Geometria do Delito 

22/09/2016

Por Pedro Augusto Santos de Souza – 22/09/2016

- Sabiam que essa igreja fica exatamente no centro da cidade? Exigência dos sacerdotes, para que todos ficassem igualmente próximos de Deus. Gostei disso. Geometria da crença – Ultron, em Os Vingadores – A Era de Ultron.

Esta passagem levou este incipiente articulista que vos escreve a rememorar algumas lições acerca da Escola de Chicago (EUA, 1895), as quais, sem alguma razão, poderiam ser denominadas de Criminologia Urbanística. Uma introdução – ou mapeamento – da gênese criminal no seio do desenvolvimento das cidades, sobretudo no que toca a sua geometria.

Valendo-se deste aporte teórico, máxime o ideal dos Círculos Concêntricos, a densidade demográfica se expande em círculos, os quais partem de um ponto geográfico e se expandem até às zonas periféricas, margeando o ponto central, e, nesse eito, recebendo o timbre de áreas marginais. Porquanto, uma grande cidade não é apenas um aglomerado de indivíduos, mas uma identificação setorial e cultural pela qual é possível inferir, dentro de seu contexto geográfico, os traços e características de seus habitantes tendo por fundamento os locais em que eles se encontram.

Em síntese, quanto mais longe do centro, menos perto de Deus, e, numa perspectiva diametralmente oposto àquela de Ultron, quanto mais longe do centro, mais propensos aos estigmas criminais. A área central, portanto, corresponde aos grandes conglomerados industriais, comerciais, mercadológicos, bem como à administração da urbe (Loop). Em seguida, passa-se às zonas de transição, nas quais habitam os indivíduos mais abastados. A última zona, de fato, pertence aos excluídos, marginalizados, etiquetados, e rotulados de marginais (subjetivamente), eis que restritos às adjacências que margeiam as demais zonas; ou melhor, eles pertencem a ela.

Com efeito, existem várias cidades dentro da cidade e a criminalidade aumento do centro para as margens, eis a geometria do delito. A precariedade existente nas últimas zonas torna a convivência um exercício diário de sobrevivência ao lado da anomia dos que existem, se misturam, chegam e saem sem nenhuma perspectiva de alcançar o centro. Como bem explanou Georg Simmel, "o estranho não é a pessoa que chega hoje e se vai amanhã, mas aquele que chega hoje e, embora possa nunca se ir, vive um estado permanente de possibilidade de partida" (SIMMEL apud FREITAS, 2002, p. 76).

Imiscuindo-se mais um pouco nas lições da Escola de Chicago, importante trazer ao contexto os predicativos da Teoria Ecológica (Ecologia Criminal), pela qual a investigação do fenômeno crime passa ao largo do indivíduo, para, numa perspectiva ambiental, compreender o meio em que vivem. Desta feita, “a reunião, nas áreas degradadas, de determinados sujeitos, perdedores dos processos ecológicos, notadamente no tocante ao da competição, fará das mesmas áreas naturais criminógenas, cujo componente central é a desorganização social, causa por excelência da criminalidade no pensamento da Escola de Chicago”. (TANGERINO, 2011, pg. 127).

Verifica-se, assim, que a geometria do delito revela não existir mais uma segregação socioespacial, em sim uma ruptura dos vínculos urbanísticos e, na linha do que dispôs Marcelo Lopes de Souza “isso é uma verdadeira fragmentação – uma fragmentação do tecido sociopolítico-espacial. Essa fragmentação exerce uma força de inércia e condiciona uma socialização deformada, que torna as piores expectativas justificadas”. (SOUZA, 2008, pg. 87).

A urbanística criminal desvendou, portanto, que o delito pode(ria) facilmente ser compreendido geometricamente, sobretudo em relação à formação das grandes cidades, ais quais, seja pela aplicação do ideal das zonas concêntricas, seja pela análise ecológica-criminal, mapeiam os delitos e possibilitam serem realizadas medidas setoriais de aprimoramento estatal àquelas plagas, substituindo as incursões policiais medidas pela truculência por dozes de cidadania, políticas públicas entre outras. Ao menos deveria ser essa a utilidade pública destes postulados.

Entrementes, a análise geométrica-urbana do crime serve ao Estado como um nefasto GPS delitivo, pelo qual ele aponta no mapa urbano as áreas a serem enfrentadas em sua política de segurança pública. Incursiona sobre elas primeira e unicamente com o escopo de contenção sob a falácia da pacificação social (modelo Panóptico). Aliás, enquanto as cidades crescem de um ponto para às margens – em círculos – a atividade repressiva estatal é realizada nas margens até o centro, o que poderia ser denominado de “círculo reducionista criminológico”; um verdadeiro diagrama do crime.

As lições da Escola de Chicago, portanto, ao direcionarem seus estudos para o meio em detrimento do corpo, demonstraram existir um caráter criminógeno em todas as grandes cidades em seus processos de urbanização e expansão geométrica, em ordens verticais e horizontais, de fato. No entanto, a aplicação destes postulados permitiu, ademais, fossem identificadas as áreas em que os crimes mais se acentuam, fazendo com que o aproveitamento de suas conclusões fosse utilizado pelo Estado como modelo de prevenção/ repressão e não como ponto de maior atenção social.

Sob o enfoque da geometria do delito, o fenômeno crime é destacado por zonas, assim como as cidades, porém, não para que todos ao redor do centro se sentissem mais perto de Deus, mas para que o centro ficasse mais distante – geométrica, social e politicamente – das margens, reduzindo-as em zonas de combate ao crime, mesmo que sejam os delitos mais bagatelares, cujo desaparecimento (ou diminuição), ao meu sentir, prescinde de presença estatal repressiva, mas apenas de presença estatal.


Notas e Referências:

SOUZA, Marcelo Lopes de. Fobópole – O Medo Generalizado e a Militarização da Questão Urbana. Bertrand Brasil. 2008.

TANGERINO, Davi de Paiva Costa. Aplicações ecológicas à São Paulo no final do século XIX. In: SÁ, Alvino Augusto; TANGERINO, Davi de Paiva Costa; SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia no Brasil: história e aplicações clínicas e sociológicas. Elsevier, 2011.

FREITAS, Wagner Cinelli de Paula. Espaço urbano e criminalidade: lições da Escola de Chicago. IBCCRIM, 2002.


Pedro Augusto. . Pedro Augusto Santos de Souza é Advogado e Pós-graduado em Ciências Penais. . . .


Imagem Ilustrativa do Post: Contrastes // Foto de: Hugo Magalhães // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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