Flashes do passado

08/01/2020

Coluna Direito e Arte / Coordenadora Taysa Matos
 
"Se me contemplo, tantas vejo, que
 
não entendo quem sou, 
 
no tempo do pensamento". 
 
Cecília Meireles
 
Num álbum de fotografias velhas, reconheci-me e estranhei-me. Não era eu e, ao mesmo tempo, o era. Aquelas fotos sequenciadas da minha vida colocou-me diante de mim mesma. Via-me, olhava-me, refletia sobre cada ocasião, encontrava-me e perdia-me.
 
Uma sensação estranha invadiu-me de surpresa, deixando-me melancólica: olhava para os rastros do passado através daquelas fotos, via o meu rosto e procurava no presente o que já fora no passado.
 
Sabia que era eu, no entanto aquelas fotos não me refletiam tal como agora estou: enrugada. As rugas são sinais externos. As máquinas fotográficas também, por mais potentes que sejam, só conseguem captar nosso eu exterior. Captam o que qualquer olho humano consegue ver. A
partir desse pensamento comecei a refletir sobre aqueles momentos presos, detidos e guardados dentro de minha gaveta sob a forma de fotografias. Representavam um certo momento fugidio e estatizado. Representavam um pedaço de mim em um passado distante.
 
Meus filhos poderiam guardá-las e mostrá-las aos meus netos. Poderiam ser usadas como uma fonte histórica, resgatando vestimentas, ruas, paisagens, bares, meios de transportes, enfim qualquer que fosse sua utilização ninguém conseguiria ver nelas minha pessoa. Esta visão subjetiva só eu poderia ter e mais ninguém.
 
Coisa estranha e verdadeira: em muitas fotos em que eu estava rindo, inclusive no dia do meu casamento, o que se escondia por trás do meu rosto e sorriso - e que a fotografia ainda não consegue captar - era a minha tristeza, a minha dor, o meu sofrimento. Estava casando com um homem escolhido por meus pais, de quem não gostava.
 
Hoje olho-as, reconstruo  passagens da minha vida através delas. Sei onde muitas foram tiradas, o nome das pessoas que me rodeiam, consigo lembrar até quem as fotografou... Em algumas vejo meus  pais; em outras, meus três irmãos ainda pequeninos e louros. Em outras, revejo amigas sapecas de infância; olho antigos namorados da juventude; meus colegas de trabalho, meus  vizinhos... muitas pessoas do passado estão em meus álbuns fotográficos.  Vejo minha linda filha com seu bebê rosado no colo. Vejo e relembro acontecimentos inteiros, e não só os que a máquina conseguiram captar. Consigo relembrar, até mesmo, velhas emoções guardadas a sete chaves, no esconderijo mais profundo de meu coração.
 
O tempo, esse ser tão escorregadio, que nos escapa a todo momento parece ter perdido uma batalha, pois num instante luminoso foi preso e encontra-se guardado dentro do meu baú de recordações. Tenho a saborosa impressão de ter um pedaço dele em minha mãos.
 
Nem todas essas minhas recordações e o grande avanço tecnológico, como as máquinas fotográficas e as potentes filmadoras, serão capazes de trazer meu velho e longíquo passado e mostrar-me como eu verdadeiramente era. Hoje sou uma mulher cheia de vida e alegre, ao contrário da jovem de ontem, linda e com um sorriso no rosto, e que por dentro era triste. Porém, compare uma foto do meu rosto amarrotado, com uma foto do meu rosto sorridente de princesa, pensará o quanto eu era alegre e se enganará pela imagem.  Muitas vezes, a verdade é tão subjetiva que apenas quem a viveu sabe onde encontrá-la...
 
 

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

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