Flagrante delito e crimes contra a honra cometidos por meio da internet - Por Alexandre Hardt Bortolotto e José Roberto Moreira

27/11/2017

Com o frequente aprimoramento e avanço das técnicas e meios de comunicação em nossa sociedade, torna-se cada vez mais complexa e penosa para o Direito a tarefa de açambarcar de modo claro e preciso todas as possibilidades do mundo fenomênico (ou melhor: do mundo virtual).

Para além dos benefícios proporcionados pela (r)evolução tecnológica dos meios de comunicação, não se pode olvidar das consequências nefastas ocasionadas por aqueles que encontraram nesse campo um solo fértil para o cometimento de crimes.

Situação corriqueira envolvendo a face negativa proporcionada pela internet diz respeito à prática de crimes contra a honra (artigos 138 a 145 do CP).

Não é incomum pessoas lançarem mão de suas páginas em redes sociais da internet imbuídas do ânimo de ofender a honra de determinadas pessoas. O resultado, como se sabe, é a rápida e difusa prolação do conteúdo ofensivo, chegando quase que de modo instantâneo ao conhecimento de diversas pessoas mundo afora.

Este texto tem o propósito de analisar a (im)possibilidade de prisão em flagrante do sujeito ativo de crimes contra a honra perpetrados por meio da internet.

Preceitua o artigo 301 do Código de Processo Penal que qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito. Haure-se da referida norma a ausência de qualquer distinção quanto à espécie de ação penal que irá perseguir o crime praticado, podendo ser ela tanto de iniciativa pública como privada.

No mais, as hipóteses caracterizadoras do estado flagrancial encontram-se previstas nos artigos 302 e 303 do Código de Processo Penal.

Os incisos I e II do artigo 302 do CPP consubstanciam-se naquilo que é chamado pela doutrina e jurisprudência pátrias como flagrante próprio (real ou verdadeiro). Ou seja, é essência daquilo que se compreende como flagrante (evidente, manifesto, notório, etc.). É quando a pessoa está cometendo a infração penal (inciso I) ou acaba de cometê-la (inciso II). Ambas as hipóteses descritas são reconhecidas pela imediatidade, não podendo ser caracterizadas se houver transcorrido lapso temporal entre o cometimento da infração penal e a captura do autor.

Nesse sentido, constata-se facilmente que os crimes contra a honra cometidos por meio da internet raramente farão incidir as situações flagranciais descritas nos incisos I e II do artigo 302 do CPP, porque a prática delitiva dá-se predominantemente em ambientes privados e não ostensivos, dificultando, sobremaneira, a possibilidade de alguém ser flagrado na prática da conduta delituosa.

Há, ademais, a caracterização do estado flagrancial quando o autor é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração (inciso III) e quando é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração (inciso IV). A primeira é comumente designada como flagrante impróprio (imperfeito, irreal ou quase-flagrante) e a última como flagrante presumido (ficto ou assimilado).

O grande cerne referente à problemática da prisão em flagrante dos delitos contra a honra encontra-se nessas hipóteses descritas nos incisos III e IV do CPP. Não é incomum situações práticas onde a pessoa supostamente vitimada em sua honra, inclusive tratando-se, não raro, de agentes públicos (mormente agentes da segurança pública), vai ao encalço do agente responsável pelos ultrajes para o fim de dar voz de prisão em flagrante, capturá-lo e conduzi-lo coercitivamente à presença da autoridade policial.

De uma leitura sistemática e teleológica dos incisos em desate, colhe-se que as expressões “perseguido, logo após”, e “encontrado, logo depois”, nada dizem respeito às situações acima elencadas, onde a suposta vítima, após a prática da ofensa, vai intempestivamente ao encontro do autor.

Para melhor explicar nosso entendimento, vale citar as palavras de Paulo Rangel que, ao abordar as hipóteses flagranciais dos incisos do artigo 302 do CPP, assim aduz: “tem início com o fogo ardendo (está cometendo a infração – inciso I), passa para uma diminuição da chama (acaba de cometê-la – inciso II), depois para a perseguição direcionada pela fumaça deixada pela infração penal (inciso III) e, por último, termina com o encontro das cinzas ocasionadas pela infração penal (é encontrado logo depois – inciso IV)[1]

Utilizando analogicamente a metáfora acima, pode-se afirmar que a “perseguição, logo após”, prevista no inciso III do art. 302 do CPP pressupõe uma “fumaça”, ou seja, um rastro deixado pela prática da infração penal, o que raramente ocorre na hipótese atinente às infrações penais contra a honra cometidas por meio da internet. Isso porque, sendo tais crimes consumados de regra em ambientes privados e não ostensivos, dificilmente haverá perseguição ao agente “logo após” o crime, em situação que faça presumir ser autor da infração. E a razão é patente: não será possível saber com a celeridade necessária onde está o agente, o local em que o crime foi consumado, qual dispositivo foi utilizado, etc., e, quando tais informações forem reunidas, a prisão já será intempestiva.

Por outro lado, a expressão “encontrado, logo depois”, prevista no inciso IV do aludido artigo pressupõe uma perseguição pretérita realizada em razão da “fumaça” deixada pela prática do crime. Se não existe a referida “fumaça”, não pode haver perseguição e muito menos um encontro causal. E novamente tem-se as dificuldades em se conhecer o local onde está o agente, o dispositivo que utilizou para consumar o crime, etc., informações essas que dificilmente serão reunidas “logo depois” do crime.

Por fim, prevê o artigo 303 do CPP que nas infrações permanentes, entende-se o agente em flagrante delito enquanto não cessar a permanência.

Ocorre que os crimes contra a honra se perfectibilizam instantaneamente após sua prática, consumando-se imediatamente após chegar ao conhecimento de terceiros e/ou da vítima, a depender do caso. Justamente por ter natureza instantânea, a consumação não se prolonga no tempo, impedindo que seja o fato considerado crime permanente, obstando, outrossim, o flagrante com base no artigo 303 do referido códex.

Em não incidindo as hipóteses autorizadoras da situação flagrancial, não pode o autor receber voz de prisão em flagrante, muito menos ter seu domicílio violado sem mandado judicial a fim de ser capturado e conduzido coercitivamente à autoridade policial.

Com isso, não se está a dizer que o agente ofensor deva ficar impune e imune à persecução criminal, mas sim que o estado flagrancial raramente fará incidir nos crimes contra a honra praticados por meio da internet, de modo que, juridicamente, o mais recomendável seja a vítima, agente público ou não, representar criminalmente pelos meios ordinários contra o autor ou, se for o caso, protocolar uma queixa-crime.

 

[1] RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 10ª ed. Rio de Janeiro. Editora Lumen Juris: 2005. p. 620.

 

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