Esquadrão Suicida, condição de mulher – Por Léo Rosa de Andrade

24/08/2016

As mulheres contemporâneas antenadas ao que se passa no mundo carregam apenas as sobras de uma cultura totalitária. Totalitário: “diz-se da doutrina ou do regime político que, sem admitir qualquer forma legal de oposição, tolera apenas um partido (ao qual se subordinam todas as demais instituições)” Houaiss.

Apenas, no caso, não é pouco. O partido único da Tradição Ocidental é o cristianismo. Mais especificamente, o catolicismo. Esse sistema de dominação que nos alcançou foi tão absoluto no controle das mentalidades e dos corpos que se “naturalizou”. Fez-se o que havia no mundo; fez-se o próprio mundo.

Corpos pensam, se relacionam, criam sistemas sociais, se institucionalizam. Por quinze séculos (início do IV ao fim do XVIII), as conformações do corpo, os rituais do corpo, as vestes do corpo, os locais que os corpos frequentaram foram católicos. Adestraram-se as ideias, assassinaram-se todos os desviantes.

A vida privada era católica, a vida pública era católica. O catolicismo submetia a intimidade e o institucional. Essa ordem ideológica acachapante fundada na explicação bíblica do mundo atribuía à mulher a condição de maldita sorrateira que levou o homem ao caminho da perdição.

A mulher Eva desencaminhou perversamente o homem Adão. Fê-lo comer da árvore do conhecimento, em desobediência à divindade que os criara, trazendo sobre ambos o ódio eterno que eternamente os castigaria. O homem seria menos punido: sua expiação seria ganhar o pão com o suor do próprio rosto.

A mulher se danou, ou foi danada: a divina providência pespegou-lhe a pecha de culpada infindável, condenou-a a parir com dor, reduziu sua condição à de obediente ao homem. A Revolução Francesa abalou a orientação religiosa do mundo. A ordem burguesa organizou a vida racionalmente.

A burguesia pôs disciplina nas coisas e nos comportamentos; secularizou o Estado, deu medidas às distâncias, às quantidades, às qualidades. A ciência e a racionalidade foram entronadas como explicação dos acontecimentos. A burguesia estabeleceu nova estética e outra ética de homem e de mulher.

O catolicismo, nascido na cultura mediterrânea, situou sobre ela o deus semita, reconfirmando a ordem patriarcal. O homem, que já era, foi mantido, com preceito divino, no ápice da organização social privada e pública. Os burgueses meteram-se em tudo, mas não mexeram na questão doméstica.

O Estado burguês positivado manteve a vida familiar longe do interesse público. A família era assunto restrito e nesse âmbito a vontade masculina imperava. O homem era não só o administrador de uma situação, mas o poder absoluto do lar. Do exercício desse poder, não devia nenhuma satisfação.

Disso decorria uma mulher recatada, coberta, enclausurada, sustentada, submetida. Agorinha mesmo no tempo é que isso foi substancialmente mexido. Sim, antes houve mulheres valentes, mas só na segunda parte do Século XX é que a condição social e doméstica da mulher principiou a mudar abrangentemente.

Mas diferenças subsistem. Corpos permanecem sob controles morais sobrados dessa mancomunação ideológica de catolicismo e burguesismo. Homens nus são mais arte; mulheres nuas são mais consumo. A arte exporia mais as mulheres, porque o nu feminino seria mais comercial.

Pode ser. Creio que se expunham mais as mulheres porque os homens tinham poder de compra, não por uma “natureza” comercial do feminino. Com as mulheres tomando espaço nos negócios, o mercado de nus masculinos principia a se expandir e a tornar-se tão comercial quanto o de femininos.

Nossas declarações legais igualaram mulheres e homens e preveem punições para homens que se passam. Mas ainda incidem resistências culturais na igualdade de gênero. A luta, pois, continua. Mas está surgindo uma censura equivocada sobre exposição de corpos, sobre a sexualidade exposta da mulher.

Disseram-me que há uma cena linda, um ângulo bem tomado da bunda da mocinha bandida do filme Esquadrão Suicida. Procurei, não encontrei, fui ao cinema. Queria ver. Vi. Gostei. Da bunda e dos quadris. Dizem-me que não posso gostar. Exploração da mulher etc. Não é plausível que se pense assim.

O machismo é uma ideia de subordinação sem sentido. O gosto pelo corpo do sexo oposto ao meu é natural. A minha natureza quer ver mulher e, na mulher, suas curvas. Não se acabará com as sobras de cultura machista com interdição do corpo feminino, nem mesmo do seu apelo comercial.

O filme é limitado às coisas do bem e do mal. Ao fim o bem controla a maldade. Mas há o corpo forte, definido e exposto de um homem negro, há uma mulher negra que é chefe. Há, sem exagero, bastante do politicamente correto, como deve mesmo ser. E há a personagem sensual da mocinha bandida.

Não há exploração de ninguém. Todos trabalham e desempenham seus papéis com competência. O filme é puro entretenimento, não é engajado a causas. A ideia de assexualizar arte ou artista, homem ou mulher, é censura, não é feminismo. É moral católica e pequeno-burguesa a que que não convém retornar.


 

Imagem Ilustrativa do Post: Blinds // Foto de: Mislav Marohnić // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/mislav-marohnic/5630090539

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura