FERIADO LOCAL SUA COMPROVAÇÃO POSTERIOR À LUZ DA QUESTÃO DE ORDEM NO RESP 1813.684/STJ      

18/08/2020

Coluna O Novo Processo Civil Brasileiro / Coordenador Gilberto Bruschi

Este ensaio pretende discutir aspecto (sempre) atual e relevante ligado à comprovação de feriado local, de acordo com o entendimento firmado pela Corte Especial do STJ, na Questão de Ordem no Recurso Especial 1.813.684.

Antes de mais nada, vale lembrar que o legislador de 2015 trouxe várias alterações no âmbito da teoria geral dos recursos e dos recursos em espécie, dentre as quais é possível destacar: a) a possibilidade de concessão de tutela provisória no próprio recurso (art. 932, II); b) a afirmação de que o apelo está prejudicado ou inadmissível, nos casos em que o recorrente não tenha apresentado impugnação específica (art. 1010, II e 932, III); c) a negativa de provimento, nos casos de recurso contrário a precedente vinculante (art. 927 c/c 932, IV) ou provimento do apelo, quando a decisão recorrida estiver contrária a estes precedentes (art. 927 c/c 932, V).

Outrossim, de todas as modificações advindas da legislação de 2015 no âmbito recursal, merece especial destaque o disposto no §único, do art. 932, do CPC.

Este dispositivo é um claro reflexo, no âmbito recursal, da norma fundamental relacionada à primazia da resolução de mérito[1] e, em suma, estabelece que, antes de considerar inadmissível o recurso, deverá o Relator abrir prazo de cinco dias para o recorrente tentar sanar o vício ou complementar a documentação exigível[2].

Duas perguntas devem ser enfrentadas neste texto: o Relator deve abrir prazo para comprovação da tempestividade do recurso antes de declarar sua inadmissibilidade, nos casos de feriados locais (aqui entendido como os feriados não nacionais, nos termos do previsto na Lei nº 662/1949, alterada pela Lei nº 10.607/2002[3], e na Lei nº 6.802/1980[4])? Como o STJ dirimiu a aparente contradição entre o disposto no art. 932, §único e art. 1003, §6º, do CPC/15?

Visando o correto enfrentamento do tema, vale a pena partir de uma premissa: o art. 932, §único, do CPC objetiva claramente estimular o julgamento do mérito[5] recursal, ou seja, consagra a possibilidade de correção de vícios recursais sanáveis visando a apreciação meritória. Este perfil saneador do CPC também é consagrado nos arts. 139, IX e 1029, §3º, do CPC, como instrumentos visando a apreciação do mérito recursal (provimento ou improvimento do apelo).

Ademais, levando em conta que o art. 932, do CPC, se encontra no título ordem dos processos dos tribunais, deve ser aplicado em todos os recursos, incluindo os apelos especial e extraordinário[6]. Em última análise, é possível afirmar que os vícios recursais podem ser objeto de correção, sendo este dispositivo corolário à norma fundamental de primazia de mérito (art. 4º, do CPC).

Em relação aos apelos especiais interpostos antes do início de vigência do CPC/15, existem precedentes favoráveis à comprovação da tempestividade do recurso após a sua interposição, inclusive em sede de agravo regimental interposto em face de decisão monocrática do Relator (AgRg no ARESP nº 268.538 – DF – J. em 05.03.2013). Aliás, em mudança de entendimento então vigente, a Corte Especial do STJ passou a permitir a comprovação posterior, no AgRg no AREsp 137141 / SE (Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira – J. em 19/09/2012 – Dje 15/10/2012):

“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TEMPESTIVIDADE. FERIADO LOCAL. COMPROVAÇÃO POSTERIOR. POSSIBILIDADE. MUDANÇA DE ENTENDIMENTO. 1. A comprovação da tempestividade do recurso especial, em decorrência de feriado local ou de suspensão de  expediente forense no Tribunal de origem que implique prorrogação do termo final para sua interposição, pode ocorrer posteriormente, em sede de agravo regimental. Precedentes do STF e do STJ. 2. Agravo regimental provido, para afastar a intempestividade do recurso especial”.

Contudo, com a entrada em vigor do CPC/15, o tema passou a ser novamente apreciado, especialmente diante da eventual contradição textual entre o art. 932, §único e o art. 1003, §6º, da legislação processual. Ocorreu a mudança da mudança para restabelecer a necessidade de comprovação imediata da tempestividade recursal.

Em alguns julgados, em razão do texto do Enunciado Administrativo nº.3, o STJ fixou um marco temporal: em relação aos recursos interpostos após a entrada em vigor da legislação de 2015, as ocorrências locais (feriados locais, suspensão de expediente forense, etc) devem ser comprovadas no momento da interposição do recurso, consoante art. 1.003, § 6º, do CPC/15.

Vale citar alguns precedentes:

“PROCESSUAL CIVIL. DECISÃO DE INADMISSIBILIDADE DO RECURSO ESPECIAL. PUBLICAÇÃO APÓS A VIGÊNCIA DO NOVO CPC/2015. COMPROVAÇÃO DE FERIADO EM MOMENTO POSTERIOR À INTERPOSIÇÃO DO RECURSO. IMPOSSIBILIDADE. PRECLUSÃO. 1. Cuida-se de Agravo Interno que discute a decisão da Presidência do STJ que considerou intempestivo o Recurso Especial aviado pela parte ora agravante. 2. Analisando com maior parcimônia, verifica-se que a decisão da Presidência do STJ está em consonância com o atual entendimento jurisprudencial do STJ, fruto de evolução hermenêutica para acompanhar a mens legis do CPC/2015. 3. O CPC/2015 não possibilita a mitigação ao conhecimento de recurso intempestivo. De fato, nos casos em que a decisão recorrida tenha sido publicada já na vigência do novo CPC, descabe a aplicação da regra do art. 932, parágrafo único, do CPC/2015, para permitir a correção do vício, com a comprovação posterior da tempestividade do recurso. (AgInt no AREsp 1.032.692 / DF, Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe 9/6/2017; AgInt no AREsp 1.005.100/SP, Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe 29/5/2017 ). 4. No caso em disceptação, a parte recorrente foi intimada do acórdão recorrido em 18/5/2016, uma quarta-feira, logo o prazo começaria no primeiro dia útil, que seria 19/5/2016. O prazo recursal é de 15 dias "úteis". O Recurso Especial foi interposto somente no dia 10/6/2016, sem ao menos comprovar, no ato da propositura do recurso, a existência de eventual feriado conforme determina a normativa atual. 5. Agravo Interno a que se nega provimento” (AgInt no AREsp n. 1.042.066/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 12/09/2017).

“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. RECURSO INTEMPESTIVO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DO NCPC. SUSPENSÃO DOS PRAZOS PROCESSUAIS NO TRIBUNAL ESTADUAL. COMPROVAÇÃO POR DOCUMENTO IDÔNEO NÃO DEMONSTRADA. JURISPRUDÊNCIA PACIFICADA NA VIGÊNCIA DO CPC/73. ART. 1.003, § 6º, DO NCPC. COMPROVAÇÃO NA INTERPOSIÇÃO DO RECURSO. NÃO OCORRÊNCIA. DIA DO SERVIDOR PÚBLICO. INEXISTÊNCIA DE FERIADO NACIONAL. RECESSO FORENSE NO STJ. IRRELEVÂNCIA PARA VERIFICAÇÃO DE TEMPESTIVIDADE DE RECURSO INTERPOSTO NA ORIGEM. DECISÃO MANTIDA. 1. Aplicabilidade do novo Código de Processo Civil, devendo ser exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma nele prevista, nos termos do Enunciado Administrativo nº 3 aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC. 2. Nos termos da jurisprudência desta Corte, vigente à época do CPC/73, eventual suspensão do prazo recursal, decorrente de ausência de expediente ou de recesso forense, feriados locais, entre outros, nos tribunais de justiça estaduais, deveria ser comprovada por documento idôneo. 3. O agravo em recurso especial foi protocolado na vigência do novo Código de Processo Civil, atraindo a aplicabilidade do art. 1.003, § 6º, do NCPC, que não mais permite a comprovação da ocorrência de feriado local em momento posterior, já que estabeleceu ser necessária a demonstração quando interposto o recurso. 4. Esta Corte adota o posicionamento jurisprudencial de que o Dia do Servidor Público não é feriado nacional. Desse modo, é dever da parte comprovar nos autos, por documento idôneo, a suspensão do expediente forense no Tribunal de origem, o que não ocorreu na hipótese. 5. É relevante salientar que os recursos interpostos na instância de origem, mesmo que endereçados a esta Corte Superior, observam o calendário de funcionamento do tribunal local, não podendo se utilizar, para todos os casos, dos feriados e das suspensões previstas em Portaria e no Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, que muitas vezes não coincidem com os da Justiça estadual (AgRg no AREsp 700.715/MG, Rel, Min. Ricardo Villas Bôas Cuevas, Terceira Turma, j. 17/5/2016, DJe 23/5/2016). 6. Agravo interno não provido” (AgInt no AREsp n. 1.064.177/SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, DJe 14/08/2017)”.

Portanto, seguindo este entendimento, para os recursos interpostos na vigência do CPC/15, o art. 1003, §6º, deve prevalecer, não sendo permitida a comprovação posterior de sua tempestividade. Ademais, a comprovação do feriado local e, consequentemente, da tempestividade recursal, não pode ser feita com a simples transcrição do link do tribunal (AgInt em REsp 1.752.192).

Importante citar a ementa deste julgado (grifo nosso):

“AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL - AÇÃO ORDINÁRIA - DECISÃO MONOCRÁTICA DA PRESIDÊNCIA DESTA CORTE QUE NÃO CONHECEU DO RECLAMO EM RAZÃO DA INTEMPESTIVIDADE DO RECURSO ESPECIAL. IRRESIGNAÇÃO DO AUTOR. 1. A Corte Especial, ao apreciar o AgInt no AREsp 957.821/MS, concluiu que, para os recursos interpostos sob a égide do CPC/15, a comprovação do feriado local deve ocorrer no ato da interposição do reclamo, nos termos do art. 1.003, § 6º, do aludido diploma, sendo descabido, nesse caso, intimar a parte para regularização, haja vista a gravidade do vício. 1.1. No caso em tela, a parte insurgente interpôs agravo em recurso especial depois de escoado o prazo legal e não apresentou, no momento da interposição do reclamo, documentos hábeis a comprovar a ocorrência de feriado local, impondo-se a inadmissão do recurso. 2. A jurisprudência deste Tribunal firmou-se no sentido de que a segunda-feira de carnaval e a quarta-feira de cinzas não são feriados forenses, previstos em lei federal, para os Tribunais de Justiça estaduais, o que exige da parte a sua comprovação nos autos. Precedentes. 3. Esta Corte Superior entende que a simples menção, no bojo das razões recursais, da ocorrência do feriado local com a remissão ao endereço eletrônico (link) do Tribunal de origem não é meio idôneo para comprovação da suspensão do prazo processual, a teor do art. 1.003, § 6º, do CPC/15. Precedentes. 4. A decisão proferida pelo Tribunal de origem, acerca da tempestividade do recurso especial, não tem o condão de vincular o juízo de admissibilidade do Superior Tribunal de Justiça. Isso porque, cabe a esta Corte, órgão destinatário do recurso especial, realizar o juízo definitivo de admissibilidade. Precedentes. 5. Agravo interno desprovido” (AgInt no RESp 1.752.192, Rel. Min. Marco Buzzi, 4ª T, J. em 18.10.18).

Entendo que este posicionamento formalista está em sentido contrário à primazia de mérito e à cláusula geral recursal – art. 932, §único, do CPC, bem como aos arts. 4º, 139, IX e 1029, §3º, do CPC. A intempestividade é totalmente diferente da comprovação da tempestividade. O formalismo elevado deveria dar lugar à primazia de mérito e conduzir a uma nova oportunidade para o recorrente tentar demonstrar a comprovação deste requisito de admissibilidade.

Logo, a comprovação posterior da tempestividade, com juntada de documento comprobatório do feriado local, também deveria ser assegurada aos recursos interpostos após março de 2016, por no mínimo quatro razões: a) o art. 932, §único, deve ser aplicado a todos os recursos, tendo em vista que se encontra no capítulo II- ordem dos processos no Tribunal; b) a cooperação e primazia de mérito são aplicáveis a todos os recursos; c) a demonstração da tempestividade não trará nenhuma correção do vício da intempestividade, mas apenas irá oportunizar o atendimento ao §único do art. 932, do CPC; d) deve ser consagrada a boa-fé do recorrente, especialmente após a certificação positiva da tempestividade advinda da admissão de seu recurso pelas instãncas locais.

Aliás, em relação a esta última afirmação, a Corte da Cidadania tem precedentes afirmando que a admissibilidade positiva já realizada no RESp no âmbito do Tribunal de Justiça ou Regional Federal não vincula a apreciação a ser feita pelo Tribunal Superior[7].

Outrossim, nos últimos meses, a temática voltou a ser pautada no âmbito da Corte Especial do STJ, especialmente no que respeita ao feriado de segunda-feira de carnaval.

A questão da comprovação posterior e modulação da comprovação apenas foi permitida para este feriado de momo, não se aplicando aos demais feriados não nacionais, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora (QO no REsp 1.813.684/SP). Vale citar os itens 3 a 5 do acórdão em que o assunto foi resolvido no âmbito da Corte Especial:

“3- Consoante revelam as notas taquigráficas, os debates estabelecidos no âmbito da Corte Especial, bem como a sua respectiva deliberação colegiada nas sessões de julgamento realizadas em 21/08/2019 e 02/10/2019, limitaram-se exclusivamente  à possibilidade, ou não, de comprovação posterior do feriado da segunda-feira de carnaval, motivada por circunstâncias excepcionais que modificariam a sua natureza jurídica de feriado local para feriado nacional notório.4- Tendo o relator interpretado que a tese firmada por ocasião do julgamento colegiado do recurso especial também permitiria a comprovação posterior de todo e qualquer feriado, é admissível, em questão de ordem, reduzir a abrangência do acórdão. 5- Questão de ordem resolvida no sentido de reconhecer que a tese firmada por ocasião do julgamento do REsp 1.813.684/SP é restrita ao feriado de segunda-feira de carnaval e não se aplica aos demais feriados, inclusive aos feriados locais” (QO no REsp 1813684 / SP – Rel. Min. Nancy Andrighi -Corte Especial – J. em 03/02/2020 – Dje 28/02/2020).

Aliás, em razão da dúvida ocorrida no julgamento originário do Resp 1813684 e antes da apreciação da QO, alguns julgados de órgãos fracionários passaram a admitir a comprovação da tempestividade de outros feriados locais, e não apenas o relativo à segunda-feira de carnaval[8]. No julgado abaixo, inclusive, foi exercido o juízo de retratação, para a comprovação posterior de feriado local:

“A Corte Especial deste Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.813.684/SP, reafirmou a compreensão de que o feriado local deve ser comprovado no ato da  interposição do recurso, nos termos do art. 1.003, § 6º, do CPC/2015.  Não obstante, foi realizada a modulação dos efeitos desta decisão, para permitir aos recursos interpostos anteriormente à publicação do acórdão a abertura de prazo para a demonstração da ocorrência da suspensão de prazos em virtude de feriado local.  Assim, tendo em vista que as razões de agravo interno trazem documentos capazes de demonstrar que não houve expediente forense no Tribunal de Origem no dia 20/11/2017, o recurso deve ser considerado tempestivo” (AgInt no AREsp. Nº 1.489.733 – decisão de 28.11.19).

Percebe-se, portanto, que na QO no Resp 1813684, a Corte Especial definiu a possibilidade de comprovação posterior apenas em relação à segunda-feira de carnaval dos recursos interpostos anteriormente à tese fixada e modulada. Em relação a todos os demais feriados que não sejam nacionais, incluída a segunda-feira de carnaval, a comprovação de tempestividade dos recursos interpostos após o Resp em comento, deve ser feita na data de interposição.

Com efeito, a modulação mencionada na QO em RESP não alcança outros feriados não nacionais. Vale citar três recentes julgados da Corte que consagram, por exemplo: a) que Corpus Christi não é feriado nacional; b) que o tema discutido no REsp 1813684 (inclusive a modulação) apenas se aplica ao feriado de segunda-feira de carnaval (grifo nosso):

“AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INTEMPESTIVIDADE. CPC/2015. VIGÊNCIA. FERIADO LOCAL OU SUSPENSÃO DOS PRAZOS PROCESSUAIS. MOVIMENTO GREVISTA. COMPROVAÇÃO POSTERIOR. IMPOSSIBILIDADE. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. É intempestivo o agravo em recurso especial protocolizado após o prazo de 15 (quinze) dias, de acordo com o art. 1.003, § 5º, c/c art. 219, caput, do CPC/2015. 3. O dia de Corpus Christi não é previsto como feriado nacional pela legislação, em especial a Lei nº 662/1949, alterada pela Lei nº 10.607/2002, e a Lei nº 6.802/1980, as quais determinam os feriados nacionais. 5. É necessário juntar aos autos documento oficial que comprove a suspensão do expediente forense em decorrência de movimento grevista. 4. Consoante o art. 1.003, § 6º, do CPC/2015, eventual documento idôneo apto a comprovar a ocorrência de feriado local ou a suspensão do expediente forense deve ser colacionado aos autos no momento de sua interposição, para fins de aferição da tempestividade do recurso. Precedente da Corte Especial. 5. A interpretação literal da norma expressa no § 6º do art. 1.003 do CPC/2015, de caráter especial, sobrepõe-se a qualquer interpretação mais ampla que se possa conferir às disposições de âmbito geral insertas nos arts. 932, parágrafo único, e 1.029, § 3º, do citado diploma legal. 6. Agravo interno não provido” (AgInt no AREsp 1350747 / SP – Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA – 3ª T – J. em 09/03/2020 – DJe 13/03/2020.

PROCESSO CIVIL. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ARESTO EMBARGADO FUNDADO EM REGRA EXPRESSA CONTIDA NO § 6º DO ART. 1.003 DO CPC/2015. ACÓRDÃO PARADIGMA QUE TEM COMO PREMISSA A JURISPRUDÊNCIA DO STJ BASEADA NA INTERPRETAÇÃO DO CPC/1973. AUSÊNCIA DE SIMILITUDE JURÍDICA. NÃO CONHECIMENTO DOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. RECURSO ESPECIAL. INTEMPESTIVIDADE. PRAZO. SUSPENSÃO. COMPROVAÇÃO. AUSÊNCIA. FERIADO DE CORPUS CHRISTI. AGRAVO INTERNO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. O entendimento contido no acórdão paradigma observou, como premissa, a jurisprudência do STJ sob a vigência do CPC/1973 – no sentido de ser possível a comprovação posterior do feriado local -, o qual foi firmado por ocasião do julgamento do AgRg no AREsp 137.141/SE, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Corte Especial, seguindo posicionamento do STF no AgRg no RE 626.358/MG, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cezar Peluso. Ausência de similitude jurídica. 2. Conforme Questão de Ordem dirimida na sessão de 3 de fevereiro de 2020, a Corte Especial, por maioria, acolheu a proposta apresentada pela em. Min. Nancy Andrighi "para reconhecer que a tese firmada por ocasião do julgamento do REsp 1.813.684/SP é restrita ao feriado de segunda-feira de carnaval e não se aplica aos demais feriados, inclusive aos feriados locais". Versando o caso concreto sobre a suspensão do prazo em razão dos feriados de Corpus Christi e São Pedro, a pretensão da agravante não encontra amparo na modulação levada a efeito no julgamento do REsp 1.813.684/SP. 3. Agravo interno a que se nega provimento” (AgInt nos EAREsp 1411243 / RN – Rel. Min. OG FERNANDES  - Corte Especial – J. em 04/03/2020 - DJe 09/03/2020). PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. FERIADO LOCAL. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO NO MOMENTO DA INTERPOSIÇÃO DO RECURSO ESPECIAL. APLICAÇÃO DO CPC/2015. INTEMPESTIVIDADE. 1. Com efeito, a jurisprudência desta Corte, ao interpretar os arts. 932, parágrafo único, e 1.003, § 6º, do CPC de 2015, firmou-se no sentido de que, na vigência do novo Código de Processo Civil, a comprovação do feriado local deve se dar no momento da interposição do recurso, nos termos do disposto no art. 1.003, § 6º, do CPC/2015. 2. A Corte Especial do STJ, em sessão realizada no dia 3/2/2020, apreciou a QO no REsp 1.813.684/SP, suscitada pela Ministra Nancy Andrighi, para decidir que a modulação dos efeitos do acórdão quanto à possibilidade de comprovação posterior de feriado local restringe-se à segunda-feira de carnaval, o que não é o caso dos autos. 3. Agravo interno não provido” (AgInt no AREsp 1532304 / MT – Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES – 1ª T – J em 18/05/2020 - DJe 20/05/2020). 

Na passagem do AgInt no AREsp 1558754 / RS (Rel. Min. MARCO AURÉLIO BELLIZZE – 3ª T – J. em 11/05/2020 – Dje 19/05/2020) a modução resta bem clara: “2. Com efeito, no julgamento do REsp. 1.813.684/SP, a Corte Especial, ao examinar a questão com enfoque na segunda-feira de carnaval, reafirmou que, por se tratar de feriado local, faz-se necessária a comprovação na forma da lei processual. Contudo, decidiu-se modular os efeitos da decisão, de modo que esse entendimento seria aplicado tão somente aos recursos interpostos após a publicação do acórdão respectivo. Assim, para os recursos apresentados anteriormente, deve-se dar ao recorrente nova oportunidade de fazer a comprovação desse específico feriado local”.

Por outro lado, entendo que o tema, apesar de provocar a fixação de precedente da Corte Especial, ainda não está com o ponto final. Nas idas e vindas que mereceu o assunto entre o CPC de 1973 e o de 2015, aguarda-se novo pronunciamento do Tribunal.

Destarte, não vejo contradição entre os dispositivos invocados nos precedentes aqui citados. O princípio da primazia de mérito indica direito da parte, direito do jurisdicionado, pelo que o art. 932, §único, do CPC também deveria ser aplicado para a comprovação do feriado local (não nacional).

O art. 1003, §6º, do CPC, indica um dever para o recorrente, assim como outros que o próprio legislador permite a correção posterior (como, v.g., o pagamento do preparo). Por outro lado, o art. 932, § único, juntamente com os demais dispositivos consagradores da primazia de mérito, indicam  o comportamento dos órgãos do sistema de justiça.

Antes da vigência do CPC atual existiam entendimentos favoráveis à comprovação posterior do feriado local (AgInt no ARESp 1229188 - Rel. Min. OG Fernandes – 1ª T – Dje 11/05/2018; AgReg no ARESp 137141 - Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira – Corte Especial – J. em 19/09/2012 – DJe 15/10/2012).

Contudo, com a entrada em vigor do CPC de 2015 o tema provocou novos debates na Corte, chegando o que fora decidido na QO no RESp 1.813.684 (modulação quanto ao feriado de segunda-feira de carnaval apenas).

De toda sorte, penso que os dispositivos do CPC atual se complementam e não há qualquer contradição.  A comprovação da tempestividade é, a rigor, vício sanável e plenamente superável durante o andamento do feito, com fundamento nos arts. .  

Como consequência, além da própria modulação, penso que a possibilidade de comprovação da tempestividade deveria ser garantida a qualquer data não prevista no calendário nacional como feriado, e sem qualquer modulação. A abertura de prazo mínimo de 5 dias para a comprovação, seria um grande instrumento de garantia da primazia de mérito (arts. 4º, 139, IX, 932, §único e 1029, §3º, do CPC).

Contudo, enquanto prevalecer a interpretação pela literalidade do art. 1.003, §6º, do CPC/15, deve o interessado ter cautela em relação ao feriado local, com a comprovação de sua ocorrência no momento da interposição do REsp, ARESp ou outro recurso.

 

Notas e Referências

[1] Dentre os vários dispositivos do CPC/15 que consagram a primazia de mérito, é possível destacar: 4º, 485, §7º, 488, art. 139, IX, 282, §2º, 317, 321, 932, parágrafo único, 1007, §§4º e 5º, 1029, §3º.

[2] Em relação ao agravo de instrumento, a primazia de mérito indica que o Relator deverá, na falta de cópia de qualquer peça ou outro vício que comprometa a admissibilidade, aplicar o art. 932, parágrafo único, do CPC; ou seja, antes de não admitir, há a necessidade de abrir prazo para a correção do vício processual.

[3] “ Art. 1o São feriados nacionais os dias 1o de janeiro, 21 de abril, 1o de maio, 7 de setembro, 2 de novembro, 15 de novembro e 25 de dezembro”.(Redação dada pela Lei nº 10.607, de 19.12.2002).

[4] “ Art. 1º É declarado feriado nacional o dia 12 de outubro, para culto público e oficial a Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil”.

[5] No tema, ver CÂMARA, Alexandre Freitas. O princípio da primazia da resolução de mérito e o novo Código de Processo Civil. Revista Síntese – Direito Civil e Processual Civil, nº 97 (set-out 2015), pp. 9-16.

[6] O Enunciado 593 do FPPC consagra: “(arts. 932, parágrafo único; 1.030) Antes de inadmitir o recurso especial ou recurso extraordinário, cabe ao presidente ou vice-presidente do tribunal recorrido conceder o prazo de cinco dias ao recorrente para que seja sanado o vício ou complementada a documentação exigível, nos termos do parágrafo único do art. 932”.

[7] Vale citar passagem do voto do Min. Gurgel de Faria, no AgInt em ARESp 1.626.002 (1ª Turma – J. em 18.05.2020 – Dje 22.05.2020): “Ressalta-se que a jurisprudência desta Corte Superior é firme no sentido de que a decisão do Tribunal de origem de admissibilidade do recurso especial não vincula o Superior Tribunal de Justiça, o qual procederá a um novo juízo de admissibilidade, uma vez que é competência exclusiva desta Casa a análise definitiva de admissibilidade do recurso. Nesse sentido: AgRg no AREsp 570.216/SP, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 05/04/2017”.

[8] EDcl nos EDcl no AgInt no AREsp 1490163  – Rel. Min. Sérgio Kukina – 1ª T – J. em 17/02/2020 – Dje 20/02/2020.

 

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