Por Antonio Marcos Gavazzoni - 13/02/2015
Num universo de mais de 15 bilhões de anos, nosso planeta assistiu a vida acontecer há quase 4 bilhões de anos. Essa evolução físico-química e biológica que se iniciou com o Big Bang e originou o homo sapiens sapiens - ancestral da espécie humana atual -, colide nos dias de hoje com cerca de 3,5 milhões de anos de evolução cultural e desencadeia uma grave crise entre o meio ambiente que lhe deu vida e a vida que o ser humano está tirando do meio ambiente (MEDEIROS, 2012).
Com o passar do tempo o homem tornou-se um ser sociocultural, interagindo com o seu meio para organizar e facilitar a sua convivência, saindo da estagnação para uma nova dinâmica, foi aí que surgiu a questão energética. Inicialmente o homem utilizou a própria energia na busca da sobrevivência, característica das sociedades coletoras e caçadoras. O mundo era visto puramente em termos naturais, todas as necessidades eram supridas através do meio habitado, e como a busca por alimento demandava elevado gasto de tempo e energia, a dedicação a esta tarefa era quase que exclusiva. (DE AGUIAR, 2004)
No processo de transformação do meio ambiente são criados e recriados modos de relacionamento da sociedade com o meio natural e com a própria sociedade; ao passo em que surgem as necessidades o homem vai construindo e reconstruindo o meio ambiente e o meio social, adaptando e modificando as coisas e as pessoas.
O fato histórico mais marcante e decisivo para transformação da relação da espécie humana com seu ambiente natural foi à descoberta do fogo. A partir daí o homem conseguiu afastar os predadores e grandes animais, limpar a vegetação, proteger-se contra outros inimigos, além do aquecimento contra o frio; também trouxe a possibilidade de cozinhar os alimentos facilitando e melhorando sua alimentação e saúde diminuindo riscos de contaminação através dos alimentos crus. Além disso, a utilização do fogo propiciou o aprimoramento da cerâmica e a fabricação de ferramentas de metal que ampliaram consideravelmente o seu domínio sobre a natureza.
Para garantir sua sobrevivência o homem precisou compreender o ambiente onde vivia e buscou entender as forças naturais, as relações dos animais, o ciclo das plantas. Nesse processo de observação conseguiu relacionar as variações climáticas com as alterações na vegetação e nos hábitos dos animais, o que conduziu ao aparecimento da agricultura e o libertou da absoluta dependência da natureza. Iniciou-se aqui também o acumulo de riquezas e a busca por posses territoriais surgindo consequentemente um sistema econômico de dominação, especialização do trabalho e a divisão em classes sociais.
Como consequência desses fatores a humanidade deu um grande passo, social e cultural, que culminaria com a invenção da escrita e um rápido crescimento demográfico, aliado a um aumento substancial da riqueza e da qualidade de vida. O desenvolvimento contínuo propiciou o surgimento das cidades, a divisão de trabalho, a evolução dos transportes terrestres e marítimos. A urbanização trouxe consigo o êxodo rural, fazendo com que o homem deixasse o campo em busca de melhores condições de vida. A Revolução Industrial no século XVIII trouxe a máquina a vapor e a necessidade de novas fontes energéticas, o que deu início ao uso de combustíveis fósseis.
Com a necessidade do uso de lenha e a sua escassez em algumas regiões, novas fontes de energia passaram a ser buscadas. A partir do século XVI, com a urbanização acelerada, a extração de carvão mineral se expandiu. No século XIX, o homem conheceu e aprendeu a lidar com a eletricidade, criou a lâmpada, a usina hidroelétrica, o motor e o trem elétricos. Apareceram também os motores à combustão e com isso os primeiros automóveis (CHILDE, 1998).
Para Palestrini (1980), desde o início do século XX, a humanidade tem transformado o planeta de forma drástica. O crescimento industrial e agrícola, as inovações tecnológicas, o consumo de bens e recursos, tudo isso têm interferido profundamente nas condições da natureza.
Toda essa interferência teve como consequência o aparecimento de problemas como a poluição, o efeito estufa e as mudanças climáticas, e assim, conhecer melhor o meio ambiente tornou-se uma questão de sobrevivência, tendo em vista que essas mazelas ambientais afetaram diretamente a raça humana. Alguns setores da sociedade tomaram consciência do problema e passaram a promover discussões na busca de uma existência que proteja e preserve os recursos naturais e a qualidade de vida da população. Deste modo, o reconhecer o problema como problema, isto é, o risco como risco materializa a tese de Hannigan (2009), ou seja, o risco é inerente a existência humana, porém, o seu desvelamento propiciou meios de minimização e prevenção/precaução. Em termos de hermenêutica “um problema só é um problema se o compreende ‘como’ (als) problema. Se ele não é percebido como problema, não o é, embora ele, efetivamente, exista”. (STRECK, 2013, p. 10)
Desde então palavras como ecologia, meio ambiente e sustentabilidade passaram a ser amplamente utilizadas no dia a dia do homem. Contudo, antes de entrar na análise desses conceitos, faz-se necessário entender como e quando o homem deu os primeiros sinais de entusiasmo pela investigação da natureza, onde e como surgiu essa necessidade de se entender os segredos e mecanismos naturais, pois até então a humanidade apenas fazia parte do sistema natural, cumprindo seu papel no ciclo da vida. Quando o homem realmente percebeu a necessidade de entender como o mundo a sua volta funcionava?
Na antiguidade clássica Aristóteles fez a primeira obra conhecida com dados sobre a vida animal e apesar da técnica rudimentar de seu tempo ele conseguiu registrar extensivamente modos de vida, comportamentos, atividades, morfologia externa e interna, influência do clima entre outros detalhes que serviram de base para suas teorias e descrições. Durante os dois milênios subsequentes pouco se indagou sobre a natureza, mas pode-se citar alguns exemplos de obras com interesse zoológico como escritos de Frederico II, Gaston Fébus e D. João I.
No Renascimento são publicados vários tratados, embora ainda dependentes da zoologia aristotélica, como exemplos: a obra L’histoire de la nature des oiseaux de Pierre Belon du Mans em 1555, que estabeleceu uma classificação das aves bem próxima daquela que Lineu apresentaria dois séculos mais tarde; a obra L’histoire entière des Poissons de Guillaume Rondelet em 1558 sobre o mundo aquático, e, dando continuidade à ornitologia renascentista, a obra de Diogo Fernandes Ferreira, Arte da Caça de Altaneria, publicada em 1616. A contribuição que os naturalistas do passado ofereceram para a solidificação da moderna ciência ecológica foi extremamente relevante, principalmente do ponto de vista prático, colocando a História Natural e a Geobotânica Florística como protagonistas na construção da Ecologia, o naturalista Alexandre de Humboldt já reconhecia, em 1805, dezenove formas de vegetação determinantes da fisionomia da natureza. Em 1864, ocorre o lançamento do livro O Homem e a Natureza, ou Geografia Física Modificada pela Ação do Homem, de autoria do norte-americano Georges Perkins Marsh.
Esta geografia vegetal, relacionando as plantas entre si e com as características do meio, serviu de impulso para uma ecologia científica e, talvez por isso, conduziu em 1866 Ernst Haeckel, biólogo naturalista alemão, a criar o vocábulo “ecologia” para designar o estudo das inter-relações entre as espécies e seu ambiente, dando assim um novo rumo à História Natural – hoje Biologia, criando uma nova ciência – a Ecologia. De 1866 até 1874 o vocábulo ecologia passou por uma vasta e diversificada problemática com várias definições, todas baseadas na etimologia da palavra que seria a ciência do habitat, que as especializações conceituais e metodológicas subsequentes viriam a consagrar (ALMAÇA, 2001).
Capra (2006, p.44) aponta que essa nova ciência contribuiu ricamente com a moderna forma sistêmica de pensar a vida, principalmente por trazer as concepções de comunidade e rede, que considerava “uma comunidade ecológica como um conjunto (assemblage) de organismos aglutinados num todo funcional por meio de suas relações mútuas”. O autor (2006, p.133) acaba por propor que “uma teoria dos sistemas vivos consistente com o arcabouço filosófico da ecologia profunda, incluindo uma linguagem matemática apropriada e implicando uma compreensão não-mecanicista e pós-cartesiana da vida está emergindo nos dias atuais”.
Foram várias teorias e modelos de auto-organização que surgiram ao longo da história da filosofia e da ciência, mas Capra (2006, p.99) lembra que modelos detalhados de sistemas auto organizadores dependem de ferramentas matemáticas para serem formulados devido à inter conexidade não-linear das redes, sendo a descoberta dessa “matemática da complexidade” também conhecida como “teoria dos sistemas dinâmicos” um dos principais pontos da ciência atual.
No ponto de vista de Quintas (2006), a questão ambiental engloba todos os meios de interação entre a sociedade humana e o meio físico natural; é inegável a dependência inerente do ser humano ao meio contando sempre com seu auxílio para garantir a sobrevivência da espécie através das eras, a existência humana está baseada nessas relações e é daí que surge a questão do meio ambiente.
Somente será possível estabilizar a população quando a pobreza for reduzida em âmbito mundial. A extinção de espécies animais e vegetais numa escala massiva continuará enquanto o Hemisfério Meridional estiver sob o fardo de enormes dívidas. A escassez dos recursos e a degradação do meio ambiente combinam-se com populações em rápida expansão, o que leva ao colapso das comunidades locais e à violência étnica e tribal que se tornou a característica mais importante da era pós-guerra fria.
Foram anos para superar e estabelecer conceitos, generalizações teóricas e leis ecológicas, afinando os entendimentos que, em contra partida, foram progressivamente se diferenciando nas linhas de investigação e originando as muitas disciplinas do âmbito ecológico (ALMAÇA, 2001). Estas, relacionadas entre si e com outras ciências, biológicas ou não, são as bases da sustentabilidade e constituem o amplo horizonte em que hoje se persegue a resolução dos graves problemas mundiais.
Leff (2006, p.77-78) mostra que o ecologismo busca um desenvolvimento sustentável aliado à sobrevivência da humanidade, acabando por dar um novo valor às relações econômicas, éticas e estéticas do homem com o meio e modificando também as concepções de democracia, justiça e convivência de um modo geral. Não se trata apenas de defender a natureza, trata-se de uma hodierna cosmovisão que considera o planeta um sistema de inter-relações da humanidade entre si e com o meio.
O paradigma mecanicista, reducionista ou atomística até então dominante na sociedade, com ideias e conceitos isolados e inflexíveis, está sendo revisto, ainda que tais críticas não sejam novas, basta pensar que no século XVI, Thomas More (2004), já vaticinava que: “Naturalmente, todo homem pensa que a sua própria opinião é a mais acertada”. Depois de inúmeros eventos colocarem em xeque a concepção manejada pelo senso comum que, entre outros exemplos, promove a segregação racial e de gênero, pensa que o corpo humano é como uma máquina e acredita no enriquecimento ilimitado e a qualquer custo; um novo paradigma baseado numa mudança radical de percepção, pensamento e valores, surgiu e está propondo soluções para os graves problemas mundiais (CAPRA, 2006, p.23-25). Sobretudo na restauração dos valores substanciais da dignidade da pessoa humana e no direito a ter direitos (novos direitos decorrentes das inovações tecnológicas e da manipulação genética) (RODOTA, 2012).
Capra (2006) definiu esse novo paradigma como “uma visão de mundo holística, que percebe o mundo como um todo integrado, e não como uma coleção de partes dissociadas”, mas reconhecendo a interdependência fundamental de todos os fenômenos e o fato de que os indivíduos e as sociedades estão encaixados nos processos cíclicos da natureza, preferiu utilizar o termo “visão ecológica”.
A ênfase no todo é cientificamente conhecida como holística organísmica ou ecológica, sendo a perspectiva holística também chamada de sistêmica, em rápida aproximação com o pensamento de Bookchin (2007). Importante salientar que essa mudança de paradigma não é uniforme, ela já vem ocorrendo ao longo do último século de diferentes maneiras e intensidades nos vários campos científicos, iniciando pela Biologia com os organismos, depois a Psicologia com a percepção, a Ecologia com as comunidades animais e vegetais e a Física Quântica com os fenômenos atômicos.
Essa nova visão exige principalmente, uma ampliação da percepção, pensamento e dos valores que são o cerne da ecologia profunda deixando para trás a antiga visão antropocentrista de mundo e abarcando a nova visão eco centrista que respeita todos os seres, sendo esses membros de comunidades ecológicas ligadas umas às outras numa rede de interdependência. Daí surge uma mudança ética e moral radical, ao ponto de se rotular tal movimento como anarquista, elevando-se na condição de corifeu Murray Bookchin (CAPRA, 2006, p. 46).
Não por acaso se advogue em favor de um paradigma centrado em algo que fosse realmente comum e global, de fácil compreensão e realmente viável. Boff (2000), parte da hipótese de que essa base deve ser ética, de uma ética mínima, a partir da qual se abririam possibilidades de solução e de salvação da Terra, da humanidade e dos desempregados estruturais. De modo que dotados desta condição ética-material a sustentabilidade será um modelo de relações intersubjetivas de melhor concretização.
Satisfazer nossas necessidades mantendo as perspectivas de futuro das outras gerações se traduz em construir, nutrir e educar comunidades sustentáveis, aprendendo com o estudo dos ecossistemas através dos princípios básicos da ecologia. Urge a necessidade de um novo modelo civilizatório, educacional, comercial e político também, que se paute nos princípios sustentáveis ecológicos transformando-os em princípios educacionais, administrativos e políticos (CAPRA, 2006, p.231).
Percebe-se, de igual sorte a mudança comportamental que norteia a existência humana nos últimos quatro mil anos como mola propulsora do cenário de crise e do advento de anseios sustentáveis. No início (por favor, não se objetiva aqui fazer apologia às teorias criacionistas), o homem orientava-se pelo perfil homem-coletor; com o abandono da condição nômade e com a carestia dos primeiros recursos expropriáveis cambia-se para o modelo de homem-produtor, extrator dos recursos naturais e especificador em bens e serviços definidos; contudo, ao se instalar um sistema fordista de produção restou ao homem a alocação no status predominante de homem-consumidor, no qual a importância do sujeito está em consumir para viver e/ou viver para poder consumir (BAUMAN,1999, p.88).
Com isso, segundo Melman (2003) o homem perde gravidade e a qualquer custo procura obter o gozo, mesmo que de forma efêmera e fugaz, via consumo; alimentando cada vez mais esta espiral que se mostra infinita na subjetividade. Ao passo em que os recursos são finitos e os desejos ilimitados, o sentimento de castração acaba por promover novas facetas à condição homem-consumidor. Entra em cena o perfil homo juridicus, o qual diante da impossibilidade do gozo sobre suas necessidades passa a demandar judicialmente meios de satisfação dos anseios (SUPIOT, 2007).
Para Bodnar (2011), nesta toada, a sustentabilidade passa a suplantar a ideia de valor para inserir-se como princípio jurídico, apto, portanto, a ser exigido judicialmente, em um cenário no qual o Judiciário se apresenta como guardião das promessas democráticas, lembrando Garapon (2004).
De não se olvidar, que não há como se extrair dos ecossistemas valores humanos. Contudo, fato é que durante mais de três bilhões de anos de evolução os ecossistemas têm se organizado de forma sutil e complexa, traduzindo seus métodos e modelos para a realidade humana. Ao enxergar os ecossistemas como redes autopoiéticas e estruturas dissipativas, pode-se chegar a um arcabouço de princípios e organização que levam a valores basilares da ecologia e por eles, construir sociedades sustentáveis (CAPRA, 2006, p. 231).
Em complemento, conforme defende Boff (2000, p. 26-27), demanda-se agora é por um ethos que seja adequado ao novo patamar da existência, que é global e planetário. Esse ethos globalizatório não pode ser a implantação impositiva de uma moral regional, embora dominante. Para Boff “Importa projetarmos um ethos que seja realmente, expressão da globalização e planetização da experiência humana, assentado sobre uma nova sensibilidade, o phatos, estruturador de uma nova plataforma civilizatória”.
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Antonio Marcos Gavazzoni é mestre e doutor em Direito Público. Foi professor na UNOESC, na Escola Superior da Magistratura de Santa Catarina e na Universidade Paranaense. Em janeiro de 2013 assumiu pela segunda vez a Secretaria de Estado da Fazenda do Estado de Santa Catarina, cargo que ocupa até o momento. Email: contatogavazzoni@gmail.com
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Imagem ilustrativa do post: Chameleon
Foto de: Neil Turner
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