Coordenador: Marcos Catalan
A reflexão a seguir é fruto de um projeto de iniciação científica amplo e coletivo, produzido junto ao Colóquio de Teoria Crítica organizado pelo Prof. Dr. José Rodrigo Rodriguez, na Unisinos. Trata-se de um trabalho em que se questiona os limites e possibilidades de uma organização de estagiários, nos moldes de um movimento social, considerando o expressivo e crescente percentual de estagiários junto ao sistema de justiça, ou seja, o Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública e escritórios de advogados.
Aqui, no entanto, buscarei ressaltar um aspecto da referida pesquisa que se relaciona diretamente com a temática da presente coluna. Desse modo, quais as implicações da inclusão de um grande contingente de força laboriosa como são os estagiários no contexto da sociedade de consumo? Qual o horizonte desse grupo precarizado diante de uma crise capitalista como a atual?
A fim de ilustrar em termos quantitativos a relevância dos estagiários: conforme informações do Portal da Transparência, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, no ano de 2017, contou com 4.084 estagiários, 814 magistrados e 8.165 servidores[1]. Essa proporção revela, a princípio, uma grande dependência do Poder Judiciário Gaúcho com relação à força de trabalho dos estagiários, e, posteriormente, caso considerarmos a remuneração percebida por este grupo, a sua subvalorização.
Com um olhar mais atento ao quadro maior, percebemos que o estágio vem sendo utilizado como uma ferramenta de substituição às espécies de vínculo empregatício que geram mais gastos aos empregadores, sejam eles empresas ou o poder público. Por outro lado, as oportunidades de estágio são encaradas pelos jovens estudantes como uma maneira de adquirir experiência e se inserir no mercado de trabalho. Para muitos, trata-se do primeiro emprego.
Não obstante, ocorre certa desvirtuação no meio do caminho. O estudante-estagiário em regra não vivencia uma situação em que o estágio serve para a sua formação acadêmica. Pelo contrário, torna-se o estudante uma das muitas engrenagens que movimentam o sistema de justiça, fazendo parte de uma estrutura precarizada de trabalho na qual possui menos direitos que servidores públicos concursados ou trabalhadores em sob regime da CLT e, na maior parte das vezes, não recebe uma remuneração adequada à atividade realizada. Em outro texto derivado da produção desse mesmo projeto de pesquisa, José Rodrigo Rodriguez e Nicolas Frohlich afirmam [2]:
“O valor do estágio está em seu papel na formação profissional dos jovens e no acesso ao primeiro emprego. O estágio não deve ser visto como solução para problemas de contratação em épocas de crise. O aumento de vagas de estágio nesse momento de crise é preocupante e não auspicioso.”
Em tempos de crise, o corte de direitos trabalhistas e o próprio desemprego é fundamental para manutenção para o neoliberalismo. A diminuição do valor social do trabalho (convencional) e a consequente substituição por formas flexibilizadas como estágio atende a esses requisitos. O estudante-estagiário percebe-se, portanto, em uma situação de extrema competição na qual precisa se diferenciar dos seus pares na atuação profissional, ensejando o desrespeito contínuo à Lei do Estágio (Lei nº 11.788/2008), assim como busca a diferenciação dos demais jovens pelos itens de consumo.
O debate envolvendo a utilização do estágio, os estudantes-estagiários, a sociedade do trabalho e sua relação com a sociedade de consumo deve ser realizado de maneira transdisciplinar, por exemplo, convergindo perspectivas do ensino jurídico e sociologia do trabalho. Esses esforços são necessários, especialmente na atual conjuntura de retirada de direitos em que o trabalho e ensino estão sendo precarizados, a fim de que possamos construir alternativas mais promissoras para todos.
Referências:
[1] Portal da Transparência do Poder Judiciário do Estado do Rio Grande do Sul. Disponível em: <http://transparencia.tjrs.jus.br/index.php>. Acesso em: 15 jan. 2018.
[2] Estaǵio ou Precarização? Jota. Disponível em: <https://www.jota.info/artigos/estagio-ou-precarizacao-15092015>. Acesso em: 15 jan. 2018.
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