Fundadores de São Paulo: Os Mamelucos

26/01/2016

Por Luiz Ferri de Barros - 26/01/2016

Ao longo da costa brasileira, basta ver, em muita entrada de baia, boca de canal, barra de rio; nos cantos de ilhas, promontórios e onde até não saiba eu aqui dizer, seja em posições estratégicas para a defesa de cidades ou de passagens náuticas, encontram-se fortes coloniais ou ruínas deles.

São testemunhos das guerras travadas pelos colonizadores para assenhorear-se da terra. Mesmo antes de fixarem-se por aqui, o que se daria com a fundação de São Vicente, em 1532, e a criação das Capitanias Hereditárias, os lusos guerreavam a todo tempo, pelo exclusivo domínio das feitorias que se iam estabelecendo na costa e para garantir a lusitana bandeira flanando soberana aos ventos.

De orelhada, que é de orelhada o jeito de o brasileiro saber das coisas, todos sabem que o feroz português saiu-se mais forte nas escaramuças. Travou batalhas contra índios, espanhóis, franceses, ingleses e holandeses – e a todos venceu.

E tem mais: se mais povos houvera, igual os venceria, pois assim disse Camões nos Lusíadas sobre a hercúlea determinação deste astuto e beligerante povo conquistador: “... e se mais mundo houvera lá chegara.”

Mas desde os primórdios criaram os brasileiros a mística do parto sem dor; da grande conquista colonial sem guerra que teria gerado um povo pacífico, esta brava gente brasileira cantada em verso e prosa.

Nos primórdios o português ancestral foi feito cativo da exuberante sensualidade tropical que emanava das índias, quando mais das princesas nuas que, sendo filhas de caciques amigos, lhes ofereciam os morubixabas para selar amizades e alianças.

Que mulheres lindas, jovens, cheirosas e banhadas a cada dia o tempo todo, os seios à mostra por baixo das tintas, as partes apenas encobertas; mal pensava o português na mulher européia que deixara na Corte, escondida em rezas e temente ao padre e ao papa, embrulhada em vestidos de mil panos fedidos, que se banhava somente nos dias santos, quando se.

Bartira, dada por Tibiriçá a João Ramalho, em São Paulo, foi uma das princesas desta guerra, uma das mães da raça, que engendrou uma nação de mestiços, a nossa pátria. Mas nesta mestiçagem, de início, antes que se fundisse o mulato, o cafuzo e outros, todos os filhos de Bartira e das outras índias com João Ramalho e outros portugueses, todos esses foram mamelucos, da mesma forma que mamelucos foram os filhos dos índios com as portuguesas aqui vindas por degredadas, de que noutra ora tratarei.

Os mamelucos, estes conheciam as artes da guerra e os ofícios como seus pais portugueses, e conheciam a terra, os costumes e os caminhos, como suas mães índias e seus ancestrais avós. Bravos e indômitos guerreiros, aos mamelucos se deve o povoamento e a defesa da cidade de São Paulo, em longa e sangrenta batalha, tendo como aliados os tupiniquins no confronto contra os tupinambás.

Nóbrega e Anchieta não vieram fundar a cidade no planalto em 1554 para ficarem mais perto do céu, diga-se, senão para posicionar-se a cavaleiro no campo de batalha, largando São Vicente à própria sorte, eis que não viam como garantir no litoral a proteção da colônia e da igreja.

Tibiriçá e João Ramalho – que, deixando Santo André da Borda do Campo, onde morava, agregara-se com suas esposas e descendência aos paulistas – ajudaram na escolha de um sítio em Piratininga, uma cabeça de morro elevada, tendo por divisa de um lado o rio Tamanduateí e por outro o rio Anhangabaú.

Nesta croa, os padres fundaram o colégio, e para defendê-lo, e ao território em torno do qual cresceria a vila, os portugueses e seus filhos mamelucos ajudados por seus meio-irmãos índios, fincaram alta estiva de pontiagudas aroeiras e outras madeiras de lei cercando todo o topo do morro com uma inexpugnável paliçada, sendo assim o páteo do colégio, na verdade, uma formidável cidadela defendida por impiedosos guerreiros, esta brava gente brasileira.

Mamelucos também foram os bandeirantes que expandiram as fronteiras brasileiras para abarcar três vezes mais terras do que o papa consignara aos portugueses nas escaramuças diplomáticas com os espanhóis.

***

No Museu Anchieta, no Páteo do Colégio, há uma grande maquete representando a São Paulo do século 16. Ao examiná-la pode-se entender melhor nossas origens.

28/02/2012


Luiz Ferri de Barros é Mestre e Doutor em Filosofia da Educação pela USP, Administrador de Empresas pela FGV, escritor e jornalista.

Publica coluna semanal no Empório do Direito às terças-feiras.                                        

E-mail para contato: barros@velhosguerreiros.com.br 


Imagem Ilustrativa do Post: Existe amor em SP? // Foto de: Guilherme Yagui // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/yagui7/8048623286

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura