Gerenciar crises e o administrador do passado

15/04/2020

O moderno, computadorizado e digital, cresceu considerando políticas de riscos. É obrigar aquele que administra a pensar suas áreas sensíveis para a adoção imediata de posturas que gerenciem desvios de percurso. Neste sentido, empresas se preocuparam com aquilo que poderia falhar no seu sistema interno para ter opções de contramedidas. Se faltar um funcionário? substituí-lo; na quebra de um peça? Troca-la; na queda de energia, uso de geradores. Mas muitos não pensam seu negócio a partir de uma pandemia ou de riscos externos ao seu poder de controle imediato. Mas não se pode limitar a natureza humana a ter uma crença no mundo idealizado e de fluxo contínuo, onde somente depende a atitude individual para guiar o próprio destino.

Para os operadores do direito talvez seja ainda mais difícil de buscar opções para tempos de crise, pois cunhados em um sistema de certezas. No entanto, gerenciar crises é lidar com a ruptura dos elementos estabilizantes habituais. Se fosse diferente, não seria necessário pensar em gestão de riscos. No entanto, de forma pontual, existem ferramentas para gerenciar riscos médicos, ambientais, de sistemas de produção, etc.. Mas tudo isso para a realidade de poucos, e não em uma escala global.

Fica escancarado que existem dois mundos, os que já pensam na gestão de riscos, e o velho mundo, de antigas práticas empresariais, trabalhistas e de natureza penal, por exemplos, que não possuem medidas de contenção para o que ocorre em seu entorno, ficam distantes do: “e se isso acontecer?”, resultando na quebra junto com a falha que ocorre ao sistema, sem ter outro para usar em substituição.

No judiciário, a título de ilustração, poderia haver uma realidade virtual, não somente para tempos de Coronavírus, mas principalmente para estas possibilidades de crises, a permitir que processos fossem iniciados, processados e julgados remotamente sem qualquer anormalidade. Mas a realidade é limitadora, sem falar das demandas físicas ainda existentes. Para além, ainda que fosse uma realidade a justiça 4.0 no seu processamento, questiona-se, seriam as demandas impetradas e as decisões jurídicas que dela resultam, ferramentas para uma sociedade que deve se conhecer frente a crise?

Ver o risco como algo que não é somente interno e individual, mas parte de um todo interligado, eis o que o COVID-19 teve o potencial de escancarar, alertando para o maior defeito da sociedade moderna: sua cegueira deliberada sobre a realidade. Não se trata da primeira (e nem da última) doença que coloca o mundo em crise. Mas o que pode se aprender agora e ser feito neste momento para pensar o por vir, que é incerto e certeiro.

 Este é o momento de pensar aquilo que sempre existiu: riscos, mas na sua maior e real abrangência, e não de forma limitadora. Culturalmente o homem é confortado ao ignorá-los, por uma sombra de proteção que tem com os símbolos de soberania de nações. Mas não é possível defender que fronteiras fechadas sejam sinal de segurança. Tão pouco aguardar que do governo sempre irá ser esperada uma saída, uma mágica, pois isso não existe, não faz parte da sociedade conforme foi estruturada. Tudo está interligado e depende de um movimento social (globalizado) para um próximo passo ao que existia. Por isso, buscar respostas para resolver problemas individuais não é a resposta ou a saída para todos na realidade que cerca. É preciso pensar comunitariamente, e não mais individualmente.

A empresa do futuro deverá estar apta a se adaptar e sobreviver as demandas de grupo, aos riscos coletivos, e não as demandas individualistas – não que estas deixaram de ser demandas, mas precisarão repensar sua forma de inserção social. Até quando o sistema delivery vai funcionar, se não existir sistema financeiro (circulação de moeda de forma efetiva), ou disponibilidade de créditos (papel moeda)? Converter demandas em vídeos a distância irá resolver o problema? E se estes vídeos estão focados na antiga realidade de mundo? Ulrich Beck, na teoria da sociedade do risco, recomenda que a modernização tem de ser reflexiva, com o foco na percepção dos riscos ameaçadores como alavanca para determinar o pensamento e a ação para o futuro. Ao ponto que, para Beck, o passado perde o seu poder de determinar o presente, assim como, o futuro é algo a ser construído, e não tido como existente de um passado de fluxo contínuo[1].

Gerenciar crises não é a busca pelo status quo ante, puro e simples, mas a reafirmação do homem enquanto espécie e sua forma de sobrevivência. Isto é, gerenciar crises é alavancar a empresa (e a sociedade) para um passo além daquela posição padronizada e imaginada no passado. A crise de hoje já deveria ter sido objeto de debate pelos empresários? Deveriam existir contramedidas que não dependesse do governo?

 

Notas e Referências

[1] BECK, Ulrich. La sociedade del riesgo: hacia una nova modernidade. Barcelona: Paidós, 2002

 

Imagem Ilustrativa do Post: Scales of Justice - Frankfurt Version // Foto de: Michael Coghlan // Sem alterações

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