Por Naiara Czarnobai Augusto – 08/10/2016
Uma tendência jurídica bastante relevante no cenário atual é a necessidade de proteção do direito de propriedade no ramo do direito da moda, que inclui todo o processo criativo e, inclusive, o formato de apresentação das coleções nas passarelas e as embalagens utilizadas para entrega dos produtos aos clientes. Tudo depende da questão de fidelizar a marca e de torna-la individual num mercado cada vez mais competitivo e de criações com pouca ou rara originalidade.
Para compreensão dos temas, faz-se necessária uma breve introdução da evolução do direito de propriedade intelectual no Brasil. E vamos começar desde o início desta nação.
Pois bem. Quando o Brasil era colônia de Portugal somente poderia manter relações comerciais exclusivamente com a terra de Cabral (pacto colonial). Foi o Dom João V que outorgou ao brasileiro Bartolomeu Lourenço Gusmão a primeira patente nacional (23/3/1707). Ainda assim toda a exploração e a produção em território brasileiro eram extremamente controladas pelos monarcas portugueses.
A promessa de desenvolvimento foi lançada pela família real portuguesa que aqui se instalou após fugir do exército francês em 1808. Na sequência, houve a liberação dos portos brasileiros, especialmente focando-se na nação inglesa, para permitir a remessa de maquinário para inaugurar a fase industrial no Brasil, o que se perfectibilizou a partir do alvará concedido em 1/4/1808. Aproximadamente um ano após, o príncipe regente reconhece a propriedade industrial para declarar aos inventores de alguma nova máquina o privilégio exclusivo de gozo, além das recompensas pecuniárias pelo prazo máximo de 14 anos.
Convém lembrar que foi em 1824 que foi outorgada a primeira Constituição do Império Brasileiro, documento que já abordava os direitos de propriedade do inventor. Em 1830 foi promulgada a lei de patentes, disciplinando a concessão dos privilégios industriais, além de garantir os direitos de propriedade do inventor e o uso exclusivo da respectiva invenção. Esta norma também reconhecia os mesmos direitos a quem aperfeiçoasse os inventos, premiando quem implantasse a indústria no país.
Com a relevância da atuação da diplomacia brasileira, em 1886 o Brasil foi signatário da Convenção de Berna, que tratou dos Direitos Autorais. E seguiu até 1923 o registro de marcas pelas Juntas Comerciais, criando-se por meio da Lei n. 4.632/23 a Diretoria-Geral de Propriedade Industrial.
Em 1933 o Departamento Nacional da Indústria e o Departamento Nacional de Comércio foram consolidados sob a denominação Departamento Nacional da Propriedade Industrial (DNPI).
O primeiro Código de Propriedade Industrial data de 27/08/1945, lançado após a Segunda Guerra Mundial, e objetivava reerguer a indústria brasileira. Posteriormente, foram realizadas atualizações normativas em 1967 e 1969, e esses direitos foram preservados nas Constituições de 1946, 1967 e 1969, e estão elencados na Constituição Federal em vigor.
Atualmente, o Instituto Nacional de Propriedade Industrial é a autarquia responsável pela concessão de patentes e registros de marcas no país. Diversas normas regulamentam o assunto para criações específicas, sobretudo em razão do desenvolvimento tecnológico, garantindo-se , assim, a preservação dos direitos de propriedade.
Conforme a Convenção da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), esta classe de direitos se subdivide em direitos do autor e direitos da propriedade industrial. Os primeiros têm por objeto criações de caráter científico, artístico ou intelectual, que não guardam critérios de utilidade ou de aproveitamento industrial, e são regulados pela Lei n. 9.610/98. Já os segundos, têm por objeto as patentes de invenção, os modelos de utilidade, os desenhos ou modelos industriais, as marcas de fábrica ou de comércio, as marcas de serviço, o nome comercial e as indicações de proveniência ou denominações de origem, inclusive a repressão da concorrência desleal, e são regidos pela Lei n. 9.279/96.
Feito esse resumo introdutório, avançamos para a aplicação do direito de propriedade no direito da moda, também conhecido como Fashion Law, com a finalidade de garantir a proteção jurídica do processo criativo, com isto coibindo a reprodução não autorizada de itens inventados por fashionistas.
A contrafação de modelos, conhecida como falsificação, e a cópia de designs causam a desvalorização dos produtos originalmente criados, já que disseminam uma variação de qualidade quase sempre inferior ao objeto copiado, assim resultando prejuízos significativos para esse nicho do mercado que no Brasil fatura aproximadamente R$ 120 bilhões anuais.
Ressalva-se que não é qualquer produto de moda que pode obter especial proteção pelo direito de propriedade intelectual, mas somente aqueles que revelam determinado grau de criatividade e originalidade.
O desenho industrial do design de um produto pode garantir ao criador de uma peça de vestuário, acessório ou calçado, a proteção da Propriedade Industrial pela Lei n. 9.279/96. Caso esse mesmo produto possua características que permitem concluir se tratar de uma criação de natureza artística, como no caso da alta costura, poderá ser aplicada a Lei n. 9.610/98, que cuida dos direitos autorais.
A concessão de registro pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) garante tutela ao desenho industrial a partir da criação de formas originais, novas e distintas, de modo que ninguém poderá reproduzi-lo além do respectivo titular do registro.
Como esse registro depende dos critérios de distintividade, originalidade e novidade, há um número elevado de rejeições de pedidos formulados ao INPI, uma vez que não se coadunam com os requisitos para a proteção do design pelo reconhecimento do desenho industrial. Alternativamente, busca-se a solução de garantir outras criações menos originais pelo direito do autor, cuja lei não prevê um rol taxativo de direitos a serem protegidos, viabilizando tentativas de aplicações analógicas.
Também há a possibilidade de proteção do denominado “conjunto-imagem” (trade dress), ou seja, em relação à identidade visual de uma marca ou produto que impede sejam utilizados por outra empresa com a mesma aplicação ou variação. Com isto, o conteúdo visual de uma determinada marca não pode ser utilizado de modo a confundir os clientes, sob pena de configuração do que a Lei de Propriedade Industrial chama de ‘concorrência desleal’.
Nomes renomados da moda já enfrentaram demandas judiciais para solucionar contendas relativas à suposta “inspiração copiada”, como o solado vermelho de Christian Louboutin, que cautelosamente registrou em Nova Iorque o seu direito de propriedade industrial, e com isto buscou judicialmente impedir que a marca Yves Saint Laurent repetisse em sua coleção a ideia de 1970 de lançar sapatos monocromáticos (couro e sola) no tom vermelho.
Apesar de reconhecido o direito exclusivo de Laboutin usar o solado vermelho em todas as coleções, a YSL conseguiu judicialmente autorização para continuar comercializando a coleção monocromática, desde que, na opção do sapato vermelho, não houvesse destaque diferenciado para o solado.
Bem antes disso, Coco Chanel já havia garantido através da legislação francesa a impossibilidade de repetição dos seus modelos pelo sistema de direitos do autor. Diversos outros casos frequentemente são discutidos em cortes judiciais de todo o mundo, e em breve demandas desta natureza serão comuns no Poder Judiciário brasileiro.
Para quem implicar em uma das condutas tipificadas pelo sistema de proteção à propriedade intelectual, as penalidades podem ensejar a busca e apreensão de produtos contrafeitos (falsificados), indenização por perdas e danos, além de sanções penais como a detenção e, inclusive, reclusão. Ademais, quem adquire uma Louis Vuitton nos mercados populares não só colabora para o contrabando de mercadorias falsificadas, como também pode incentivar o trabalho escravo, com remuneração mínima e condições degradantes para os encarregados pela reprodução em série com baixa qualidade, como fazem os que trabalham na ilegalidade.
Em conclusão, pela peculiaridade do assunto, evidencia-se que o direito da moda é um mercado promissor para o exercício da advocacia, ainda timidamente atuante nesse ramo jurídico, seja no aspecto preventivo ou contencioso. As oportunidades de atuação são muitas em relação ao direito de propriedade intelectual, sobretudo na era da internet, que viabiliza a multiplicação desenfreada de conteúdos e materiais a respeito do mundo fashion, facilitando “inspirações fakes”.
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Naiara Czarnobai Augusto é Graduada em Direito e Especialista em Direito Penal e Processual Penal. Atualmente trabalha no Núcleo Técnico Especializado e no Núcleo de Inteligência do Centro de Apoio Operacional Técnico do Ministério Público de Santa Catarina, ao qual está vinculado o Laboratório de Tecnologia no Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (LAB-LD) do MPSC.
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