Filosofia experimental:

27/03/2015

Por Atahualpa Fernandez -

“Somos morales, pero sólo lo morales que necesitamos ser”. (Dennis Krebs)

Na filosofia moral não há um consenso acerca da melhor solução para este tipo de dilema[3]. Joshua Greene, contudo, crê que tem a resposta no que à «empatia» se refere: o que sucede é que afeta a regiões distintas do cérebro; «de um ponto de vista psicológico, a diferença fundamental entre o dilema do trem e o da ponte é que o último envolve a emoção das pessoas de uma maneira que o primeiro não envolve». O «caso 1», afirma, é o que poderíamos chamar um dilema moral «impessoal». Se aloja nessas zonas do cérebro principalmente implicadas em nossa experiência objetiva da empatia «fria»: o razoamento e o pensamento racional. A empatia que «sentimos» quando observamos a outros e o cálculo emocionalmente acerado que nos permite sopesar, fria e desapaixonadamente, o que pode estar pensando outra pessoa: «compreender» em lugar de «sentir», o tipo que se apoia no processo simbólico em lugar da simbiose afetiva e que permite uma predição abstrata e nada nervosa, oposta à identificação pessoal. (K. Dutton)

O «caso 2», por outra parte, é o que poderíamos chamar um dilema moral com implicação «pessoal», no qual intervém áreas cerebrais relacionadas com o processamento das emoções (o circuito da empatia  «quente» e emocional, em que não há uma dissociação entre componentes sensoriais e afetivos, uma desconexão entre saber o «que é» essa emoção e sentir «como é»), coisa que parece lógica em termos de sentido comum. A conclusão mais surpreendente que saca J. Greene, contudo, é a de que não existem diferenças na ativação cerebral entre os juízos morais nos quais a própria pessoa não está implicada («impessoal») e os juízos não morais. Algo que contradiz todas as intuições dos filósofos ilustrados do «moral sense» acerca da simpatia como vínculo que permite julgar a conduta de outros de igual ou parecida maneira que a de si mesmo, e mais ainda quando a diferença entre implicação pessoal e a falta dela nos experimentos é muito pequena.

Uma explicação evolucionista do diferente comportamento das pessoas nos dois casos indicados seria que durante a maior parte de nossa história evolutiva os seres humanos viveram em pequenos grupos onde se conheciam todos e onde a violência somente podia infligir-se de uma maneira direta, «pessoal» (golpear, estrangular, empurrar). Para tratar com estas situações desenvolvemos umas respostas emocionais aversivas imediatas, de base afetivo-emocional. O pensamento de arrojar a uma pessoa pela ponte dispara estas respostas emocionais aversivas. Pulsar um interruptor que desvia o trem não guarda nenhuma semelhança com qualquer probabilidade de haver ocorrido nas circunstâncias em que nossos ancestrais viveram no passado. Por isso, o pensamento de pulsar o interruptor não dispara a mesma resposta emocional que arrojar a uma pessoa às vias.

Assim as coisas, já não cabe falar de «juízo moral» em termos gerais porque nesse tipo de decisões mentais podem estar implicadas circunstâncias muito distintas que levam a que nosso cérebro funcione de maneira diversa. Quero dizer, parece que a maneira como intervém as redes cerebrais influi na resolução dos dilemas morais com que nos enfrentamos, coisa que abre uma perspectiva complexa no que diz respeito, por exemplo, aos conceitos tradicionais de culpa e responsabilidade.

Apesar disso, ainda são muitas as perguntas «pendentes» de respostas: Por que os sujeitos reagem de uma forma distinta ante os dilemas pessoais (empurrar ao homem) e impessoais (pulsar o interruptor)? Não será porque temos uns códigos inscritos no cérebro pela evolução (uma moral inata), estreitamente ligados às emoções, que nos levam a interessar-nos pelos mais próximos e a desatender-nos dos distantes? Os dilemas fictícios que propõem os investigadores garantem que os sujeitos respondam formulando os juízos morais aos que ajustariam sua conduta na vida real? O fato de que as respostas aos dilemas (fictícios) não impliquem nenhuma consequência para os sujeitos (isto é, as dão com total impunidade) debilita ou elimina a validade de ditos experimentos?  O que pensa e como atua a gente em realidade? Estão os cientistas criando um mundo ambicioso que resultará na imposição de uma revolução lenta, silenciosa, destrutiva e subversiva dos «valores humanos» até agora ancorados na tradição? Avizinha-se uma nova forma de pensar e entender a conduta humana?...

Para tentar ilustrar a todas essas questões há que estar atentos a duas valiosas observações:

  1. A ideia de usar experimentos sobre os comportamentos para confirmar hipóteses acerca da natureza e do comportamento humano é antiga. Trata-se, o estudo experimental dos pensamentos chamados «morais» ou «imorais», de um programa de investigação que tem como objetivo comprovar hipóteses sobre nossos juízos e condutas, mas cujo interesse é mais evidente, e com métodos um pouco mais sérios e um pouco mais respeitosos com a ciência. Dito de outro modo, o método dos experimentos deste programa científico serve, sobretudo, para dois propósitos: (i) identificar nossas intuições morais a fim de submeter à prova a validez das grandes doutrinas morais; (ii) ajudar a eliminar as teorias mais irrealistas, as que não têm para nada em conta a «natureza humana».
  2. Para a boa neurociência (neuroética ou neurociência da ética), e no que se refere ao tipo de dilema aqui mencionado, o mais interessante e o que realmente importa não é tanto as respostas ou as justificações que formulam os participantes desses experimentos, senão as áreas cerebrais que se lhes ativam de forma distinta quando se enfrentam a dilemas morais pessoais (empurrar ao homem) e dilemas morais impessoais (pulsar o interruptor); quer dizer, mediante um escaneamento do cérebro dos sujeitos com neuroimagem funcional (por exemplo, fMRI) enquanto decidiam suas respostas, saber que tipos de dilemas as ativam e que zonas do cérebro intervêm quando se tomam decisões morais desse tipo. O que é o mesmo que aceder às fontes da moral e indagar, desde métodos empíricos, quais são as bases neurobiológicas da formulação dos juízos morais e da conduta moral.

Nas hipóteses desenhadas para o dilema do trem assassino, de casos similares que requerem respostas similares, os correlatos neuronais diferenciais para a resolução dos dois grupos diferentes de dilemas se distinguem pelo modo de chegar a um mesmo resultado: com o primeiro dilema (caso 1), que implica uma maior distância pessoal para quem atua (pulsar o interruptor), se incrementa a atividade nas áreas do cérebro associadas com o raciocínio abstrato e a resolução de problemas; com o segundo dilema (caso 2), em que o sujeito se encontra implicado pessoalmente em uma determinada ação (há que tocar fisicamente e empurrar a um desconhecido), se incrementa a atividade nas áreas associadas com a emoção e a cognição moral/social. O que nos leva a inferir que não estamos frente a dois juízos reciprocamente excludentes, senão diante de dois juízos diferentes que ativam áreas distintas do cérebro por obra das circunstâncias e do envolvimento pessoal do agente que atua.[4]

Um resumo apressado do dito chegaria à conclusão de que as neurociências e filosofia experimental intentam fazer visíveis aspectos da condição humana mediante procedimentos de imagens cerebrais que permitam retratar, por assim dizer, o pensamento, os estados emocionais, os correlatos de ativação neuronal que se produzem quando os indivíduos pensam ou formulam juízos morais, dando por sentado que os fenômenos ou processos mentais relacionados com eles —como os juízos morais— são propriedades emergentes da atividade cerebral.

E ainda que as evidências até agora alcançadas não fazem senão aranhar a superfície do que são as guias cerebrais dos juízos, da avaliação e da conduta humana, este inovador marco neurocientífico, carregado de responsabilidade e vinculando o conhecimento científico experimental e o conhecimento humanístico, oferece uma grande quantidade de possibilidades ao ser humano para conhecer-se melhor a si mesmo, para perguntar-se pelo fundamento da obrigação moral e aclarar o que se entende por «moral», tendo em conta ao mesmo tempo as bases cerebrais da conduta e o progresso moral que foi impregnando culturalmente nosso modo moral de saber.


Notas e referências:

[3] Este tipo de dilema também põe de manifesto um claro exemplo de conflito entre deontologistas e consequencialistas (utilitaristas). Quer dizer, ao menos em teoria (e independentemente do que faria a maioria), se sou um consequencialista (utilitarista) e estou convencido que o fim da moral é alcançar a máxima felicidade (isto é, o maior prazer para o maior número de seres vivos) seguirei defendendo a ideia de que negar-se a empurrar ao indivíduo corpulento ou acionar a alavanca é incoerente e irracional. Desde um ponto de vista utilitarista, para o qual a maximização do bem constitui a única vara de medir pertinente, minha resposta será inequívoca: tanto no «caso 1» como no «caso 2» é justo, correto e moral sacrificar uma vida para salvar outras cinco. Por outro lado, se sou um deontologista, a questão fundamental está no imperativo kantiano de que é ilícito utilizar a uma pessoa como mero instrumento para lograr um fim, inclusive se o fim é em benefício de um bem maior. E como me importa mais buscar o comportamento moral proposto por Kant (segundo o qual o importante é “agir moralmente” independente do seu resultado, isto é, de que é mais importante não vulnerar os direitos de outra pessoa que obter um resultado ideal), minha resposta será também inequívoca: tanto no «caso 1» como no «caso 2» é injusto, incorreto e imoral sacrificar uma vida, ainda que seja para salvar outras cinco. E aqui se abre um apaixonante debate sobre a suposta irracionalidade do deontologismo e a suposta racionalidade do teleologismo. Por quê? Porque resulta que embora sempre se tenha atacado tradicionalmente aos deontologistas (kantianos) por não ter em conta as emoções (coisa que é necessário demonstrar), agora, quando se aprecia esses tipos de dilemas em que as pessoas se aferram às suas emoções, se lhes acusa de deontologistas, faltos de racionalidade. Nesse sentido, é preciso aclarar o que é deontologismo e o que é teleologismo.

[4] Por exemplo, W. Casebeer, tendo em vista as numerosas filosofias morais que existem, tomou como ponto de partida de suas investigações acerca das zonas cerebrais que se ativam durante o raciocínio ou juízo moral, as três filosofias ocidentais mais importantes: o utilitarismo de Stuart Mill, a deontologia de Kant e a teoria da virtude de Aristóteles (que trata de cultivar a virtude e evitar os vícios). Concluiu sua análise com a seguinte observação: «Assim que poderíamos dizer [...] que estes três enfoques situam-se em diversas zonas do cérebro: frontal (Kant); pré-frontal, límbica e sensorial (Mill); a ação corretamente coordenada de todo o cérebro (Aristóteles)».


Atahualpa Fernandez

Atahualpa Fernandez é Membro do Ministério Público da União/MPU/MPT/Brasil (Fiscal/Public Prosecutor); Doutor (Ph.D.) Filosofía Jurídica, Moral y Política/ Universidad de Barcelona/España; Postdoctorado (Postdoctoral research) Teoría Social, Ética y Economia/ Universitat Pompeu Fabra/Barcelona/España; Mestre (LL.M.) Ciências Jurídico-civilísticas/Universidade de Coimbra/Portugal; Postdoctorado (Postdoctoral research)/Center for Evolutionary Psychology da University of California/Santa Barbara/USA; Postdoctorado (Postdoctoral research)/ Faculty of Law/CAU- Christian-Albrechts-Universität zu Kiel/Schleswig-Holstein/Deutschland; Postdoctorado (Postdoctoral research) Neurociencia Cognitiva/ Universitat de les Illes Balears-UIB/España


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