Por Fernanda Sell de Souto Goulart Fernandes - 18/03/2016
Nesta semana os ministros da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) mantiveram decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) que determinou a partilha proporcional do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) utilizado pelo casal para compra de imóvel durante o matrimônio.
O caso teve início em uma ação de divórcio litigioso, em que a ex-cônjuge foi declarada como única proprietária do imóvel adquirido. O cônjuge recebeu apenas a quantia que contribuiu para a aquisição. Eles se casaram pelo regime de comunhão parcial de bens. O imóvel foi adquirido, na maior parte, com valores advindos de doação do pai da mulher, antes do casamento. A outra parte foi adquirida com recursos do fundo de garantia dos dois cônjuges. Ao julgar o caso, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul determinou a partilha proporcional do FGTS utilizado na compra do imóvel. Além disso, afastou da partilha do divórcio os valores doados pelo pai da ex-mulher para a compra do imóvel.[1]
Na última reunião da seção que discutiu o caso, realizada no dia 24 de fevereiro, a relatora do recurso especial, ministra Isabel Gallotti, posicionou-se favoravelmente à divisão de valores sacados por ambos os cônjuges durante o casamento, de forma proporcional aos depósitos realizados no período, investidos em aplicação financeira ou na compra de quaisquer bens. Entretanto, a ministra havia entendido que o saldo não sacado da conta vinculada de FGTS tem “natureza personalíssima” e não integra o patrimônio comum do casal, não sendo cabível a partilha. O julgamento havia sido suspenso devido ao pedido de vista do ministro Luis Felipe Salomão.
No voto-vista trazido à sessão de quarta-feira (9), o ministro Salomão acompanhou a ministra Galotti no posicionamento de negar o recurso especial. Todavia, em fundamentação diferente, o ministro afirmou que os valores recebidos pelo trabalhador mensalmente durante a constância do relacionamento integram o patrimônio comum do casal. Devem, por isso, ser objeto de partilha, havendo ou não o saque de valores do fundo durante o casamento. O entendimento do ministro Salomão foi acompanhado pela maioria dos ministros da seção. [2]
QUANTO AO (DES)ACERTO DA DECISÃO
Algumas decisões anteriores a proferida nesta semana pelo STJ já sinalizavam para a mudança de entendimento. E isso se dava com o fundamento na intenção do regime de comunhão de bens. Para quem defende tal tese, o regime de comunhão (seja ele total ou parcial) tem por intenção a comunicabilidade de todo o adquirido na constância do casamento, seja ele de esforço comum ou não. Assim, a despeito das exceções estampadas na legislação civil entendem que os valores de FGTS recebidos na constância do casamento, mesmo que não levantados, devem ser partilhados com o rompimento conjugal.
DIREITO CIVIL E FAMÍLIA. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE DIVÓRCIO. PARTILHA DOS DIREITOS TRABALHISTAS. REGIME DE COMUNHÃO PARCIAL DE BENS. POSSIBILIDADE.
- Ao cônjuge casado pelo regime de comunhão parcial de bens é devida à meação das verbas trabalhistas pleiteadas judicialmente durante a constância do casamento.
- As verbas indenizatórias decorrentes da rescisão de contrato de trabalho só devem ser excluídas da comunhão quando o direito trabalhista tenha nascido ou tenha sido pleiteado após a separação do casal.
Recurso especial conhecido e provido. (REsp 646529/SP, Relator Ministra NANCY ANDRIGHI, julgado em 21/6/2005, DJ 22/08/2005).
EQUIVOCADA DECISÃO!!!
O Código Civil brasileiro, ao tratar da comunicabilidade dos bens entre cônjuges, disciplina:
Artigo 1658: No regime de comunhão parcial de bens, comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento, com as exceções dos artigos seguintes”
Art. 1660: Entram na comunhão I- Os bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda que só em nome de um dos cônjuges.
Para o regime de comunhão parcial, o legislador foi claro quanto à divisão a todos os bens adquiridos durante o matrimônio, mesmo que em nome apenas de um dos consortes. Entretanto, trouxe exceções a essa comunicabilidade:
Art. 1.659. Excluem-se da comunhão:
I - os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub- rogados em seu lugar;
II - os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares;
III - as obrigações anteriores ao casamento;
IV - as obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal;
V - os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão;
VI - os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge;
VII - as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.
Diante das exceções evidencia-se a incomunicabilidade dos bens oriundos do trabalho exclusivo de cada cônjuge, a exemplo o proveniente do FGTS seja em espécie ou em bens adquiridos exclusivamente com este rendimento. Esse entendimento tem como base o instituto da sub-rogação, que consiste na substituição de pessoa ou coisa em seus direitos e deveres, ou seja, mesmo sendo revertido em bem não perderia seu caráter personalíssimo original.[3]
E assim era o entendimento de vários Tribunais, já que pelo dispositivo legal a incomunicabilidade dos valores de FGTS percebidos é indiscutível. Por se tratar de verba de natureza personalíssima, o FGTS não deveria ser partilhado com o fim do casamento.
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE CONVERSÃO DE SEPARAÇÃO EM DIVÓRCIO. PARTILHA DE BENS. IMÓVEL ADQUIRIDO COM RECURSOS ORIUNDOS DO FGTS. SUB-ROGAÇÃO. O valor depositado em conta vinculada do FGTS não se comunica na partilha, pois são considerados proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge. A utilização do FGTS para aquisição de imóvel sem que tal valor tenha sido sacado pelo titular, caracteriza a sub-rogação, acarretando a incomunicabilidade. Apelação desprovida. (Apelação Cível Nº 70061723433, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Luís Dall'Agnol, Julgado em 29/10/2014).
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE SEPARAÇÃO JUDICIAL. PARTILHA DE BENS. FGTS. INCOMUNICABILIDADE. Os valores depositados em conta vinculada do FGTS são considerados provento do trabalho pessoal de cada cônjuge e não integra o patrimônio comum, devendo ser reconhecida a sua incomunicabilidade, ainda que casados sob o regime da comunhão universal de bens. Inteligência do art. 1.668, V, e 1.659, VI, ambos do CC. Apelação desprovida, de plano. (Apelação Cível Nº 70037261013, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Luís Dall'Agnol, Julgado em 31/05/2011) (TJ-RS - AC: 70037261013 RS, Relator: Jorge Luís Dall'Agnol, Data de Julgamento: 31/05/2011, Sétima Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 02/06/2011)
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. PARTILHA DE BENS. INSURGÊNCIA DAS PARTES CONTRA A PARTILHA DO IMÓVEL ADQUIRIDO NA CONSTÂNCIA DA UNIÃO ESTÁVEL. IMÓVEL ADQUIRIDO COM VALORES PROVENIENTES DE ECONOMIAS GUARDADAS EM CADERNETA DE POUPANÇA ANTERIOR A CONSTÂNCIA DA UNIÃO ESTÁVEL E FGTS DO RÉU. SALDO RESTANTE FINANCIADO PELA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. PARTILHA DO IMÓVEL NA PROPORÇÃO DE 50% PARA CADA PARTE ASSUMINDO CONJUNTAMENTE A QUITAÇÃO DA DÍVIDA JUNTO A INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. EXCLUSÃO DOS VALORES PAGOS COM RECURSOS EXCLUSIVOS DO RÉU. RECURSO DO RÉU PARCIALMENTE PROVIDO. RECURSO DA AUTORA PREJUDICADO. O valor referente ao FGTS pertencente a um dos cônjuges não pode ser fruto de partilha em razão de se tratar de verba indenizatória, devendo ser excluído da meação, por ser direito personalíssimo, tratando-se de provento do trabalho pessoal, e, portanto, é incomunicável. (TJ-SC - AC: 20130469826 SC 2013.046982-6 (Acórdão), Relator: Saul Steil, Data de Julgamento: 16/09/2013, Terceira Câmara de Direito Civil Julgado)
Enfim, aos que possuem conta de FGTS, mesmo que não façam o levantamento da quantia durante o relacionamento, mesmo que não utilizem o valor do saldo para aquisição de imóveis, pelo novo entendimento do Superior Tribunal de Justiça terão seu Fundo de Garantia partilhado no Divórcio. Até a próxima semana!
Notas e Referências:
[1] Dísponível em: http://www.conjur.com.br/2016-mar-11/fgts-entra-partilha-bens-divorcio
[2] Dísponível em: http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Comunica%C3%A7%C3%A3o/Not%C3%ADcias/Not%C3%ADcias/Partilha-do-FGTS-por-casal-e-indeniza%C3%A7%C3%A3o-do-DPVAT-foram-destaques-nas-Se%C3%A7%C3%B5es-do-STJ
[3] CAVALCANTE, Chryssie Natali da Silva. Bem adquirido com saldo do FGTS e a comunicabilidade na partilha. Dísponível em: http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/9209/Bem-adquirido-com-saldo-do-FGTS-e-a-comunicabilidade-na-partilha
. Fernanda Sell de Souto Goulart Fernandes é graduada em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí (2002) e Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí (2005). Doutoranda pela Universidade do Vale do Itajaí. Atualmente é professora do Instituto Catarinense de Pós Graduação, advogada pela Ordem dos Advogados do Brasil de Santa Catarina e professora da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI.
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