Espremendo culhões e o Direito – Por Jorge Alberto de Macedo Acosta Junior

14/04/2017

Coordenador: Marcos Catalan

Esta é uma coluna incomum, tratará da dor da impossibilidade de reação ou como a sociedade capitalista espreme-nos em agoniante apatia. Para aclimatar o bom leitor, entre os parágrafos uma bela música sobre o tema[1].

Vence na vida quem diz sim Vence na vida quem diz sim

Admito, espremeram meus culhões. Não só os meus, os de todos nós. Bukowski[2] pode nos explicar, vejamos a atividade empresarial da AGÊNCIA SATISFAÇÃO GARANTIDA: “executar a formatação necessária do indivíduo para sua funcionalização adequada ao sistema econômico”. Ou seja, cabe à A.S.G. retirar, moer, dilacerar, destruir e corromper qualquer esperança, manifesto ou demonstração de vontade individual ou coletiva, que atente contra os requisitos necessários ao mercado. Sim! Trata-se de verdadeiramente espremer os culhões, entretanto, obviamente, não se pode descartar outras formas de repressão, como martelar os dedos ou torcer mamilos, por exemplo.

Se te dói o corpo Diz que sim Torcem mais um pouco Diz que sim Se te dão um soco Diz que sim Se te deixam louco Diz que sim

Acontece que a A.S.G. tem seus clientes já bem definidos, enquanto presos às cadeiras de madeira e o fedor de esterco lhes entopem o nariz, o nobre funcionário lhe pergunta: “Quais são seus ídolos?”. Em caso de resposta como: “Gandhi, Che, Fidel, Malcolm X” e quantos mais se podem citar... Inicia-se o processo de “espremer os culhões”, repete-se a pergunta... Analisa-se os olhos, expressão facial, postura... Enquanto se mantiver o peito estufado, martela-se mais um dedo! O brilho nos olhos é castigado com um bom afogamento em água suja! Um sorriso – que Deus lhe proteja – pode custar a fertilidade, quiçá a crença no amor ao próximo.

Se te babam no cangote Mordem o decote Se te alisam com o chicote Olha bem pra mim

A A.S.G. preza pelos olhos esbranquiçados, postura derrotada, andar trôpego e pouca atitude na fala.

Eu adicionaria um bom terno importado.

Vence na vida quem diz sim Vence na vida quem diz sim

Não farei meias palavras, minha intenção aqui é deixar bem claro que a A.S.G. possui algumas filiais no mundo jurídico. Aliás, deixe-me reformular. Não se tratam de filiais, acredito que sejam as matrizes mesmo. Como já tive meus culhões espremidos, ando trôpego e sempre olhando para baixo, fico sem medo de expor minha opinião, até porque se perguntarem pra mim na rua, digo tudo exatamente ao contrário, e termino: “isso só pode ser coisa da oposição, de alguma esquerda chiliquenta, olhe pra mim, sou um saco vazio... já não tenho esperanças”.

Se te jogam lama Diz que sim Pra que tanto drama Diz que sim Te deitam na cama Diz que sim Se te criam fama Diz que sim

Retornando ao ponto, as universidades são os grandes espremedores de culhões, destacando-se os cursos de Direito na dianteira desta competição cruel. Há algum tempo conheci um indivíduo barbudo e de poucos amigos, bradava palavras ditas por um outro barbudo – e também de poucos amigos – nos corredores de uma agência das quais me refiro. Não deu em outra, ao citar “Marx” em seu TCC teve que enfrentar uma banca que, absurdamente, teve duração de 2 horas e preocupou-se em discutir o genocídio do Partido Comunista de Kampuchea ao invés da função social da propriedade que tratava seu trabalho. Seguiu-se todas as artimanhas e desqualificações possíveis, ao final uma nota diminuta foi atribuída ao trabalho graças ao posicionamento ideológico do nosso amigo.

Se te chamam vagabunda Montam na cacunda Se te largam moribunda Olha bem pra mim

Fiquei ressabiado de andar na sua companhia, entretanto, intrigado e curioso para ver como o subversivo iria acabar, resolvi observar com a distância que a cautela impõe. Não é que o vi novamente a desafiar e tagarelar sobre o fim do direito em meio a eventos jurídicos? Os professores observam, sorriem um sorriso amarelo e se calam. Não sei quanto tempo este agitador vai durar, mas quero ver o quanto vão ter que lhe espremer. E mais! Não é que se juntou a um professor com as mesmas pretensões vermelhas? – Um tal de “Catalão” – Não que eu fosse um delator...

Vence na vida quem diz sim Vence na vida quem diz sim

As A.S.G. ou lugares de interlocução repressiva, como denomina Warat, dominam o senso comum teórico[3] dos juristas com seus centros de certeza[4], fazendo do Direito, a partir de uma concepção formal, parte do imaginário Liberal, criando segurança para as relações mercantis. Deste modo, as agências podem manter sua atividade empresarial e o Direito se reproduz como sistema de controle da contingência de possíveis mudanças sociais[5], mortas na casca.

Se te cobrem de ouro Diz que sim Se te mandam embora Diz que sim Se te puxam o saco Diz que sim Se te xingam a raça Diz que sim

Por mais que professores Catalães desconstruam estes imaginários perversos, advertindo alunos que as certezas limitam-se às capelas, os culhões já foram espremidos, os meus, os seus, os nossos. Por mais que barbudos rasguem-se aos berros nas cadeiras acadêmicas, estilhassem vidraças pelas ruas; homens, mulheres e crianças sem moradia ocupem prédios ou lutem por terras, as varas e tribunais irão espremê-los, espremerão seus culhões, sua vontade, seu brilho no olhar ou qualquer coisa que os faça lutar, serão espremidos.

Se te incham a barriga De feto e lombriga Nem por isso compra a briga Olha bem pra mim

Aqueles que foram espremidos nas cadeiras das universidades são os novos espremedores, as Agências Satisfação Garantida ganham filiais e matrizes, continuam a espremer e espremer.

Enquanto escrevo estas palavras algum estagiário grita:

- Chegou mais um!

Do gabinete se ouve: - manda para o espremedor!

Já não sei se serão culhões ou direitos espremidos... Aliás, tanto faz...

Vence na vida quem diz sim Vence na vida quem diz sim


Notas e Referências:

[1] Esta letra foi vetada pela censura, em disco foi gravada apenas a versão orquestral. HOLANDA, Chico Buarque de. Vence na vida quem diz sim. In: Chico canta: Calabar – O Elogio da Traição (LP/1973).

[2] BUKOWSKI, Charles. O espremedor de culhões. In: Bukowski: Crônica de um amor louco: ereções, ejaculações, exibicionismos. Parte I. Porto Alegre: L&PM, 2014, pp. 67-80.

[3] WARAT, Luis Alberto. Saber crítico e senso comum teórico dos juristas. In: Epistemologia e ensino do direito: o sonho acabou. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004, p. 32-33.

[4] GONÇALVES, Guilherme Leite. Direito entre certeza e incerteza: horizontes críticos para a teoria dos sistemas. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 180.

[5] Idem, p. 262-263.


 

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