Faz de conta que... Sobre o Senhor das Moscas

09/07/2015

Por Elisabeth Bittencourt - 09/07/2015

Às crianças que alegram minha existência...

... antes mesmo dessa turma de meninos cair na ilha do Senhor das Moscas, um outro avião já havia tombado nessa perturbadora ilha. Não sabemos muito sobre esse primeiro desastre, o que sabemos é que quando o avião dos meninos caiu, uma menininha chorava sozinha na ilha, sem saber o que pensar sobre o que lhe havia acontecido. Como assim? Onde ela estava?

Chorou tanto, tanto, que ensopou sua roupa, o que a fazia chorar mais ainda... Para distrair a desgraça pensou em Genivaldo e Genoveva, seu casal de coelhos, que haviam ficado em sua casa. Será que esqueceram de lhes dar a cenoura do dia?

Essa idéia fez Alice chorar mais ainda e precisar nadar na lagoa de suas próprias lágrimas. Nadou um pouquinho - ainda bem que era ótima nadadora! - e resolveu, pela primeira vez, tentar escalar uma pequena pedra para ver o que era que tinha do outro lado.

Aí aconteceu a grande surpresa... Alice vislumbrou uma fantástica praia com um bando de meninos sentados em círculo em volta de uma grande concha semelhante àquela que ela havia ganho de presente de Eloy, seu único amigo menino. Começou a chorar novamente, mas esfregou os olhos, enxugando as lágrimas, assuntando como poderia chegar até a praia... Nessa hora pensou que era melhor ter nascido menino! Como faria para se embrenhar por aqueles matos cheios de pedras e espinhos e chegar até a praia? Ah se ela fosse um menino!

De repente... parecia que Genoveva, sua coelha, lhe segredava no ouvido: vai que dá. Aliviada e confiante sem precisar saber onde estava, embora tudo lhe parecesse inusitado, levantou-se e enfrentou os obstáculos. Acabou achando um túnel de folhagens onde de vez em quando a luz inventava um passarinho vermelho que ela já havia visto na Ilha do Mel.

Movida pela velocidade de um tremor de terra, quando viu!... já estava nas areias da praia, bem pertinho das vistas daquele maravilhoso e estranho grupo de meninos, alguns vestidos de uma forma que ela não sabia identificar. Mas como o insólito havia se tornado o prato do dia, aproximou-se dos meninos que a olharam como se ela fosse...

- A saga dos meninos.

Se você é menino, tem um sonho: viver a aventura de procurar o tesouro que está escondido em alguma ilha encantada. Essa é a primeira sensação de Ralph ao se ver numa ilha cheia de cores, sombras, pedras e grandes desafios. A aventura infantil lhe sorri abrindo seu destino. Por que ele, de pronto, não ficou com medo? Ou será que ficou?

Alice por exemplo, quando se viu na ilha, ficou logo apavorada, salva apenas pelas lembranças de Genoveva e Genivaldo...

Essa saga dos meninos me faz lembrar o mito dos ouriços da família dos aracnídeos. Os humanos se assemelham a esses seres espinhosos? Como fazer, quando se é também ouriço - ou seja tem grilhões - para sobreviver numa ilha em que a meninice da vida não deu tempo ainda para se aprender o pouco que é possível das pedrinhas da trilha da sobrevivência? Mas... como eles mesmos se dizem, na busca de algum rastro, de alguma litura que permita regras de convivência, eles são ingleses, os melhores em tudo. Assim...

Vocês, é claro, sabem o que é um ouriço. Indo atrás dessa esperança espinhosa, penso, inspirada em Freud, que o ouriço é uma tentativa de representar o fio paradoxal da condição humana. A cena do Senhor das Moscas, de William Golding, traz uma estranheza espinhosa reveladora: os mesmos humanos que soltam sua sedução por aí a fim de atrair a sua presa – cruz credo! - ao mesmo tempo amam e desprezam suas conquistas. É a vida... E mais, os semelhantes bem distinguem os espinhos dos outros, mas se fazem de cegos com os seus próprios!

As aventuras desse inusitado grupo de meninos que se formou na ilha do Senhor das Moscas, logo exigiu deles a sobrevivência: vamos precisar criar regras! E ainda por cima aparece Alice?

Imagine uma menina invocada e alegre, cheia de choramingos e vivacidade no meio desse bando de meninos?

- Sobreviver...

Se a saga dos meninos da ilha do Sr. das Moscas traz a precisão da sobrevivência, o que dizer de Aharon Appelfeld, escritor que nasceu em Czernowitz, Romênia e que aos oito anos foi deportado para um campo de concentração na Transmitria? Quase não há o que dizer...

Ele escapa desse campo de trabalho forçado. Passa três anos escondido na Ucrania – terra de Clarice Lispector - e aprende a língua dessa nação que me lembra a miséria exuberante do Maranhão. Aharon precisava saber sobreviver, digamos assim, meio ao léu... Imagino os espinhos e as indignidades que encontrou pelo caminho!

Libertado pelo exército soviético, trabalha como mensageiro para os russos, e é claro, aprende sua língua. Vaga por dois anos pela Europa – com essa idade? - e ainda aprende Outras línguas! Quando chega à Palestina em 1946, com quatorze anos de idade, tinha a cabeça cheia de línguas sem ter uma que fosse sua. Aharon suscita muitas perguntas... A mais espantosa: como sobreviveu? E nós, que não estamos num campo de concentração e achamos dificil sobreviver à nossa existência?

Fascinado pelo desarraigado, Aharon soube se aproveitar dos deslocamentos que a vida lhe aprontou exigindo dele recursos diversos daqueles que indicam a força e a robustez. Philip Roth escreve a respeito: “A inteligência viva sem dúvida é visível, mas onde está a astúcia robusta, o instinto animal, a tenacidade biológica necessária para sobreviver a uma terrível aventura como essa?” (ROTH, 2008, p.28).

A voz, que nasce dessa experiência com o sentimento bruto da desgraça, faz com que escreva e se salve? A sua escrita “(...) tem um tom intermediário entre a amnésia e a memória, e que situa a ficção narrada a meio caminho entre a parábola e a história real” (ROTH, 2008, p. 29).

Para minha surpresa, Aharon inventa um recurso para falar das atrocidades que viveu: cria uma menina – Tzili - como uma personagem que sobrevive dessa dura provação: “A realidade do Holocausto transcendeu qualquer imaginação. Se eu permanecesse fiel aos fatos, ninguém me acreditaria. Mas a partir do momento  em que escolho uma menina, um pouco mais velha do que eu era naquela época, retiro ‘a história da minha vida’ das garras poderosas da memória e entrego-a ao laboratório criativo” (AHARON apud ROTH, 2008, p. 37).

Bem...e a minha Alice? Quantos anos terá?

- Regras de convivência.

Para sobreviver será preciso criar regras! Este parece ser o primeiro petardo simbólico que William Golding lança aos meninos da ilha do Senhor das Moscas.

Assim sem nenhum drama?, pergunta Alice, desorientada com a secura das regras...

Fato é que Ralph e Porquinho forjam as primeiras cenas de encarnação da civilização. A concha achada nesta praia feita de tufos de luz que se espraiam pela nossa admiração pelas palavras que o autor tece, anuncia o mundo simbólico, que – é claro – desde o inicio da história ali esteve presente.

A concha, deslocada do seu habitat, separada de seu estar - digamos assim - plácido nas areias da praia, sai da natureza, passa pelas lembranças de Porquinho e chega às mãos de Ralph como o primeiro petardo que, deslocado de seu simplesmente estar, transforma-se num instrumento civilizatório. A concha tem voz e chama os outros, os reúne. “É pra reunir, vamos guarnicê, essa é a ordem que São João mandou”, canta o cantador do Boi de Pindaré, lá no Maranhão...

Alice bem que ouviu um som que vinha de longe, que lembrava o quê? Não sabia. Ela ficava satisfeita com o não saber, assim podia pensar que aquilo era outra coisa. De onde vem esse som fanhoso e inspirador?

Os meninos e adolescentes da ilha do Senhor das Moscas vão ter que se virar, se revirar para sobreviver... Eles têm um recurso, fazem parte de uma comunidade; são ingleses. Esse traço de identificação, efeito do significante Nação, dá uma sustança para que eles se reúnam e enfrentem os grilhões que a situação de grupo nestas radicais condições promove?

Na verdade, eles já chegam à nossa história fazendo parte de um recorte de identificações que os agrega: faz que eles sejam parte de... Mas nem tudo são flores, luz derramada, conchas, águas claras e frutas na Ilha do Sr. das Moscas. Sabemos que os porcos anunciam o sacrifício no qual eles serão as primeiras vítimas, servindo como matéria bruta para o momento em que o totem é armado, trazendo o vento de Belzebu...

Enquanto isso Alice chora... E eu que não faço parte? Não faço parte, não faço série, não faço... Isso... antes de ela enfrentar as pedras e chegar à praia, encontrando aquela turma meio maluca, esfarrapada, com roupas de pompa e lanças de madeira...

- Fazer parte.

Fazer parte é quase um milagre! Traz a ilusão do pertencimento, aliviando a dor da solidão absoluta que a descontinuidade nos impõe? Como diz Bataille, se você morre, não sou eu quem morre. Entre tantos sentidos, fazer parte ilumina o nascedouro de nossa existência. Traz mamãe, papai, à cena, com todas as insígnias já colocadas no chão da história deste que vem ao mundo. Entrementes... se não há adultos, como constata Jack, então eles próprios terão que cuidar de si!

- Em que se agarrar?

O sujeito da psicanálise é aquele que é efeito de significantes. O que significa dizer que ele não chega a ser, a se definir. Está sempre escapando de si próprio. Evanescente, procura se agarrar em alguma coisa que lhe dê uma referência neste mundo – um conteúdo para um continente: sua imagem e sua fala.

Em sua imagem, que pensa ser própria, crê encontrar seu si-mesmo, seu reflexo, seu lugar de gozo. Por que... qual imagem? Aquela que o espelho trapaceia e lhe devolve invertida? Se fosse possível – ver-a-si-mesmo – a confusão entre o dentro e o fora seria total. Isso vai ter consequências...

A imagem que me suporta não passa de um suporte que me sustenta nessa precariedade do existir. Diante de tal carência, o que dizer da imagem do outro? Aquele a quem posso olhar mesmo mantendo uma certa distância? Posso me ver no outro, eu que nem consigo ver a mim mesmo? Que ilusão é essa? Como vou reconhecer num outro aquilo que me é particular?

Freud diz que a identificação é o laço mais primitivo que há. Ou seja: me identifico... com outrinhos, com estilos, cores, enquadres e esquadros. É pela via de traços de identificação que meu sujeito vai se constituir. Assim, ao desamparo que me sustenta, reconheço no outro algo que nos aproxima. A ilusão da especularidade me alivia! Assim, posso saber a quem me assemelho e fazer parte de...

Gérard Pommier coloca que “(...) a raça, religião, a ideologia, lhe permite com que reconheça seu irmão e se assegure de sua própria existência” (POMMIER, 1989, p.18). No entanto, Isso que me aproxima do outro, ao mesmo tempo me afasta. Essa é a parábola da aventura de meninos – e mais uma menina – na ilha do Senhor das Moscas. O próximo é suporte de semelhanças; através da função que ele presentifica, passo a fazer parte da massa: me alieno nessa imagem fugidia.

E mais, se o meu semelhante serve para me consolar de minha incompletude, serve também de suporte para uma ameaça sempre renovável: de quem se trata esse que tanto reconheço? Será ele melhor do que eu? Ou mais bela do que eu? Tanto faz! Efeitos de alienação e agressividade são o que emana da ilusão gerada pela especularidade.  Mas quais os efeitos dessa aparente especularidade sobre a massa? Como diz Pommier (1989, p.21): “O indivíduo, longe de preexistir à massa, é, ao contrário, produzido por ela. A pessoa é apenas o resultado da relação com o semelhante” (1989, p. 21). Seria então o sintoma um eixo comum - do qual emana mal-estar - entre o indivíduo e as formações sociais?

- E na ilha do Sr. das Moscas?

O que sabemos é que na ilha do Senhor das Moscas, logo que Porquinho começa a pensar e assuntar com Ralph: Onde estão os outros? Será que morreram? Nem o pai de Ralph – capitão da marinha - lá está! Diante desse vazio de pai, operador significante da Lei, o que importa é: “Precisamos achar os outros. Precisamos fazer alguma coisa” (GOLDING, 2003, p. 17).

Essa frase convoca algum expediente para os humanos, é preciso tomar providências, agir, fazer alguma coisa – cuidar, como se diz no Maranhão: vais ter que sair dessa rede e ir atrás... Ela é mágica! Carrega consigo uma espécie de convocação que enunciamos a fim de que será preciso realizar algo da ordem do irrealizado: o inconsciente clama por realização.

A partir daí, na ilha do Senhor das Moscas, as insígnias do humano vão sendo achadas, banhadas pelo mar que fazia Ralph “sonhar prazerosamente”... Após a concha ser achada e colocada no lugar de uma espécie de sputinik simbólico, todos se encontram e começa o jogo cara a cara:

“ – Temos que resolver sobre nossa saída daqui”, diz Jack, chefe do coro e caçador de porcos selvagens.

- Calem-se disse Ralph distraidamente. Levantou a concha. Acho que teremos que ter um chefe para decidir as coisas.

- Um chefe, um chefe.

- Eu devo ser o chefe – disse Jack com arrogância, - pois sou chefe do coro e solista. Posso cantar em dó sustenido.

- ...vamos fazer uma votação (GOLDING, 2003, p.26).

É incrível que em tão pouco tempo, rapidamente, os recursos do mundo civilizado e adulto venham à cena, acionando a trama que se seguirá, como consequência desse ato inaugural: é preciso um chefe! Sem ele, a catástrofe seria permanente, apesar da dupla face que o chefe encarna: júbilo e angústia. É preciso alguém que sustente esse lugar de onde jorram bons motivos para que se faça assim e não assado: manter a fogueira acesa, por exemplo. A fumaça daria o sinal de que ali havia sobreviventes.

Está instalado, supostamente, o melhor dispositivo que os humanos encontraram para viver nos atuais tempos: a democracia. Nem todos concordam, mas se você vota, algum milagre acontece: a maioria decide. Serve pra quê?

Ralph é eleito, já tendo em seu rastro seu inimigo mais próximo, Jack, fazendo-nos sentir desde já o cheiro da discórdia que vai se instalar num futuro próximo. Nós, como leitores, ficamos nos perguntando sobre o que vai acontecer, já que sabemos que os humanos costumam se entregar a atos criminosos com uma certa facilidade, reatualizando a alienação e a agressividade que nos constitui. Como farão esses meninos para sobreviver em condições tão adversas?

- Alice chega à praia.

Enquanto os meninos votam para escolher seu líder, assunto de suma gravidade, Alice chega à praia sem saber o que ia lhe acontecer... Escuta ao longe aquele rumor de vozes. Dá gritinhos de alegria: agora vou ter com quem brincar...

Ralph e Porquinho, assim que a menina chega, ficam estupefatos! Espantados com aquela menina que falava pelos cotovelos e não parava de perguntar:

Vocês viram Genivaldo e Genoveva? A última vez que os vi eram 9:10 h. do dia... Alice cai em prantos... Descobre que não sabe mais das horas: há quantos dias estava nesta ilha que não tinha relógio? Como ia saber das horas? Onde estariam Genivaldo e Genoveva? Será que alguém havia lhes dado a cenoura do dia?

Enquanto isso Ralph pensava: só me faltava essa? Uma menininha!

- Que perturbações pode uma menina causar num grupo como esse?

Muitas, tenho certeza! Se os humores da civilização já pegaram Ralph e Jack que trouxeram consigo as pedrinhas da lei e da Lei, é claro que os humores amorosos e sexuais já vigoravam nos corpos desses jovens meninos. Uma menininha desperta afetos...

Como abri a possibilidade de inventar, posso dizer que eles, ao verem Alice aparecer, acreditaram que estavam mesmo numa ilha onde o estranho e o improvável dominavam a cena. Só faltava mesmo lhes passar pela frente Genivaldo e Genoveva!

Uma menininha traz a possibilidade daquele primeiro grande amor romântico, coisa de suma importância na vida de um ser. Uma espécie de inspiração sexual, conforme um analisando me contou que aos sete anos se apaixonou perdidamente por uma menina...

Talvez seja aquela coisa que Dorival Caymmi conta, que a primeira lembrança musical que ele tem de sua vida foi de quando tinha sete anos e havia se apaixonado por uma menina que morava em sua rua. Naquele momento teve sua primeira inspiração musical. Ainda existem homens assim?

Alice mexe com os afetos de Ralph e Jack e agora, além de eles terem que dar conta para que os sinais da civilização estejam presentes – a fumaça como um sinal, para que os possíveis salvadores saibam que ali há gente e, como diria Jack, é preciso carne para se comer –, eles vão precisar se arranjar com afetos românticos e sexuais que lhes invadem o peito e rasgam sua carne...

Quer dizer que eu já mandei essa menininha embora e ela continua a invadir o meu texto!

Certo é que numa situação de um grupo de meninos isolados nessas circunstâncias, uma menininha provoca desvios de percurso. Ela passa a ser o anel da brincadeira que circula entre os brincantes. Aquele que estiver com o anel num certo momento, ganha o jogo. Ou seja: ela circula encarnando o falo. Vamos imaginar então que ela, ao encarnar o falo, passe a ser objeto da disputa de Ralph e Jack.

Se ela passa a ser signo de poder entre eles, eles a disputarão. Não propriamente ela, mas aquilo que ela representa: o poder, o falo que já está sendo disputado desde o primeiro momento em que Jack diz que ele devia ser o líder porque cantava em fá sustenido...

Uma menininha colocaria nuances nessa disputa que poderia terminar em tragédia ou não... Depende da escrita que me leva? Se os seres falantes são desamparados, não sabem suficientemente sobre si e buscam num outro traços de identificação que lhes certifiquem de sua própria existência, a menininha passa a encarnar os fetiches da disputa que no caso da ilha do Senhor das Moscas, esteve presente desde o início.

Será que uma menininha, por ser a encarnação do estranho e da fascinação, como tão bem Picasso pintou, mudaria o rumo do medo que surgiu no lusco-fusco da existência desses meninos? A grande possibilidade é que a tragédia seja maior?

Ela, por ser diferente, promoveria afetos diversos nos meninos que não sei bem precisar – precisaria me dedicar mais ao assunto. Ao mesmo tempo será que Alice poderia promover um apaziguamento na agressividade deles? Alienados nela, eles ficariam mais civilizados?

Pode ser também que ela não seja tão boazinha assim e coloque fogo na fogueira, atice a rivalidade – como costuma facilmente acontecer - e a coisa pegue mais fogo ainda. Aí acredito que a cena final será tão desastrosa que nem quero pensar...

Todo mundo sabe, a torto e a direito, que a presença de uma menina entre meninos provoca alterações... Não só porque ela traz em seu corpo esculpida a diferença, como também porque quando ela fala exibe as insígnias da feminilidade. Mesmo sendo uma menininha?

Ontem mesmo, já aqui em Curitiba, escutei da Valentina, uma menininha de cinco anos, que a ela só importava ser bela, linda, princesa, uma flor. Eu, provocativamente argumentei: mas você não é uma flor de verdade, duvidando dos poderes femininos que dela já emanam! Ela, meio indignada, me respondeu: “Sou sim! Mamãe me chama de flor”. E quem é que pode duvidar?

Bem... entre os sobreviventes estava Alice. O momento seria grave e consternado se Alice não tivesse visto passar, rápidos como um tremor de terra, Genivaldo e Genoveva. Será?


Notas e Referências:

[1] Psicanalista. Membro da Escola Lacaniana de Psicanálise do Rio de Janeiro. Consultora da Secretaria de Saúde do Pará no projeto de combate à violência contra crianças e adolescentes.

CARROL, Lewis. Aventuras de Alice no país das maravilhas. Tradução de José Vaz Pereira e Manuel João Gomes. Lisboa: Afrodite, 1976.

GOLDING, William. O Senhor das Moscas. Tradução de Geraldo Galvão Ferraz. Rio de Janeiro: O Globo; São Paulo: Folha de São Paulo, 2003.

POMMIER, GÉRARD. Freud apolítico? Tradução de Patrícia Chitonni Ramos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.

ROTH, Philip. Entre nós: um escritor fala de seus trabalhos. Tradução de Paulo Henriques Britto. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.


Sem título-1 .

Elisabeth Bittencourt é Psicanalista e Escritora. Membro da Escola Lacaniana de Psicanálise do Rio de Janeiro. Membro do Núcleo de Direito e Psicanálise do Programa de Pós Graduação em Direito da Universidade Federal do Paraná – UFPR.                                                                                                                                                                                                                                                                               


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