produto ou serviço produzido e comercializado, pode vir a constituir importante vantagem competitiva.

Afinal, como as notícias ganharam a velocidade das redes sociais, é fundamental que a velocidade de empresas e empresários se adequem a fornecer aos acionistas, investidores e sociedade o maior número de informações possíveis de forma clara e transparente, naquilo que pode afetar ou modificar o resultado da empresa.

Ocorre, porém, que a implementação de tais esforços estratégicos, requer uma grande mobilização de recursos o que força as companhias a compartilhar a própria governança interna com inúmeros acionistas, os quais possuem os mais diversos interesses. Tal conduta, muitas vezes acaba por dar origem a conflitos de interesses clássicos, como, por exemplo, entre, administradores e controladores.

Os administradores geralmente direcionam seus esforços na meta de construir uma companhia forte e crescente, que tenha condições de assegurar seu emprego e poder. Os controladores, por outro lado, se interessam por maximizar o retorno de seus investimentos, o que pode, muitas vezes, implicar na redução do próprio empreendimento.

Tais diferenças podem ocasionar divergências profundas na governança de uma empresa, as quais podem ser agravadas por inúmeros outros conflitos que envolvem o exercício empresarial, tais como conflitos entre: acionistas e credores; entre credores antigos e novos; entre empresa, fornecedores e clientes; entre outros.

Por certo tais conflitos e divergências têm um peso para a empresa e acabam por repercutir de maneira negativa em sua vida econômica e financeira. O local no qual todas estas discussões são realizadas dentro da corporação é o conselho de administração.

De maneira teórica o conselho deve ser sempre refletir a distribuição de poderes presentes em determinada companhia, funcionando como uma interface entre acionistas, administradores, conselheiros fiscais, credores, auditores e a sociedade.

Reside ai alguns péssimos exemplo de governança corporativa, ou quando muito da total ausência dela, seja por fixação de bônus que não levam em consideração os resultados ou exposições em demasia em posições cambiais, entre outras tantas variações, que podem até mesmo alcançar a quebra da empresa pela necessidade de ajuste na sua grade de produtos devido ao reposicionamento e a dinâmica do mercado.

Logo onde as metas por si só desprezam as boas práticas e estão destoando do resultado, de nada adiantará dizer que ao ótimo relacionamento estabelecido entre esses agentes e as práticas que permitem a condução da corporação à busca de suas metas, dá-se o nome de governança corporativa, pois nesse caso pratica e conceito se distanciam da realidade.

A reforma de 2001, promovida pela Lei n°10.303, impôs novas regras de transparência, exigindo a comunicação a Comissão de Valores Mobiliários de uma série de novos atos que antes nem mesmo fazia menção.

O que estava dentro do objetivo do legislador no referido diploma, é a tutela dos interesses dos minoritários, garantindo a esses um conjunto maior de informações, o que facilita o monitoramento dos seus investimentos na companhia.

Nesse momento milhares de acionistas minoritário se socorrem do judiciário, realizando o que chamamos de ativismo acionário, e duas das nossa maiores empresas já sofrem com isso. De um lado a Petrobrás, que é questionada no Brasil e no exterior e do outro a Vale, que mais recentemente sofreu com o episódio de Mariana.

Feito esse parênteses factual, evidenciamos que o conselho, no exercício pleno da governança corporativa, deve manter-se, embora representativo, independente dos poderes de controladores ou demais acionistas. O conselho deve possuir um profundo padrão ético, tanto nas condutas profissionais, quanto pessoais e, sobretudo, buscar equilíbrio entre os inúmeros e contrapostos interesses empresariais. É importante, ainda, realizar seus atos com o máximo de transparência possível, respeitando os mandamentos legais, bem como, dentro dos limites colocados o retorno aos acionistas, logo as vinculações partidárias entre conselheiros e partido do presidente, devem ser evitadas, afinal eles não podem funcionar como cabide de emprego.

Evidentemente a investigação, deve ser feita, e independe de bandeira partidária, porém a forma, e a velocidade devem ser discutidas sim, pois ela pode e precisa ser feita, da forma menos custosa ao país, logo não são poucas as duvidas:

1) Pode a sociedade atenuar o custo da investigação, nesse primeiro momento, com o desemprego e o derretimento do valor das empresas envolvidas, visto que milhares são os acionistas minoritários envolvidos?

2) De que maneira podemos reverter esses processos em aperfeiçoamento das instituições, para se evitar a costumeira reincidência?

Em respostas a essas duas questões lembramos que os primeiros cálculos consideram que com a Lava-jato, impactou me 2% o PIB, reduzindo cerca de 2 milhões de postos de trabalhos e retirando da economia cerca de R$ 42 bilhões apenas em massa salarial.

Logo um processo célere e menos midiático, pode ser menos oneroso e dessa forma manter mais empregos, pois nesse período investigativo, as empresas acabam sofrendo uma asfixia creditícia, que produz como resultado a redução do fluxo de caixa e consequente necessidade de cortar os postos de trabalho, por abandono dos planos de expansão.

Nem sempre a exclusão no curto prazo dessas empresas do processo licitatório é o melhor remédio, muitas das vezes isso implica em maior custo.

Entender que a crise nessas empresas é partidária, é o mesmo que propor tapar o sol com a peneira, pois o buraco é mais embaixo, o que a crise revela é o total despreparo dessas empresas.

O aperfeiçoamento com o arrolamento das cotas, e consequente venda para reparação dos danos causados ao erário pode ser uma ótima alternativa, desde que vendida no momento certo.

Um grande passo já foi dado com a publicação da MP 703, que alterou o texto da Lei 12.846/2013, regulamentando os acordos de leniência na Lei, dando assim mais velocidade ao processo, em que pese as inúmeras críticas de diversos setores, que veem na flexibilização da norma um benefício.

A simples obrigação as empresas que firmarem o acordo de leniência a implantar políticas e programas de compliance já representa um avanço.

O fato é que o tempo deve aperfeiçoar esses instrumentos, com a incorporação de programas de compliance, adequado as empresas públicas, devidamente formatado com as suas características, refletindo os princípios norteadores da governança: transparência, equidade, responsabilidade corporativa e prestação de contas.

Pode ser um início, e pode até ser tímido, mais já é um avanço, em tempos de economia globalizada, dar valor aos empregos e a geração de renda por meio da iniciativa privada, representa construir um futuro através dos exemplos.


Charles M. Machado é advogado formado pela UFSC, Universidade Federal de Santa Catarina, consultor jurídico no Brasil e no Exterior, nas áreas de Direito Tributário e Mercado de Capitais. Foi professor nos Cursos de Pós Graduação e Extensão no IBET, nas disciplinas de Tributação Internacional e Imposto de Renda. Pós Graduado em Direito Tributário Internacional pela Universidade de Salamanca na Espanha. Membro da Academia Brasileira de Direito Tributário e Membro da Associação Paulista de Estudos Tributários, onde também é palestrante. Autor de Diversas Obras de Direito. Email: charles@dantinoadvogados.com.br


Imagem Ilustrativa do Post: Living // Foto de: Lieven Van Melckebeke // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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