Estado de SC é condenado a indenizar preso que foi agredido fisicamente após policial informar aos detentos que ele havia sido detido por estupro

22/12/2016

Por Redação - 22/12/2016

Por decisão da  4ª Câmara de Direito Público do TJ  o Estado de Santa Catarina foi condenado ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 15 mil, em favor de  um preso que foi agredido pelos detentos da Cadeia Pública de Maravilha, após ser identificado pelo policial que o conduzia como estuprador.

Segundo consta no recurso, o preso sofreu agressões físicas ( socos e pontapés), além de ser sofrido queimadura com cigarro na região anal.

Após ingressar com pedido de indenização contra o Estado, em primeira instancia o pleito foi negado, mas o desembargador Ricardo Roesler, relator da matéria, entendeu no julgamento da apelação n.º 0023856-32.2010.8.24.0023 que a Administração foi omissa em prestar os devidos cuidados àquele que se encontrava sob sua responsabilidade.

Confira a decisão:

Apelação Cível n. 0023856-32.2010.8.24.0023 Relator: Desembargador Ricardo Roesler APELAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. AGRESSÃO DE DETENTO. IMPROCEDÊNCIA. INCONFORMISMO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO, ANTE A OMISSÃO ESPECÍFICA. DEVER DE GARANTIA DA INTEGRIDADE FÍSICA DO PRESO VERIFICADO. DEVER DE INDENIZAR CARACTERIZADO. INVERSÃO DO ÔNUS DE SUCUMBÊNCIA. RECURSO PROVIDO. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 0023856-32.2010.8.24.0023, da comarca da Capital 1ª Vara da Fazenda Pública em que é Apelante A.F. e Apelado Estado de Santa Catarina. A Quarta Câmara de Direito Público decidiu, por votação unânime, dar provimento ao recurso. Custas legais. Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Exmos. Srs. Desembargadores Edemar Gruber e Paulo Ricardo Bruschi. Florianópolis, 17 de novembro de 2016. Desembargador Ricardo Roesler Relator e Presidente

RELATÓRIO Constou do relatório da sentença: Trata-se de ação de indenização por danos morais proposta por A.F em face do Estado de Santa Catarina. Asseverou, em suma, que foi segregado em estabelecimento penal no município de Maravilha pela prática de crime de atentado violento ao pudor. Disse, ainda, que no momento em que chegou ao local, um dos policiais que o conduziu, avisou aos outros detentos que ele havia sido preso pela prática de estupro. Diante de tal afirmativa foi agredido fisicamente pelos demais presos. Citado, o Estado de Santa Catarina apresentou resposta na forma de contestação. Pugnou pela inexistência do dever de indenizar, haja vista que as agressões decorreram de ato praticado por terceiro, o que reclama a comprovação de culpa por parte da Administração Pública, por se tratar de responsabilidade subjetiva, oriunda de suposta omissão do Estado. Por fim, impugnou o pleito ressarcitório e pelejou pela improcedência do pedido. Feito replicado. Instado, o Ministério Público absteve-se de incursionar no mérito da contenda. Em audiência, foram ouvidas duas testemunhas arroladas pelo autor e duas arroladas pelo réu. Alegações finais pelo autor em fls. 120-134 e pelo réu em fl. 13" (fl. 136-137). O pedido foi julgado improcedente (fls. 136-145). Irresignado, o autor apelou repisando os termos na inicial e réplica (fls. 148-165). Houve contrarrazões (fls. 170-177 A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra do Exmo. Sr. Dr. Newton Henrique Trennepohl, deixou de se manifestar acerca do mérito, com fulcro ato 103/2004/PGJ (fl. 182). É o relatório.

VOTO Cuida de apelação cível interposta por A.F contra sentença que julgou improcedente o pedido de reparação por danos morais, formulado em face do Estado de Santa Catarina. Para tanto, defendeu que foi agredido pelos demais detentos, enquanto esteve custodiado na Cadeia Pública de Maravilha. 1. Primeiramente, cumpre verificar a responsabilidade do ente público, em zelar pela integridade daqueles que se encontram sob sua guarda em decorrência de custódia penal.

O artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal, orientou-se pela teoria do risco administrativo, na medida em que prevê a responsabilidade civil objetiva do ente público e das demais prestadoras de serviço público em caso de dano causado ao administrado. Embora em alguns casos se entenda ser subjetiva a responsabilidade estatal quando se tratar de um ato omisso decorrente de uma falha no serviço, a matéria deduzida nos presentes autos é de responsabilidade objetiva, conforme se percebe dos seguintes precedentes do Superior Tribunal de Justiça:

"[...] 3. No que se refere à morte de detento sob custódia do Estado, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça assenta-se no sentido de que a responsabilidade civil do ente público é objetiva. Incidência da Súmula 83/STJ (STJ, AgRg no AREsp 779.043/PE, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, j. 17/05/2016). Este Tribunal não destoa: AC n. 0804616-19.2013.8.24.0023, da Capital, rel. Des. Ronei Danielli, j. 04-10-2016 e AC n. 2013.007884-5, de São José, rel. Des. Júlio César Knoll, j. 15-08-2013.

2. No caso, o autor alega ter sido agredido, pelos demais presos, no dia em que foi segregado em estabelecimento penal do Município de Maravilha. Afirmou que, no momento em que chegou no local, um dos policiais que o conduziu, avisou aos demais detentos que ele havia sido preso pela prática de estupro. Por seu turno, o ente estatal, implicitamente fazendo apologia à lei de Talião, afirmou que "o autor cometeu um crime repugnante contra suas próprias filhas, quando estas ainda eram crianças indefesas. Se sofreu algum abalo com as pequenas lesões corporais sofridas na cadeia (pelo laudo do IML nenhuma foi de natureza grave), imagine o abalo que causou às suas filhas pelos crimes cometidos quando estas nem podiam se defender?" (fl. 44). Pois bem, compulsando os autos, verifica-se que o apelante foi segregado na tarde do dia 27/06/08, na cadeia pública de Maravilha (fl. 62); porém, o laudo pericial de lesão corporal (fl. 19), foi elaborado somente em 1º/07/08, onde constou: "Refere que foi vítima de agressão física, com socos e pontapés, em 27/06/08, à noite, por um indivíduo. Refere, ainda, que o mesmo queimou a região anal com cigarro acesso. [...] Foi procedido o exame solicitado na pessoa acima mencionada e observamos: hematoma em fase de regressão em órbita esquerda; congestão de conjuntiva esquerda; equimoses vinhosas dispersas no dorso; a vítima refere dor nesse local, porém, não há alterações ao exame físico, hematoma em fase de regressão em fossa esquerda; hematomas em face posterior em ambos braços; cicatriz de ferida circular (compatível com marca de cigarro), próximo à mucosa anal" Na audiência de instrução e julgamento realizada, notou-se que nenhuma das testemunhas presenciou as agressões sofridas pelo autor. No entanto, chama a atenção que as testemunhas R.S e M.R.S, assistente social e técnica em enfermagem do presídio masculino de Florianópolis, respectivamente, foram enfáticas ao afirmarem que o apenado chegou naquele local, no dia 1º/07/08, com o rosto e corpo muito machucados; referiram, ainda, que ele chorava muito e relatava agressões sofridas na cadeia de Maravilha (fl. 119). Por seu turno, L.A.S e E.L.C, policiais que estavam na cadeia de Maravilha no dia da prisão e suposta agressão, não notaram nada anormal (fl. 109), lendo a conclusão que as agressões sofridas pelo detento se deu enquanto custodiado pelo ente público. O laudo pericial de lesão corporal deveria ter sido confeccionado no dia da prisão do autor; não se sabe em que condições físicas o apenado chegou ao presídio. Diante do exposto, a Administração foi omissa em prestar os devidos cuidados àquele que se encontrava sob sua responsabilidade. Nesse particular, há que se registrar que não restou demonstrada a existência de nenhuma causa excludente da responsabilidade, permanecendo íntegro o nexo de causalidade entre a conduta estatal e os danos aduzidos pelo apelante. Assim, considero irrefutável a caracterização do dano moral sofrido pelo autor que, em virtude agressões que lhe foram impostas por outros detentos, teve violada sua liberdade e dignidade, o que sem dúvida, gerou inúmeros prejuízos, abalos e aflições incomuns, justificando o prejuízo imaterial e a reparação pretendida. 3. O valor a ser arbitrado para os danos morais deve guardar perfeita correspondência com a gravidade objetiva do fato e do seu efeito lesivo, bem assim com as condições sociais e econômicas da vítima e do autor da ofensa, de modo que a importância não seja insignificante, a ponto de desinibir a prática de novos ilícitos pelo causador da ofensa, nem excessiva, constituindo enriquecimento sem causa para o ofendido. Desse modo, há que ter bastante cautela no momento de fixar a indenização, pois não pode provocar o enriquecimento sem causa da parte que busca a indenização, nem deixar de incutir no valor condenatório caráter pedagógico. Assim, entendo que o valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), se amolda à peculiaridade do caso concreto e atende aos comandos do postulado da razoabilidade.

Nesse sentido, mudando o que deve ser mudado: "APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS AGRESSÕES FÍSICAS E AMEAÇAS PERPETRADAS POR DETENTOS A COMPANHEIRO DE CÁRCERE DENTRO DO ESTABELECIMENTO PRISIONAL. PRESO SOB CUSTÓDIA DO ESTADO. DEVER DE GUARDA E VIGILÂNCIA NÃO CUMPRIDO. NEGLIGÊNCIA DO ENTE PÚBLICO RESPONSABILIDADE CIVIL CARACTERIZADA. DEVER DE REPARAÇÃO CONFIGURADO. MINORAÇÃO DA VERBA INDENIZATÓRIA.INVIABILIDADE. VALOR ADEQUADO. JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA. TERMOS INICIAIS. DATA DO EVENTO DANOSO E DO ARBITRAMENTO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO" (TJSC, Apelação Cível n. 2013.063141-0, de Maravilha, rel. Des. Stanley da Silva Braga, j. 12-08-2014). "APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - AGRESSÃO A PRESO SEGREGADO PREVENTIVAMENTE PERPETRADA PELOS DEMAIS APENADOS - DETENTO ACUSADO DE CRIME SEXUAL CONTRA CRIANÇAS - RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO - OMISSÃO ESTATAL - DEVER DE GARANTIR A INTEGRIDADE FÍSICA DO PRESO - ART. 5º, XLIX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - DANO MORAL CONFIGURADO - QUANTUM INDENIZATÓRIO QUE NÃO SE MOSTRA EXCESSIVO ÀS CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO. O Estado, no exercício do poder que a lei lhe confere de fazer juízo de valor sobre o comportamento das pessoas e lhes impor pena privativa de liberdade como punição, segregação, prevenção e objetivo de ressocialização, tem o dever de guarda e incolumidade sobre os seus condenados e encarcerados. No caso concreto, demonstrada a omissão estatal em não salvaguardar a integridade física de detento sob sua custódia, configurada está a responsabilidade civil objetiva e o dever de indenizar" (TJSC, Apelação Cível n. 2010.017007-8, de Armazém, rel. Des. Cid Goulart, j. 31-05-2011).

4. Os juros de mora deverão incidir desde o evento danoso, a teor da Súmula 54 do Superior Tribunal de Justiça e a correção monetária a contar da publicação desta decisão, a teor da Súmula 392 do Superior Tribunal de Justiça, nos termos da redação do art. 1ª-F, da Lei n. 9.494/97. Por fim, considerando a modificação da sentença, indispensável a inversão da sucumbência. A verba será suportada exclusivamente pelo Estado, que arcará com os honorários advocatícios fixados em R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais).

5. Diante do exposto, dou provimento ao recurso, para julgar procedente a ação, e, assim, condenar o Estado de Santa Catarina ao pagamento de indenização pro danos morais, no valor de R$ 15.000,00, corrigidos monetariamente e acrescido de juros de mora, conforme art. 1º-F da Lei. 9.494/97. Condeno, ainda, ao pagamento de honorários advocatícios, estes arbitrados em R$ 1.500,00. É como voto.

Fonte: TJSC

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