A estabilidade no emprego da trabalhadora gestante é um direito com assento constitucional e merece todas as loas e respeito. O legislador constituinte foi sábio ao redigir o dispositivo, fundamental para assegurar à empregada, nesse delicado momento da vida, a tranquilidade da manutenção de sua fonte de renda durante a gravidez e durante o período imediatamente seguinte ao parto.
Eis como a Constituição Federal dispõe a respeito do direito, no Ato das Disposições Constitucional Transitórias - ADCT:
“Art. 10. Até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o art. 7º, I, da Constituição:
(...)
II - fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa:
(...)
b) da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto.”
Se os operadores do Direito e, numa crítica pessoal ao Judiciário Trabalhista, que tenho a honra de integrar, tivessem seguido estritamente a clara vontade do legislador constituinte original, penso que não haveria maiores dúvidas e questionamentos a respeito do tema – e nem tantos problemas relacionados a ele. Todavia, aos poucos a jurisprudência foi alargando as hipóteses de estabilidade da gestante de uma forma tal, que atualmente acredito que o instituto e a garantia estão completamente desvirtuados e afastados de sua concepção original.
A referência ao prazo inicial da garantia revela-se duvidosa. Afinal, o qual evento marcaria a “confirmação da gravidez”, consoante o texto legal? Seria o do conhecimento inequívoco da empregada acerca da gravidez, a data de um exame comprobatório dessa condição? Alargando, no particular, a extensão da garantia – e, até, em certa medida, por aplicação do princípio ou regra do in dubio pro misero – a jurisprudência acabou por fixar que o termo inicial da estabilidade da gestante é a data da concepção, aferível com pequena margem de erro pelos modernos exames médicos.
Outra das primeiras dúvidas que se apresentaram após a promulgação da Constituição foi acerca da necessidade do conhecimento do empregador sobre a gravidez da empregada, para implementação da garantia. Com efeito, se o empregador, ao dispensar a empregada, desconhece sua condição de gestante, não se pode dizer que a dispensa seja arbitrária ou discriminatória. Todavia, é evidente que a dispensa nesses casos se dá sob a modalidade “sem justa causa”, encontrando óbice no dispositivo constitucional. Assim, parece coerente que o desconhecimento pelo empregador da gravidez seja de fato irrelevante para configuração da estabilidade.
Nesse sentido caminhou a jurisprudência do TST, até ser consolidada em sua Súmula n. 244, I, vazada nos seguintes termos: “I - O desconhecimento do estado gravídico pelo empregador não afasta o direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade” (art. 10, II, "b" do ADCT). Convém notar que essa interpretação acabou por ser confirmada pelo Excelso Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 629053, com repercussão geral reconhecida.
De outro norte, mas em hipótese que guarda pontos de contato com a imediatamente anterior, a jurisprudência amplamente majoritária tem reconhecido o direito à estabilidade no emprego da gestante cuja concepção tenha se dado no curso do aviso prévio, mesmo indenizado. Também afigura-se compreensível que assim seja, na medida em que o aviso prévio, ainda que indenizado, integra o contrato de trabalho para todos os fins (CLT, art. 487, § 1º). Ademais, trata-se de instituto próprios das dispensas sem justa causa, não tendo o condão de alterar a modalidade de extinção do contrato, que continua sendo imotivada mesmo após sua concessão.
Nesses aspectos em particular, penso que os tribunais andaram bem, conferiram a necessária interpretação tutelar que o instituto requer e refletiram em suas decisões o que pretendeu o legislador constituinte.
Todavia, em outros temas afetos à estabilidade da gestante há ao menos ponderações e questionamentos que se podem fazer à evolução jurisprudencial.
Remetendo vez mais à leitura do texto constitucional, nota-se que a proteção é dirigida contra a “dispensa arbitrária ou sem justa causa”. Ora, a conjunção “ou”, aí contida, é a meu ver alternativa. Por outros termos, trata-se de duas situações distintas, e não sinônimas. Uma coisa é a dispensa arbitrária, a significar em síntese que é derivada de ato discriminatório; outra é a dispensa sem justa causa, ou seja, imotivada, de livre iniciativa do empregador, sem que o empregado tenha cometido qualquer falta.
Nesse contexto, o término de um contrato por prazo determinado não se enquadra nas hipóteses versadas no ADCT. Reformulando o raciocínio: não é possível que a extinção normal de um contrato a prazo, pelo atingimento de seu termo final, seja considerada “dispensa arbitrária”, eis que essa possibilidade estava ajustada desde a celebração do contrato e é parte intrínseca de sua natureza. E, a toda evidência, a extinção regular do contrato a prazo não se equipara à dispensa imotivada, sendo inclusive sabidamente distintas as verbas rescisórias de um e outro caso. Desse modo, nos contratos a prazo, cogitar da estabilidade no emprego foge à expressa disposição constitucional.
Poder-se-ia objetar que tal interpretação possivelmente conduziria o empregador a discriminar a empregada gestante e assim, apenas pelo estado gravídico, deixar de aproveitá-la ao cabo do período de experiência. O argumento é razoável, porém não foi essa a opção do legislador constitucional originário.
Nada obstante, a Súmula n. 244, III, do TST dispõe:
“III - A empregada gestante tem direito à estabilidade provisória prevista no art. 10, inciso II, alínea “b”, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, mesmo na hipótese de admissão mediante contrato por tempo determinado.”
Não se pretende, aqui, discutir se é ou não justo, equânime, o teor desse verbete, mas apenas de que ele desborda da clara intenção do legislador, seja mediante uma interpretação literal, bem ainda teleológica ou sistemática. Mas sigamos em frente.
Outro problema crucial, talvez o mais relevante nessa matéria atualmente, esteja relacionado com o momento em que é ajuizada a ação que vise ao reconhecimento da estabilidade da gestante e suas consequências jurídicas. Expliquemos nosso ponto de vista.
A polêmica centra-se no ajuizamento tardio da ação, especialmente quando ultrapassado o prazo da garantia de emprego.
É cediço que a propositura da ação trabalhista tem prazo prescricional fixado na Constituição Federal (art. 7º, XXIX) e na Consolidação das Leis do Trabalho (art. 1). Até por hierarquia normativa, ainda que as normas sejam coincidentes, reproduzo o texto constitucional a respeito, in verbis:
“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
(...)
XXIX - ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho;”
O problema aqui é que, se a empregada aguardar prazo próximo de dois anos para ajuizar sua demanda, a fim de ver resguardados seus direitos relativos à estabilidade da gestante, então o período da garantia já ter-se-á exaurido quando da propositura da ação – e, a fortiori, quando do seu julgamento. Nesse contexto, o reconhecimento do direito não levaria à garantia do emprego propriamente, mas apenas ao pagamento da indenização do período respectivo, fazendo com que os salários e demais direitos trabalhistas sejam quitados sem a correspondente contraprestação de serviços.
Ressalvamos de logo que não estarmos aqui a tratar ou criticar decisões cuidando de hipóteses em que o empregador tem conhecimento da gravidez e ainda assim dispensa a empregada; ou dos casos em que, mesmo após a dispensa, mas ainda no prazo da garantia de emprego, o empregador toma conhecimento do estado gravídico. Em ambas as circunstâncias, não há dúvida possível: cabe ao empregador reintegrar a empregada, ou ao menos oferecer a ela o emprego, nas mesmas condições anteriores, se compatíveis com a gravidez, ou outro que seja adequado, em caso contrário. Se não o fizer, deve arcar com o pagamento de todos os salários e consectários legais do período estabilitário.
Nada obstante, o problema ganha relevo quando o empregador desconhece o estado de gravidez, não é dele informado pela (ex) empregada, que espera o transcurso de grande parte ou mesmo de todo o período da garantia de emprego, para só então ajuizar a ação trabalhista. Ora, nesses casos, a empregada não pretende, a olhos vistos, assegurar o emprego que lhe permita ter uma fonte de renda e manutenção durante a gravidez. Ao contrário, pretende apenas receber os salários e direitos de um período relativamente longo, sem que precise trabalhar. Francamente, essa conduta não parece sensata, nem merece a chancela judicial.
Nesse contexto, cabe perfeitamente remeter à figura jurídica do abuso de direito. Com efeito, o direito à estabilidade obviamente existe, porém deve ser exercido dentro dos limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes, consoante indica o art. 187 do Código Civil. Certamente, não estava no âmbito de cogitação do legislador que a disposição constitucional fosse utilizada para que uma empregada se escondesse, omitisse ou ludibriasse seu ex-empregador, para posteriormente buscar o Poder Judiciário a fim de receber salários de todo um período sem trabalho.
Valho-me, a propósito, de luminoso julgado do Eg. TRT da 18ª Região, in verbis:
“GARANTIA DE EMPREGO DA GESTANTE. PROTEÇÃO À MATERNIDADE. GRAVIDEZ LEVADA A CONHECIMENTO DA EMPRESA APÓS O PARTO. RECUSA INJUSTIFICADA DE REINTEGRAÇAO. DIREITO DESTITUÍDO DE CUNHO ABSOLUTO. Vê-se que a reclamante: a) não comprovou o conhecimento de sua condição de grávida quando do desligamento; b) não comprovou que buscou o retorno ao posto de trabalho, em nenhum momento; c) deixou transcorrer mais de dois meses após o parto para ajuizar a reclamação trabalhista, cuja audiência inaugural somente ocorreu mais de quatro meses após o parto; d) postulou pura e simplesmente o recebimento de indenização e recusou a proposta de reintegração ao emprego ofertada pela reclamada em audiência, a denotar total desinteresse para com o posto de trabalho; e) ao agir da forma acima, inviabilizou à reclamada a oportunidade de reintegrá-la aos seus quadros, incorrendo potencialmente em abuso de direito (art. 187/CC). O comportamento da reclamante não pode ser chancelado pela Justiça, vez que, a par de atentar contra o conteúdo ético do processo, viola a boa-fé objetiva, que as partes devem guardar em suas relações contratuais, e os princípios da probidade e da boa-fé (art. 421/CC). Efetivamente, se é certo que inexiste direito absoluto, o reconhecimento do direito à estabilidade, no caso, implicaria equívoco ainda absoluto como consequência não do cumprimento, mas da violação da lei.” (TRT18, RO - 0010120-64.2014.5.18.0009, Rel. MARCELO NOGUEIRA PEDRA, 3ª TURMA, 30/01/2015)
Embora a nós essas conclusões pareçam bastante ponderadas, o Colendo Tribunal Superior do Trabalho acabou por firmar Orientação Jurisprudencial em sentido oposto, consagrando, a nosso ver, flagrante injustiça e iniquidade. Eis o teor da OJ 399 da Subseção de Dissídios Individuais do TST:
“399. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. AÇÃO TRABALHISTA AJUIZADA APÓS O TÉRMINO DO PERÍODO DE GARANTIA NO EMPREGO. ABUSO DO EXERCÍCIO DO DIREITO DE AÇÃO. NÃO CONFIGURAÇÃO. INDENIZAÇÃO DEVIDA. (DEJT divulgado em 02, 03 e 04.08.2010)
O ajuizamento de ação trabalhista após decorrido o período de garantia de emprego não configura abuso do exercício do direito de ação, pois este está submetido apenas ao prazo prescricional inscrito no art. 7º, XXIX, da CF/1988, sendo devida a indenização desde a dispensa até a data do término do período estabilitário.”
E não foi só. Além de admitir o ajuizamento da ação mesmo após decorrida toda a garantia de emprego, o TST ainda cuidou de evitar na prática a reintegração da empregada, nos casos em que isso fosse temporalmente possível, vale dizer, quando a ação fosse ajuizada ainda dentro do período da garantia e o empregador pudesse colocar o emprego à disposição da obreira. Nessa senda, o TST acabou por, de modo efetivo, assegurar que da gravidez resultasse o direito de percebimento de salários sem correspondente trabalho. Assim se afirma, sem medo de errar, por conta do texto da Súmula n. 244, II, da Corte superior trabalhista:
II - A garantia de emprego à gestante só autoriza a reintegração se esta se der durante o período de estabilidade. Do contrário, a garantia restringe-se aos salários e demais direitos correspondentes ao período de estabilidade.
Ora, ainda quando a ação for ajuizada dentro do prazo previsto no art. 10, II, b do ADCT da CF/88, o seu julgamento e, com mais razão, o trânsito em julgado, se dará em regra muito após o término do período da garantia de emprego da gestante. Desse modo, ainda que o juiz pretendesse, não teria como determinar a reintegração da empregada, pois o período de estabilidade já se terá decorrido. A alternativa está dada na segunda parte do verbete sumular: condenação ao pagamento de salários e demais direitos correspondentes ao período de estabilidade.
Mesmo ante o risco da repetição de argumentos, mas ante o que nos parece uma tremenda injustiça, insistimos: é absurdo que se beneficie a parte que deixa propositadamente transcorrer o período da estabilidade para só então ajuizar a demanda, pois nesse caso não se pretende a garantia de emprego propriamente, mas apenas os salários do período respectivo, sem sequer possibilitar ao empregador usufruir da contraprestação dos serviços. Esse posicionamento incita a empregada gestante dispensada imotivadamente a agir em abuso de direito e maliciosamente, e já mostrou seus frutos perniciosos em casos extremados, em que constatamos, no cotidiano forense, a orientação de alguns advogados, procurados por trabalhadoras gestantes, para que se possível mantivessem a gravidez em sigilo, voltassem para casa, dessem à luz, cuidassem do(a) filho(a) em seu início de vida e somente depois ajuizariam a ação.
Uma interpretação que prestigie a malícia, a má-fé, o enriquecimento sem causa (porque sem contraprestação pelos salários devidos pelo empregador), não pode estar certa, não pode refletir o que pretendeu o constituinte originário. Penso que a Carta Magna é clara quando se reporta à proteção ao emprego, no sentido de que a empregada, para fazer jus à estabilidade, deve, em atenção ao princípio da boa-fé, tão logo saiba de seu estado de gravidez cuja concepção se deu no curso do contrato de trabalho, comunicar imediatamente o empregador. Todavia, consideremos por um instante que haja uma lacuna legal a esse respeito, sendo necessário o seu suprimento. Ora, a própria CLT elege, dentre as fontes supletivas, a equidade (art. 8º, caput). E refoge ao conceito mais básico de equidade (“justiça do caso concreto”, segundo Aristóteles) que se condene um empregador a pagar indenização a uma empregada que deliberadamente apenas pretende o recebimento do salário do período estabilitário, sem trabalhar.
Ante essa jurisprudência estimuladora da malícia, não é de surpreender que rareiem as ações de trabalhadoras gestantes ajuizadas ainda nas primeiras fases do período de gravidez. Em casos tais, se a citação do reclamado se perfizer celeremente e, mais ainda, se a audiência, inaugural ou una, for designada com brevidade, sempre será possível que o empregador coloque o cargo à disposição da gestante, que então terá assegurado o emprego na forma prevista constitucionalmente e trabalhará pelo período respectivo. A situação ganha ares de perplexidade, entretanto, quando a jurisprudência dá um passo ainda mais extremado, para assegurar o direito à estabilidade mesmo que a empregada recuse a reintegração injustificadamente. Repito, para que não haja dúvida: recusa injustificada mesmo! O TRT da 18ª Região possui súmula de jurisprudência nesse sentido, confira-se:
“SÚMULA Nº 38. GARANTIA DE EMPREGO DA GESTANTE. RECUSA OU AUSÊNCIA DE PEDIDO DE REINTEGRAÇÃO. INDENIZAÇÃO SUBSTITUTIVA. CABIMENTO. A recusa injustificada da empregada gestante à proposta de retorno ao trabalho ou a ausência de pedido de reintegração não implica renúncia à garantia de emprego prevista no art. 10, inciso II, alínea “b”, do ADCT, sendo devida a indenização do período estabilitário.”
Ao leitor menos afeto ao procedimento trabalhista, ilustro o que vai nessa súmula com um exemplo que pode parecer inacreditável, mas é real: se em juízo o empregador colocar o emprego à disposição da gestante e esta disser que não tem interesse, que prefere ficar em casa pelo período gravídico, porque tem muita preguiça de trabalhar ou porque quer acompanhar uma série na TV de que gosta muito, a solução preconizada no verbete é que sejam pagos os salários do período de garantia à empregada. Acredite quem quiser...
Creio que com esse breve panorama da intepretação, julgados e súmulas dos tribunais sobre a garantia de emprego da gestante, pode-se ter uma ideia do excesso protetivo com que a Justiça do Trabalho vem tratando o tema. O que não se costuma dizer comumente, nesse debate, é que essa jurisprudência, à medida que vai se consolidando, causa dois males extrajudiciais: 1) o mencionado estímulo ao procedimento malicioso da empregada; e 2) a natural reação do empregador contra esse absurdo, que se dá mediante a adoção de medidas variadas, devidamente disfarçadas, discriminatórias em relação à mulher no mercado de trabalho, especialmente aquela em idade fértil.
Em conclusão, a proteção à empregada gestante, consubstanciada em tantos verbetes sumulares e julgados dos tribunais, de fato beneficia, não raro de forma injusta, aquela trabalhadora que acionou o Poder Judiciário. No entanto, milhares de outras, em reflexo, sofrem discriminação velada, com dificuldade de acesso ao emprego, por conta do fundado temor dos empregadores de enfrentar problemas judiciais. Com efeito, a proteção excessiva acaba por desproteger. Como alertou há muito Ripert, “quando o Direito ignora a realidade, a realidade se vinga, ignorando o Direito.”
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