Expectativas e Frustrações

07/09/2022

Nas questões amorosas, as palavras sofrem para revelar realidades. Como dizer sobre a vida mal finda de tantos casais? Os começos tão bonitos, tanto enlevo; os fins, desastrados e odiosos. Isso me põe a refletir que as convivências acumulam muito mais rancor do que felicidade, fazendo-as perigosamente explosivas. 

Talvez a felicidade nos valha menos do que nos vale o rancor. Ou a felicidade se gasta e os rancores se multiplicam e são armazenados. Quando uma convivência se encerra, parece-me, as animosidades que ela guardava já não cabiam mais nela, então acontece a explosão que espalha ressentimentos para todos os lados. 

Vai-se até a dignidade. As almas ressentidas se ofendem com as entranhas da intimidade do casal. Acontece porque amantes, como deve ser, se desacautelam; depois, o triste: insultam-se com o colhido na confiança que os amantes incautos se dão. 

Uma coisa é certa: ao começarmos um relacionamento, importa pouco o que se sente; vale mais o que se faz o outro sentir. Isso é sedução. Sedução é o encantamento do outro, é o jogo de conquista. A vida amorosa tem sentido enquanto o vínculo vem das vontades seduzidas, não das vontades submetidas por qualquer controle. 

Sedução é uma palavra de má origem. Comporta significados tais como deslumbrar, fascinar. O Aurélio, contudo, registra: “Inclinar artificiosamente para o mal ou para o erro. Enganar ardilosamente. Desonrar, recorrendo a promessas, encantos ou amavios”. Quando seduzimos alguém, pois, somos suspeitos de tudo isso; em verdade, fazemos tudo isso. 

A.­G.R. e eu conversamos sobre essas coisas. Ela postou no seu Facebook: “A decepção acontece quando você descobre que o caráter de uma pessoa não combina com o belo sorriso que ela expressa; a prova fica por conta das atitudes”. 

Comentei: “Penso que a decepção acontece quando se frustram nossas expectativas. O outro não tem que cumprir o mapa que traçamos para o comportamento dele. Nós desenhamos um ideal de alguém que, muitas vezes, nem sabe disso”. 

A­.G.R. insiste em responsabilizar o outro: “Mas quantas vezes não somos enganadas por sujeitos propositadamente travestidos? Quantas vezes pessoas disfarçadas não deixam suas máscaras caírem?” 

Contesto: “Muitas, claro; nós, afinal, usamos máscaras. Preocupam-me, contudo, as máscaras que nós, por conta nossa, pespegamos em outras pessoas, e nos iludimos, então, concluindo que elas são o que queremos fazê-las ser. Quando a realidade nos mostra outra coisa, decidimos que o outro mudou. É provável que o outro, apenas, não seja o que gostaríamos que fosse”. 

Reconheço que o outro pode, de fato, produzir-se mentirosamente, mas não retiro a minha responsabilidade em aceitar ilusões: “O outro talvez não seja o que aparentou ser, mas todos entramos em uma relação dando indícios de como somos. Contudo, não falta quem constitua ilusoriamente o outro e depois não o encontre na vida real. Também há quem conte com mudar o outro, com reformatá-lo no transcorrer da convivência”. 

Penso, emendo: “De fato, todos carregamos conosco sinais da nossa revelação. Nós nos dizemos em várias atitudes. Os outros podem nos ler; nós podemos ler os outros muito mais do que confessamos que poderíamos ter feito. Não olhamos, exatamente, com olhos de querer ver”. 

A.­G.R. aduz, com razão, que se deve considerar cada caso. Concordo que há muitos trapaceiros circulando, insinuando-se por aí. Eles são responsáveis por suas trapaças. Essa é a culpa dos ardilosos: os ardis. Nos casos de conquista afetiva, essa é culpa do outro. 

Agora, a nossa: nós somos os responsáveis por nos jogarmos, por conta de nossa avidez de amor, nos enganos da ilusão, essa “promessa de prazer, felicidade, durabilidade etc. que se revela decepcionante, dolorosa ou efêmera” (Houaiss). E ilusão gera expectativa, uma “esperança fundada em supostos direitos, probabilidades ou promessas” (Aurélio). 

Supostos direitos. Direitos que, constituídos por nós mesmos, supomos serem os nossos. Não é incomum nos sentirmos titulares de direitos que o outro não nos deve; direitos que, não obstante nossa imaginativa fantasia, o outro jamais nos deveu. Aliás, bem pensando: direitos que jamais alguém tem sobre alguém. 

Esse outro talvez nos tenha vindo com cantos sedutores, mas nós igualmente contribuímos com o desfecho desastrado, seja edificando nossas ilusões por sobre promessas inverossímeis, seja planejando ditar o modo e conteúdo do outro com base nas nossas expectativas. Daí advém o que é arrematado em ditado popular: “O laço de afeto é feito nó cego”. 

A.A. postou no seu Facebook: “Ainda não sei ao certo se as pessoas mudam ou apenas se revelam.” Ora, bem, todos mudamos, seja quando revelamos, seja quando somos revelados, embora só anotemos e reclamemos as transformações do outro. Nós mesmos, todavia, também vendemos ilusão e entregamos realidade. 

Sabemos disso e, ademais, sabemos exatamente quando todo esse jogo já se deteriorou. Aí, muitos mostram a sua pior parte: perdem as ilusões, mas não largam suas expectativas sabidamente sem lastro. 

Não sei, mesmo, narrar esse momento em que os devaneios caem na real, mas o sonhador não cai na realidade. Os sentimentos apaixonados destilam ódio. A raiva partilha-se em apego à obstinação. Sobra esperança de que outro surja do outro que imaginei e não aconteceu. Sobra nada, pois. Os sensatos se deixam ir dessa situação.

 

Imagem Ilustrativa do Post: mask // Foto de: stefanos papachristou // Sem alterações

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