Por Renato Pessoa Manucci – 02/06/2016
Nesse breve ensaio pretende-se, a partir da análise de acórdão do STJ, analisar algumas peculiaridades do objeto da exibição de documento ou coisa, especialmente para aprofundar o estudo de seu (des) cabimento em matéria de natureza administrativa. Eis o teor da mencionada decisão:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. AÇÃO DE EXIBIÇÃO DE DOCUMENTOS EM MATÉRIA DE NATUREZA ADMINISTRATIVA. NECESSIDADE DE INFORMAÇÕES PÚBLICAS DE INTERESSE PESSOAL PARA O FIM
DE INSTRUIR AÇÃO JUDICIAL. DIREITO CONSTITUCIONAL À INFORMAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE DOCUMENTO (COISA) A SER EXIBIDO, SENÃO INFORMAÇÕES CONSTANTES EM BANCO DE DADOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. IMPOSSIBILIDADE DE AÇÃO EXIBITÓRIA COMO SUBSTITUTIVA DE HABEAS DATA.
1. A questão nos autos indaga saber se é cabível ação de exibição que tenha por objeto informações detidas pela Administração Pública, as quais podem ser materializadas na forma de documentos, eletrônicos ou não, para que tais documentos sejam utilizados como meio de prova em processo judicial.
2. Julgou a Corte a quo que "a ação de exibição de documentos tem como pressuposto a negativa de uma parte fornecer determinados documentos, já existentes, que se encontram em seu poder. Portanto, não há como admitir o pedido de exibição de documentos que não existem, como no caso dos autos, em que a pretensão da autora depende da confecção de certidão e planilha, contendo informações que ainda deverão ser apuradas pelo demandado".
3. Não é cabível a ação de exibição de documentos que tenha por objeto informação não materializada em documento (coisa).
4. "Se a palavra documento é, fundamentalmente, utilizada como sinônimo de 'prova literal', nem por isso deixa de ser o documento uma coisa; e é, também, usada em sentido algo diverso. [...] Além do mais, é prova real (do latim 'res, rei'), dado que todo documento é uma coisa" (ARRUDA ALVIM. Manual de Direito Processual Civil. 13ª ed., rev., atual., e ampl. Revistas dos Tribunais: São Paulo, 2010, pág. 973).
5. Exibir, conforme lição de Ulpiano no instituto "de libero homine exhibendo" do Digesto, é trazer a público, dar ao homem o poder de ver e tocar: "Exhibere est in publicum producere, et videndi tangendique hominis facultatem praebere" (D. 43, 28-29).
6. Não há que se confundir entre o dever de a Administração Pública prestar, em tempo razoável, informações - tal como concebido, p. ex., no artigo 1º da Lei nº 9.051 de 1995, em atenção ao art. 5º, XXXIV, "b", da CF -, e o dever de exibir documentos, ainda que tais documentos sejam apenas reprodução física ou eletrônica de tais informações.
7. O alargamento da concepção de documento na ação de exibição, para abarcar informações não cristalizadas é repreensível, visto que o direito à informação pode ser sindicado pela via própria (cf., a respeito, o disposto no art. 5º, LXXII, "a", da CF: "conceder-se-á habeas data: para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público").
8. A demora no atendimento de pedido formulado na via administrativa não enseja a abertura do expediente processual utilizado - ainda que se conceba, em abstrato, o direito da parte às informações solicitadas -, porque não demonstrada a existência do documento (coisa) que se pretende exibir, senão a possibilidade dele ser expedido e confeccionado a partir das informações detidas pela Administração Pública.
9. Não é menos certo que as informações inseridas em ambiente virtual - seja em banco de dados, seja em sistema próprio dos órgãos e entidades da Administração Pública -, devem, juntamente com os arquivos físicos, serem utilizadas para fins de atendimento da medida cautelar de exibição de documentos quando apropriado, o que não constitui direito potestativo da autora é o direito de obrigar a Administração a transformar a informação que pertine em documentos.
10. Recurso especial não provido.[1].
A exibição de documento ou coisa é meio de prova de que se vale a parte para obter determinado documento, já existente, que se encontra em poder da parte contrária ou de terceiros. No CPC de 1973, era possível tanto incidentalmente no curso do processo de conhecimento quanto de forma autônoma por meio de ação cautelar.
O objeto, portanto, da referida espécie probatória são os documentos ou as coisas que estejam na posse da parte adversária ou de terceiros. Entretanto, “o documento ou coisa a ser exibida terá, obviamente, que manter algum nexo com a causa, para justificar o ônus imposto à parte ou ao terceiro possuidor”[2].
A compreensão do instituto, contudo, pressupõe a correta definição do que se entende por documento ou coisa e da especificação dos terceiros que ficam sujeitos a eventual provimento jurisdicional. Primeiramente, é preciso ressaltar que, embora seja um meio típico de prova, a exibição não deixa de constituir uma dimensão da prova documental, de onde se extrai o seu conteúdo. Por isso, a definição de documento deve ser buscada nas disposições relativas à prova documental.
“A ideia de documento sugere, em um primeiro momento, a de prova escrita, de um conjunto de palavras e expressões que usam o papel como suporte”[3]. De outro lado, em sentido amplo, documento seria qualquer coisa capaz de representar um fato, independentemente do suporte em que materializado.
Os arts. 422 e 423 do CPC de 2015 indicam que o ordenamento jurídico processual filia-se à concepção ampliativa, pois admite como documento qualquer reprodução mecânica, como a fotográfica, cinematográfica, fonográfica, dentre outras. Vale dizer, não há uma preponderância do papel como suporte da declaração de vontade objeto do documento. Logo, pode ser objeto de exibição qualquer documento, desde que existente no momento do pedido.
É preciso investigar, ainda, quem detém a posse do documento, o que influencia tanto o cabimento quanto o procedimento da exibição. Evidentemente que se o documento estiver em poder da parte interessada, deverá apresentá-lo com a petição inicial ou a contestação, não havendo maiores complicações para a produção da prova documental.
Caso o documento esteja na posse da parte contrária ou de terceiros, será lícito a parte requerer sua exibição em juízo, na forma dos arts. 396 a 404 do NCPC. Terceiros, aqui, compreende qualquer sujeito que não integre a relação jurídica processual, lembrando que parte é aquele que, direta ou indiretamente, mantém contato com a situação deduzida em juízo.
Além disso, somente são sindicáveis pela via da exibição documentos que estejam em poder de terceiros particulares. Tratando-se de documento com conteúdo de natureza administrativa, existem mecanismos próprios para sua obtenção, a exemplo do o habeas data. Ademais, a parte pode intentar a ação e requerer ao magistrado que requisite eventuais documentos produzidos ou arquivados em repartições públicas, nos termos do art. 438 do NCPC.
É bem verdade que o novo Estatuto Processual extinguiu a ação cautelar de exibição de documento ou coisa, o que poderia, em uma leitura apressada, sugerir que o entendimento está superado. No entanto, importa registrar que mesmo à luz da nova legislação é possível a produção antecipada de provas, desde que preenchidos os requisitos dos arts. 381 a 383 do NCPC. Consequentemente, a exibição pode ser postulada em ação própria, mantendo aplicável o entendimento firmado em sede jurisprudencial.
Nesse caso, buscando-se documento de natureza administrativa, “se o mérito da causa consome-se na simples exibição do documento ou coisa, sem qualquer caráter preparatório, pode ser o caso ainda de habeas data (art. 5º, LXXII, CF; Lei 9.507/1997)”. De fato, a teor do art. 5º, inciso LXXII, alínea “a”, da Constituição, “conceder-se-á habeas data para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público”.
De resto, inexiste interesse processual na postulação para acesso a informações consideradas proativas, que são aquelas cuja publicação independem de requerimento do interessado. Em outras palavras, a denominada publicidade proativa “consiste na obrigação dos órgãos públicos, por iniciativa própria, de publicar e tornar acessível a todos as informações sobre suas atividades, medidas e políticas.”[4]. Nesse sentido reza o caput do art. 8º da Lei 12.527, de 18 de novembro de 2011, que “é dever dos órgãos e entidades públicas promover, independentemente de requerimentos, a divulgação em local de fácil acesso, no âmbito de suas competências, de informações de interesse coletivo ou geral por eles produzidas ou custodiadas”.
Eventual omissão do Poder Público ou mesmo negativa de acesso à informação, com o indeferimento injustificado de requerimento da parte interessada, vulnera o direito fundamental insculpido no 5º, inciso XXXIII, da Constituição Federal, autorizando a impetração de mandado de segurança para a concretização do mencionado direito, ou habeas data quando se tratar de informação de caráter pessoal do impetrante.
Em suma, em matéria de natureza administrativa, é incabível a exibição de documento ou coisa, havendo variados instrumentos na legislação idôneos a tutelar o direito da parte interessada, a exemplo do habeas data e do mandado de segurança, além do pedido de requisição ao magistrado competente no bojo do processo de conhecimento.
Notas e Referências:
[1] STJ, REsp 1.415.741/MG, 2ª T., rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 03.12.2015, DJe 14.12.2015.
[2] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Vol. 01: Teoria Geral do Direito Processual Civil e Processo de Conhecimento. 55ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 1479.
[3] GONÇALVES, Marcus Vinícius Rios. Direito Processual Civil Esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 373.
[4] RODRIGUES, João Gaspar. Publicidade, transparência e abertura na administração pública. Revista de Direito Administrativo, v. 266, maio-ago. 2014, p. 108.
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Renato Pessoa Manucci é advogado; Procurador Jurídico da Câmara Municipal de Bragança Paulista; Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais; Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais; professor tutor do curso de Pós-graduação latu sensu em Direito Processual Civil da Estácio-CERS e Professor Universitário.
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