Escrever a História – Por Fernanda Mambrini Rudolfo

28/05/2017

Acredito que todo mundo se identifica um pouquinho com alguma época da História. A Grécia Antiga, O Império Romano e o Antigo Egito povoam os sonhos de muitos daqueles que estudam História. Os astecas, incas e maias encantam tantos outros. As conquistas de Gengis Khan também fascinam inúmeros estudantes. São incontáveis os exemplos que poderia apresentar, mas quero falar um pouquinho de mim.

A época que sempre me encantou foi o período ditatorial brasileiro. Não, evidentemente, pelas atrocidades praticadas, mas pela luta envolvida no combate a tais absurdos, pelo inconformismo transmudado em garra. No entanto, sempre foi uma admiração a determinadas características de uma época que acreditava ter ficado no passado, nas páginas amareladas dos livros. Nunca imaginei que, no meu tempo, fosse viver as mesmas atrocidades e ter que travar as mesmas batalhas. Pois é justamente o que ocorre atualmente.

Depois do golpe de 2016, temos um Presidente ilegítimo, que se vale das Forças Armadas para “restabelecer a Lei e a Ordem no Distrito Federal, em especial na Esplanada dos Ministérios”. Embora o Decreto da GLO (Garantia da Lei e da Ordem) tenha sido revogado no dia seguinte (25 de maio), o anúncio do autoritarismo já foi feito. Ou melhor, reiterado, pois várias outras demonstrações já foram dadas no mesmo sentido. O período inicialmente compreendido no Decreto curiosamente coincidia com a agenda do Governo, em uma clara demonstração de que o Estado de Polícia há muito sobrepuja o Estado de Direito.

Enquanto isso, o Prefeito João Doria continua sua empreitada de higiene social na região popularmente conhecida como Cracolândia. Internação compulsória, demolição de edifícios ocupados, desumanização daqueles que já estão à margem da sociedade.

No Pará, uma reintegração de posse termina com dez trabalhadores rurais mortos. A ação das Polícias Civil e Militar, que colocou a propriedade acima da própria vida, demonstra a que ponto chegou a sociedade brasileira. A vida de alguns não importa.

Mas não basta. Uma ampla e forte parcela da população tem como ídolos juízes cujo comportamento remonta à época da Inquisição (que se reproduziu no período ditatorial brasileiro). Sob o falacioso argumento de combater a corrupção, o tráfico de drogas e outros crimes que “assolam os cidadãos de bem”, defende-se o desrespeito aos direitos mais fundamentais. Direitos, estes, conquistados com muito custo, justamente no final da década de 1980, com o processo de redemocratização e a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil.

Não obstante os anos de chumbo sempre tenham exercido sobre mim certo fascínio, jamais ousei imaginar sua reprodução tão fielmente (muito menos – é óbvio – desejei que isso acontecesse). Repressão de manifestações, relativização da presunção de inocência, militarização em defesa da Lei e da Ordem, em subversão à previsão normativa. O cerceamento de direitos dos inconvenientes, a higienização social, a invisibilização dos “outros”.

Os 21 anos que começaram a contar lentamente em 1964 não foram o único período ditatorial na História brasileira. Todavia, sempre que falamos apenas em ditadura, sem qualquer especificação (sem fazer menção a Getúlio Vargas ou ao Estado Novo, por exemplo), fazemos referência a esse período. A partir de agora, devemos adotar certa cautela. Vivemos uma nova era ditatorial e precisamos reconhecer isso. Negar os fatos só faz tardar o combate, e o combate é imprescindível, é inadiável.

Faz-se mister nominar o que está acontecendo no Brasil. E está muito distante de ser uma democracia. Precisamos registrar a História desde já, ainda que nela precisemos escrever “ditadura”. Pois, acima de tudo, nas mesmas páginas, as quais em um futuro próximo espero já estejam amareladas, estará escrito “luta”.


 

Imagem Ilustrativa do Post: Pen & Papper // Foto de: Ridwan Jaafar // Sem alterações

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