Filmes de Advogados: um gênero de cinema

08/03/2016

Por Luiz Ferri de Barros - 08/03/2016

São incontáveis os filmes em que são protagonistas juízes, advogados, promotores, testemunhas, jurados, investigadores, tribunais e julgamentos. Nessas fitas, a lei e as estruturas jurídicas e judiciais ocupam o primeiro plano, com seus personagens e procedimentos característicos.

Sem saber se os estudiosos de cinema concordam, e desconfiando que não, creio que tais filmes constituem um gênero próprio: o dos filmes de advogados, pois em geral não só os personagens são comuns (o juiz, o promotor, o advogado etc.) como igualmente os temas são recorrentes.

A definição do que venha a ser “gênero de cinema” é fluida e não consensual, não no sentido de não haja consenso, mas no sentido de que há várias maneiras de se pensar este conceito classificatório. Classicamente, podemos pensar, por exemplo, em drama-comédia, suspense-mistério, ação. Apondo-se ação a suspense e mistério, poderíamos encontrar os thrillers, muito em voga nos filmes de advogados da década de 1990.

Pode-se pensar nos filmes de guerra como sendo um gênero, os de espionagem, e os de faroeste. Por que não poderíamos dizer que constituem gênero também os filmes de advogados, antes do domínio dos thrillers no cinema comumente chamados de dramas de tribunal? As pessoas que estudam cinema talvez melhor qualificassem esse conjunto como subgênero, mas vai do gosto.

O gênero se modificou ao longo do tempo. Em todas as épocas, no entanto, são comuns os filmes de advogados que tratam de crimes de sangue. Os enredos abordam casos e situações extraordinários, propícios à explicitação dramática de conflitos, dilemas e contradições.

Mistério, suspense e romance também estão presentes nos filmes de advogados, os dois primeiros ingredientes por serem indispensáveis à trama e o último para agregar amor, sexo e sedução às histórias, sem o que não seriam histórias de cinema.

São temas recorrentes: os dilemas dos que servem à justiça; as transgressões dos ritos legais que se cometem em nome da justiça; o heroísmo dos que abraçam causas perdidas ou defendem quem todas as provas incriminam; as relações ambíguas entre defensores e réus que juram uma inocência em que não cabe certeza acreditar (Anatomia de um Crime, de Otto Preminger; Testemunha de Acusação, de Billy Wilder); os dilemas dos jurados quanto ao veredicto (12 Homens e uma Sentença, de Sidney Lumet); a justeza ou a iniquidade das penas capitais (A Sangue Frio, de Richard Brooks, este baseado no livro de Truman Capote); o medo e a insegurança das testemunhas; perseguições judiciais motivadas por questões políticas (Sacco e Vanzetti, de Giuliano Montaldo); o idealismo dos jovens advogados e o pragmatismo que os mais velhos lhes cobram; o advogado de pequena banca que defende os humildes contra milionárias organizações. Com estes temas, e outros do mesmo naipe, os cineastas constroem o pano de fundo desses filmes, para não falar de verdadeiros épicos judiciais que trataram de temas sociais e políticos de grande monta (Julgamento em Nuremberg, de Stanley Kramer).

Em geral o cinema é otimista com o Direito: a justiça ao final triunfa – mesmo que com distorções, pois na linguagem dramatúrgica e ficcional a precisão dos procedimentos jurídicos e a fidelidade aos acontecimentos não são requisitos nem sequer das histórias baseadas em fatos. Na pior das hipóteses, quando a crítica em nada poupa o sistema, sempre haverá um herói em cujo coração pulsa um forte sentimento de justiça – e nele se deposita a esperança pela redenção dos costumes. Por vezes, no entanto, a mística do happy end é abandonada e a justiça não se faz: o cinema narra histórias de criminosos que burlam todo o sistema judicial, inclusive seus advogados, para usufruir esperta liberdade, ou para, inversamente, serem justiçados por pacatos cidadãos que, transformando-se a si próprios em braços privados e ilegais da justiça, atuam onde o Estado falhou.

Para assistir:

O Segredo dos Seus Olhos, vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro em 2010, é uma produção hispano-argentina, dirigida por Juan José Campanello e estrelada por Ricardo Darín, o maior astro argentino da atualidade. Trata-se da história de um investigador judicial aposentado que resolve escrever um livro sobre um brutal assassinato ocorrido 25 antes e sobre o qual ainda pairam mistérios irresolvidos. Narrada em sucessivos flash-backs e avanços no enredo, a trama retomada em diferentes épocas mostra a história do crime e dos personagens com surpreendentes reviravoltas, algumas condicionadas aos cambiantes regimes políticos da Argentina. E, sim, mostra também a paixão dos argentinos pelo futebol, uma chave para desvendar o crime.


Originalmente publicado na Revista da OAB / CAASP. São Paulo, Agosto de 2013.


. Luiz Ferri de Barros é Mestre e Doutor em Filosofia da Educação pela USP, Administrador de Empresas pela FGV, escritor e jornalista.

Publica coluna semanal no Empório do Direito às terças-feiras.                                        

E-mail para contato: barros@velhosguerreiros.com.br 


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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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