EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA COMO DECORRÊNCIA DA CONDENAÇÃO PROFERIDA PELO TRIBUNAL DO JÚRI

19/05/2022

O Superior Tribunal de Justiça, em recente publicação da edição n. 185 do “Jurisprudência em Teses”, que trata do chamado Pacote Anticrime, fixou o entendimento, por meio da Tese n. 10, segundo o qual “Apesar da alteração legislativa promovida pela Lei n. 13.964/2019 no art. 492, I, ‘e’, do Código de Processo Penal - CPP, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal entende que é ilegal a execução provisória da pena como decorrência automática da condenação proferida pelo Tribunal do Júri, salvo quando demonstrados os fundamentos da prisão preventiva.”

O tema não é novo e já foi objeto de análise em artigos anteriores nesta nossa coluna.

Como é sabido, a Lei nº 13.964/19, denominada Lei Anticrime, que operou sensíveis mudanças no processo penal brasileiro, inovou ao modificar a redação da alínea “e” do inciso I do art. 492 do Código de Processo Penal, estabelecendo que o juiz presidente do Tribunal do Júri, ao proferir sentença, em caso de condenação, “mandará o acusado recolher-se ou recomendá-lo-á à prisão em que se encontra, se presentes os requisitos da prisão preventiva, ou, no caso de condenação a uma pena igual ou superior a 15 (quinze) anos de reclusão, determinará a execução provisória das penas, com expedição do mandado de prisão, se for o caso, sem prejuízo do conhecimento de recursos que vierem a ser interpostos”.

Inclusive, a nova lei também inseriu o §4º ao referido artigo, estatuindo que “a apelação interposta contra decisão condenatória do Tribunal do Júri a uma pena igual ou superior a 15 (quinze) anos de reclusão não terá efeito suspensivo.”

Por meio desse dispositivo, o legislador pretendeu afirmar a prevalência da soberania dos veredictos sobre o princípio da presunção de inocência.

Nesse sentido, o art. 5º, XXXVIII, da Constituição Federal, enumera os quatro princípios fundamentais pertinentes ao Tribunal do Júri, sendo a soberania dos veredictos aquele de maior envergadura democrática, na medida em que a vontade do povo se manifesta pura e cristalinamente, sem interferência da ciência do Direito, revelando a Justiça em sua forma mais explícita, se sobrepondo a qualquer outro postulado, por mais correto que seja.

Não se desconhece que o Supremo Tribunal Federal decidiu, nas ADCs n. 43, 44 e 54, pela constitucionalidade do art. 283 do Código de Processo Penal. Dessa forma, ressalvadas as hipóteses em que estão presentes os requisitos para a decretação da prisão preventiva, é constitucional a regra que prevê o esgotamento de todas as possibilidades de recurso para que somente então seja iniciado o cumprimento definitivo da pena.

É bem verdade, também, que a questão está sendo apreciada pelo próprio Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário n. 1.235.340/SC, cujo julgamento ainda não foi concluído.

Referido “leading case”, que sustenta a repercussão geral da questão constitucional debatida, é objeto do “Tema 1068”, sob o título “Constitucionalidade da execução imediata de pena aplicada pelo Tribunal do Júri”, com a seguinte descrição: “Recurso extraordinário em que se discute, à luz do art. 5º, inciso XXXVIII, alínea ‘c’, da Constitucional Federal, se a soberania dos vereditos do Tribunal do Júri autoriza a imediata execução de pena imposta pelo Conselho de Sentença.”

Até o momento, no julgamento do Recurso Extraordinário n. 1.235.340/SC, houve os votos dos Ministros Roberto Barroso e Dias Toffoli, que conheceram e deram provimento ao recurso extraordinário para negar provimento ao recurso ordinário em “habeas corpus”, fixando, para tanto, a seguinte tese de julgamento (tema 1068 da repercussão geral): "A soberania dos veredictos do Tribunal do Júri autoriza a imediata execução de condenação imposta pelo corpo de jurados, independentemente do total da pena aplicada". Houve também o voto do voto do Ministro Gilmar Mendes, que negou provimento ao recurso extraordinário de modo a manter a vedação à execução imediata da pena imposta pelo Tribunal do Júri, assentando a seguinte tese: "A Constituição Federal, levando em conta a presunção de inocência (art. 5º, inciso LV), e a Convenção Americana de Direitos Humanos, em razão do direito de recurso do condenado (art. 8.2.h), vedam a execução imediata das condenações proferidas por Tribunal do Júri, mas a prisão preventiva do condenado pode ser decretada motivadamente, nos termos do art. 312 do CPP, pelo Juiz Presidente a partir dos fatos e fundamentos assentados pelos Jurados", declarando, ao final de seu voto, a inconstitucionalidade da nova redação determinada pela Lei n. 13.964/19 ao art. 492, I, “e”, do Código de Processo Penal. Atualmente, o feito está com vista ao Ministro Ricardo Lewandowski.

Assim, a discussão está longe de terminar.

O Superior Tribunal de Justiça sustentando a Tese n. 10, entendendo ser ilegal a execução provisória da pena como decorrência automática da condenação proferida pelo Tribunal do Júri.

E o Supremo Tribunal Federal com posições bastante distintas entre os seus ministros, devendo ser aguardada a análise final da repercussão geral constante do Tema 1068.

De todo modo, a título de conclusão, merece ser transcrita parte da manifestação/voto do Ministro Roberto Barroso, a qual, a nosso ver, sintetiza a correta abordagem da questão:

“O tema envolve, portanto, o exame dos princípios da presunção de inocência, da soberania dos veredictos do Tribunal do Júri, da dignidade da pessoa humana e da proibição da proteção insuficiente do estado. Além de estar relacionado a direitos fundamentais de inegável interesse jurídico, a matéria possui repercussão geral sob os pontos de vista político, na medida em que envolve diretrizes de formulação da política criminal e mesmo de encarceramento, e social, pelos impactos negativos gerados pela sensação de impunidade gerada no meio social diante de condenações graves que, muitas vezes, não são efetivamente cumpridas.”

 

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