Exceção de pré - executividade e o Novo CPC

04/06/2016

Por Charles M. Machado – 04/06/2016

A cobrança do executivo fiscal é sempre um processo doloroso para o contribuinte, seja pelo exagerado serviço da dívida, ou pelas multas punitivas e moratórias que quase sempre são parte significativa do débito, mas o que quase sempre representa maior dispêndio ao contribuinte é a liquidez e certeza que goza o título, que faz com que quase sempre para garantir a execução fiscal, e poder ofertar os embargos a execução, o contribuinte precisa dispor de parte significativa do seu patrimônio.

É certo que a existência de título executivo autoriza a credora a ingressar diretamente com o processo executivo, com a finalidade de satisfazer ao crédito que lhe é próprio.

No caso das pretensões fazendárias, o título executivo é representado pela Certidão de Inscrição em Dívida Ativa, que é a etapa subseqüente ao lançamento tributário, nos limites prescritos no enunciado do artigo 3º e parágrafo, da Lei nº 6830/80, gozando de relativa presunção de liquidez e certeza, como dissemos acima e vez que possibilitada ilidir por meio de prova inequívoca a ser apresentada pelo executado ou terceiro a quem aproveite.

Nesse ponto, há que se ponderar que título executivo maculado num dos seus aspectos essenciais não abre ao credor o manejo da via executiva.

Bom lembrar que a jurisprudência e a doutrina têm sido uníssonas no sentido de que a existência de vício que comprometa a própria integridade do título executivo pode ser alegada independentemente da oposição dos embargos do devedor.

Na verdade, o entendimento de que a dedução de vício que macula irremediavelmente o título executivo somente pode dar-se na via dos embargos à execução compromete o próprio princípio do devido processo legal, o que assume relevância ainda mais especial no caso das execuções fiscais, vez que nelas o título executivo é formado unilateralmente pelo credor por intermédio da inscrição do débito em dívida ativa.

Nesse diapasão, há que se considerar que a restrição à apresentação de semelhante defesa apenas no bojo de embargos do devedor implicaria na aquiescência com título que foi formado unilateralmente inquinado de vício pelo credor.

Elucidando a questão, há que se colher os posicionamentos que emanam do Tribunal Regional Federal da Terceira Região, in verbis:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA. DILAÇÃO PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 16, PARÁGRAFO 3O DA LEF.

1. A exceção de pré-executividade tem sido admitida em nosso direito nos casos em que o juízo, de ofício, pode conhecer da matéria, a exemplo do que se verifica da nulidade absoluta do título executivo.

2. Questões outras que dependam de dilação probatória, como ocorre ‘in casu’, e não digam respeito a aspectos formais do título, não podem ser analisadas pela via da objeção de pré-executividade.

3. Agravo de instrumento a que se nega provimento”

(Agravo de Instrumento no 2001.03.00.037107-7, Rel. Rubens Calixto, DJU-II de 10.09.2002, pág. 218)

“PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. CABIMENTO. RECURSO IMPROVIDO. O cabimento da chamada exceção de pré-executividade, está acondicionado à existência de vício no título executivo, reconhecível de ofício, ou que não demande dilação probatória. Persiste a controvérsia, a ser dirimida com a necessária participação da parte adversa, sendo matéria a ser discutida em sede de embargos, após devidamente garantido o juízo. A lei não prevê a oferta de Cessão de Direitos sobre TDA’s, seja através de Escritura Pública ou não, não se prestando à garantia do Juízo a mera expectativa de direito. A r. decisão agravada se encontra devidamente fundamentada, não contendo qualquer eiva de ilegalidade ou abuso de poder. Agravo de instrumento improvido”.

(Agravo de Instrumento no 2000.03.00.049028-1, rel. Des. Fed. Roberto Haddad, DJU-II de 10.09.2002, pág. 236)

PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. AUSÊNCIA DE VARA DA JUSTIÇA FEDERAL NO FORO DO REU. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. CONCEITO. REQUISITOS. GARANTIA DO JUÍZO. DEVIDO PROCESSO LEGAL.

1. Tendo em vista que por força do artigo 109, parágrafo 3o, da CF, combinado com o artigo 15, inciso I, da Lei 5010/66, é competente o Juízo Estadual para processar e julgar a execução fiscal contra devedor cujo domicílio não é sede de Vara Federal.

2. A exceção de pré-executividade é uma espécie excepcional de defesa específica do processo de execução, ou seja, independentemente de embargos do devedor, que é ação de conhecimento incidental à execução, o executado pode promover a sua defesa pedindo a extinção do processo, por falta do preenchimento dos requisitos legais. É uma mitigação ao princípio da concentração da defesa, que rege os embargos do devedor.

3. Predomina na doutrina o entendimento no sentido da possibilidade da matéria de ordem pública (objeções processuais e substanciais), reconhecível, inclusive, de ofício pelo próprio magistrado, a qualquer tempo e grau de jurisdição, ser objeto da exceção de pré-executividade (na verdade objeção de pré-executividade, segundo alguns autores que apontam a impropriedade do termo), até porque há interesse público de que a atuação jurisdicional, com o dispêndio de recursos materiais e humanos que lhe são necessários, não seja exercida por inexistência da própria ação ¾ por ser ilegítima a parte, não haver interesse processual e possibilidade jurídica do pedido; por inexistentes os pressupostos processuais de existência e validade da relação jurídica-processual e, ainda, por se mostrar a autoridade judiciária absolutamente incompetente.

4. Há possibilidade de serem argüidas também causas modificativas, extintivas ou impeditivas do direito do exeqüente (v.g. pagamento, decadência, prescrição, remissão, anistia, etc) desde que desnecessária qualquer dilação probatória, ou seja, desde que seja de plano, por prova documental inequívoca, comprovada a inviabilidade da execução. (...)

(Agravo de Instrumento no 2000.03.00.044820-3, Rel. Juiz Manoel Álvares, DJU-II de 02.08.2002, pág. 796)

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. INÉPCIA DA INICIAL. AUSÊNCIA DE CONDIÇÕES ESPECÍFICAS DA AÇÃO (ARTIGO 295, INCISO I, E SEU PARÁGRAFO ÚNICO E 267, INCISOS IV E VI, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL).

I – Possibilidade de se invocar em exceção de pré-executividade nulidades formais da certidão da dívida ativa e a quitação do débito através de prova inequívoca, matérias que o Juiz pode reconhecer de ofício e de plano, sem necessidade de dilação probatória.

II – Existência de decisão que concedeu a segurança, para que o Fisco se abstenha de exigir da impetrante a CSSL, enquanto na condição de não empregadora. Inconstitucionalidade do art. 4oda Lei no 7689/88. Apelação da União recebida apenas no efeito devolutivo. Suspensão da exigibilidade do crédito tributário, mediante depósito judicial dos valores questionados.

III – Defesa veiculada através de exceção que diz com a ausência de pressupostos processuais. Matéria passível de análise pela via eleita.

IV – Suspensa a exigibilidade do crédito tributário, inviável o processamento da execução fiscal. Questionável que se proceda à constrição, havendo depósito.

V – Ausência de análise pelo Juiz a quo quanto à conseqüência de eventual suspensão da exigibilidade sobre o curso da execução fiscal. Matéria controvertida, sobre ser causa de suspensão ou de extinção do processo, a depender do destino que seja dado aos depósitos – conversão em renda da União Federal ou levantamento pelo contribuinte e exigência de processo executivo – no caso de final improcedência da ação de conhecimento.

VI – Vedado o exame em grau de recurso, sob pena de supressão de jurisdição.

VII – Agravo de instrumento provido para que o Juiz a quo analise o mérito da exceção, mantendo-se suspensa a execução fiscal até decisão”

(Agravo de Instrumento no 2001.03.00.026784-5, Rel. Des. Fed. Therezinha Cazerta, in DJU-II de 10.05.2002, pág. 427)

Como se vê, a existência de vícios no título executivo é matéria passível de ser argüida em sede de exceção de pré-executividade.

Igualmente, a jurisprudëncia da nossa mais alta Corte também tem entendido neste sentido, in verbis:

“Processual Civil. Execução. Exceção de pré-executividade. Admissibilidade. Contrato de abertura de crédito. Título executivo. Inexistência. Art. 585, II, CPC.

I. É possível ao devedor acionado no processo de execução argüir a nulidade da execução, por meio de exceção de pré-executividade e não de embargos, desde que verse sobre matéria que possa ser conhecida de ofício pelo Juízo.

II. Precedentes da 4a

III. O contrato de abertura de crédito em conta corrente, ainda que acompanhado de extratos de movimentação financeira, não constitui título hábil à promoção de ação executiva.

IV. Recurso conhecido e provido.

(Resp n° 224.789/RS, Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, DJU-I de 04.02.2002, pág. 370)

Não se revestindo o título de liquidez, certeza e exigibilidade, condições basilares exigidas no processo de execução, constitui-se em nulidade, como vício fundamental; podendo a parte argüi-la, independentemente de embargos do devedor, assim como pode e cumpre ao juiz declarar, de ofício, a inexistência desses pressupostos formais contemplados na lei processual civil” (in REsp n° 13.960-SP, Rel. Min. Waldemar Zveiter, v.u., j. 26.11.1991, DJU, 3 fev. 1992, p. 464, 1a col., em.) grifos nossos 

Assim sendo, demostrado prova cabal pelo requerente, do patente vício que inquina a Certidão de Inscrição em Dívida Ativa que instrui a execução fiscal, como erro de sujeito, fato ou local, cabe o uso manifesto e providencial da exceção de pré-executividade.

O VÍCIO DO TÍTULO EXECUTIVO 

Primeiramente, há que salientar que somente é possível manejar a “via executiva”, o credor que detenha título executivo hígido, ou seja, detentor dos requisitos de liquidez, certeza e exigibilidade.

A existência de título dotado destes requisitos indispensáveis está intimamente ligada à presença do interesse de agir, o que torna a via eleita como adequada à busca da satisfação do crédito.

Assim sendo, o título executivo está inserido no âmbito das condições da ação do processo de execução, de sorte que a existência de vícios no mesmo redunda, inexoravelmente, no decreto de extinção do processo sem julgamento do mérito.

Tecendo considerações acerca do tema, o ilustre processualista Candido Rangel Dinamarco ensina que “o título representa a adequação da via processual, o interesse de agir, e título sem todos os seus requisitos de formação não é apto a embasar a execução, de sorte que o reconhecimento de carência da ação é de rigor”.

Isto porque o sistema processual pátrio não se compadece com processo de execução que esteja lastreado em documento que não reúne os requisitos indispensáveis ao título executivo, in casu, liquidez, certeza e exigibilidade.

Nesse sentido, o antigo Código de Processo Civil era peremptório ao estabelecer em seu artigo 618 que “é nula a execução: I – quando o título executivo não for líquido, certo e exigível”.

O Novíssimo Código de Processo Civil manteve a previsão no seu artigo 803, com a seguinte redação:

Art. 803. É nula a execução se:

I - o título executivo extrajudicial não corresponder a obrigação certa, líquida e exigível;

II - o executado não for regularmente citado;

III - for instaurada antes de se verificar a condição ou de ocorrer o termo.

Parágrafo único. A nulidade de que cuida este artigo será pronunciada pelo juiz, de ofício ou a requerimento da parte, independentemente de embargos à execução.

Esclarecendo a precisa interpretação deste comando legal, que reforça que o juízo fará sua apreciação inicial verificando se o título preenche os requisitos de direito material na sua formação; vício aí detectado possibilitará reconhecer sua inadequação ao desencadeamento da via executiva. É evidente que a matéria é de ordem pública, significa ausência de certeza e, pois, de título executivo, matéria encartável nas condições da ação, e que pode e deve ser conhecida no processo de execução a todo o tempo, de ofício pelo juiz ou por provocação pela parte, independentemente dos embargos. Logo há carência de ação relativa ao excesso

Esse ponto também é reforçado na clara jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, como se denota pela leitura do julgado abaixo transcrito, in verbis:

“Não se revestindo o título de liquidez, certeza e exigibilidade, condições basilares exigidas no processo de execução, constitui-se em nulidade, como vício fundamental; podendo a parte argüi-la, independentemente de embargos do devedor, assim como pode e cumpre ao juiz declarar, de ofício, a inexistência desses pressupostos formais contemplados na lei processual civil” (REsp n° 13.960-SP, Rel. Min. Waldemar Zveiter, v.u., j. 26.11.91, DJU de 3.2.1992, pág. 464, 1a col.) 

Portanto, é imprescindível para a configuração do título executivo a presença dos requisitos de liquidez, certeza e exigibilidade, de sorte que a ausência de qualquer deles demonstra que não se está diante de documento que possa ser reputado como hábil a ensejar o trilhar a “via do processo executivo”.

Nesse ponto, cumpre seja anotado que a certeza inerente ao título executivo está intimamente ligada ao estabelecimento de contornos precisos para a obrigação cujo adimplemento exige-se pela via executiva.

Nas brilhantes palavras do Professor Cândido Rangel Dinamarco, “assim é que, quando se fala em direito certo, pensa-se num direito cujos elementos sejam perfeitamente conhecidos; em outras palavras, será certo um direito, se definidos os seus sujeitos (ativo e passivo) e a natureza da relação jurídica e do seu objeto”. (in Execução Civil, 4a edição, 1994, pág. 487)

Portanto, a certeza do título executivo decorre da perfeita identificação da natureza da obrigação.

De outro lado, a liquidez quer significar a quantificação da obrigação, sendo certo que é possível que o quantum seja apenas e tão-somente determinável, como no caso dos títulos cuja perfeita identificação do valor depende da realização de mera operação aritmética, ocasião em que haverá a necessidade de precedência da fase da liquidação de sentença judicial.

São os típicos casos de títulos judiciais nos quais a execução se fazia por cálculo do contador, procedimento este que restou substituído pela apresentação de cálculos diretamente pelo credor.

Assim sendo, é patente a conclusão de que título executivo dotado de liquidez é aquele que detém na sua cártula a determinação do montante da dívida a ser paga, tal como é pretendido na Execução Fiscal de que tratamos, em que é utilizado como título bastante, a Certidão de Inscrição em dívida Ativa, reitere-se, cuja presunção de liquidez e certeza, nos limites estabelecidos no enunciado prescritivo do artigo 3º e seu § único da Lei nº 6.830/80, é relativa.

Ausente qualquer destes requisitos indispensáveis ao título executivo, ao credor não estará aberta à “via executiva”.


Charles M. Machado é advogado formado pela UFSC, Universidade Federal de Santa Catarina, consultor jurídico no Brasil e no Exterior, nas áreas de Direito Tributário e Mercado de Capitais. Foi professor nos Cursos de Pós Graduação e Extensão no IBET, nas disciplinas de Tributação Internacional e Imposto de Renda. Pós Graduado em Direito Tributário Internacional pela Universidade de Salamanca na Espanha. Membro da Academia Brasileira de Direito Tributário e Membro da Associação Paulista de Estudos Tributários, onde também é palestrante. Autor de Diversas Obras de Direito. Email: charles@dantinoadvogados.com.br


Imagem Ilustrativa do Post: Calculating Taxes Up And Down // Foto de: Ken Teegardin // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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