Fica, relaxa e goza

02/10/2019

Há os costumes. Muita gente se desconfortará se der um passo fora deles. Até pouco tempo, em toda cidade que se prezasse havia uma chefatura de polícia especializada designada delegacia de costumes. A margem de manobra era menor, e o delegado era o vigilante moral mais ativo.

Mesmo nos dias de hoje, as sentenças pomposas dos juízes pudorentos costumam apelar aos bons costumes. Como o mundo é vário e os costumes são muitos, nunca entendi como, dentre eles, se reconhece exatamente quais seriam os bons e quais seriam os maus.

Se forem procuradas concordâncias ideológicas ou mesmo utilitárias, não se afinarão consensos: jamais universais, nem mesmo nacionais; talvez alguns regionais. Então, quem pode – o político, o religioso, a mãe, o marido ou o patrão – impõe aos outros os costumes que lhe são convenientes.

Dizendo de modo distinto: como não há uma razão teórica (ou moral) sustentável para defender o que seriam os bons costumes, a questão é resolvida nos limites da razão prática: fica estabelecido que os bons costumes são os meus, e os maus são os dos outros. E estamos combinados.

Estaria tudo bem não fosse o fato de que ninguém combina coisa nenhuma e poucos percebem que os costumes podem ser uma armadilha de dominação. Cumprimo-los sem pedir conta de suas origens, de seu significado, ou de sua conveniência. A quem serve o costume que preservo?

Quem já refletiu sobre os modos de pensar e agir do seu grupo social, ou mesmo os seus próprios? Se indagadas a respeito, as pessoas em geral acabarão dando a resposta mais alienada possível: “Ora, porque sim.” Chego a um assunto controvertido: sexo, ou os costumes sexuais.

Suponho concordância sobre inexistir coisa mais pensada, falada e buscada do que sexo. É tema que não se aquieta: não há quem não o goste e não o queira. Assim, cabe dizer: além de pensar, falar e buscar, a humanidade gostaria de praticar muito sexo. Muito mais do que se pratica.

As coisas, pois, estariam resolvidas; contudo, existe outro lado: não há nada mais cercado, censurado, vigiado do que sexo. Nem após os avanços dos anos 1960 a questão foi solucionada: poucos tomaram mais liberdade, muitos se fecharam numa onda conservadora surpreendente.

É necessário observar que o cerco ao sexo é uma tradição semita (judaica-cristã-mulçumana). É um costume, só um costume. Por exemplo, suecos e holandeses não são assim, têm outra tradição; índios não dão importância ao assunto; romanos e gregos tinham outro comportamento.

Cada um que use a cama tanto, como e para o que bem entender, cada um que se resolva, gozando ou reprimindo seus desejos, mas que saiba que mais ou menos liberdade nos afetos é apenas mais ou menos submissão a um costume que, pensando, pensando, não tem muito sentido.

Cogitando o tema, ainda que pejados da moral dominante, confessemos: pecamos, ou gostaríamos de pecar. Confissão e pecado – palavras de ordem religiosa – são inadequadas para dirimir a questão. Pensemos sociologicamente o conflito: nós mudamos, ou desejamos mudar.

Ao curtir o corpo, buscando prazeres no ficar com outros corpos, livramo-nos de amarras morais: reformamos os costumes, produzimos transformações civilizatórias. Se alguém for contra, peça-lhe um argumento razoável, ou sugere-lhe, fazendo-lhe o mais puro bem: namora, relaxa e goza.

 

Imagem Ilustrativa do Post: 18:29 // Foto de: Mark Hougaard Jensen // Sem alterações

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