EU NÃO SEI CONTAR CARNEIROS SONOLENTOS

22/03/2020

Coluna Direito e Arte / Coordenadora Taysa Matos

O que eu faço em noites de insônia? Eu fico olhando meus pensamentos. E meus pensamentos, sorrateiros, adoram passar a perna em meus olhos desatentos. Quando me dou conta, eles já se foram ligeiros, levando consigo meus sonhos roubados, embrulhados, disfarçados. Nem assim o sono chega.

Penso que estou naquela fase da vida em que a gente ou vira bicho-preguiça, que só pensa em dormir e esquecer da vida, ou vira coruja, atravessando a noite de olhos esbugalhados, à procura da melhor presa, voando pra lá e pra cá no vai e vem das estranhezas noturnas. Só não passo noites inteiras contando estrelas porque não tenho cama na varanda. Quem sabe uma rede na varanda resolvesse meu dilema astronômico de contadora de estrelas à moda antiga. Ficaria horas e horas à espera de estrelas cadentes e seus exemplares de pedidos satisfeitos a esmo. Entretanto, não há como esquecer que estrelas jamais nos serão presença instantânea - chegam-nos tardias, muitas vezes já extintas - estrelas são 'post-its' do universo a nos lembrar do passado remoto.

O que eu faço em noites de insônia não chega nem perto de contar carneiros. Deixo-os em descanso, em sono profundo. Meus carneiros noturnos sabem muito bem da delicadeza santificada de uma noite bem dormida. Eles dormem, todinhos, amontoados bem antes da cerca, aliás, nem cercas são necessárias em meu vasto campo de carneiros sementeiros de sonhos fecundos. Eles dormem, satisfeitos, enquanto sou eu quem brinca de saltar as diversas cercas das lembranças aprisionadas nas entranhas dos momentos esquecidos. Enquanto meus carneiros dormem sonhando o sono dos seres anuviados, eu sigo feito coruja acesa buscando sua melhor presa: a palavra desbastada por uma sede tão tardia quanto os poemas que nascem desajeitados, a satisfazer meus desejos sorrateiros, depois da curva do presente do indicativo.

 

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

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