“Escândalo disso” ou “escândalo daquilo”: disso se faz manchete. É o que vende. O caso que se noticia muitas vezes sequer é “escandaloso”, mas a notícia assim o torna. E isso funciona. Vende. É uma fórmula que dá certo.
Isso é observado em diversos temas que ganham os holofotes do noticiário. Vale falar apenas daquilo que dá ibope. Traições, desastres, embates, vexames, enfim, tudo aquilo que chama a atenção do público.
No campo do “noticiário jurídico”, não é diferente. Diz-se dos “grande casos”, dos “casos bárbaros”, dos “crimes que chocam”, das “atrocidades que causam comoção pública”. Os subterfúgios utilizados na construção da frase que será manchete são diversos. As palavras são escolhidas criteriosamente a fim de chamar a atenção. Os reflexos disso são sentidos no processo.
Diz-se aqui de “escândalos no processo penal” considerando “escândalo” aquilo que não assim necessariamente é entendido, mas que assim é criado, arquitetado. Afinal, o caso penal que se torna o “escândalo” da vez, trata-se apenas de uma escolha fortuita ou deliberada de uma situação dentre tantas outras semelhantes. Feita a escolha do caso que se tornará o foco da mídia, os olhos da população se voltarão de maneira quase que exclusiva para esse em específico. A ponte, responsável por trazer as “notícias”, é feita pelos canais de comunicação. Televisão, jornais, rádio e revistas, todos passam a acompanhar o novo “escândalo penal” da vez.
A pessoa que figura como acusada no processo escolhido como o “escândalo” da vez, tem toda uma atenção mais do que redobrada contra si. A pena que já tem início com o próprio processo (o do todos contra um) se torna ainda mais árdua. A figura do “bode expiatório”, de René Girard, é vista de maneira explícita numa situação dessas.
E o “escândalo” da vez é o que possibilita o “Processo Penal do Espetáculo”, pois o “escândalo” é o fator que dá o mote para o espetáculo. Questões que chamam a atenção ensejam justamente na percepção atenta do público voltada para aquilo que se noticia. A curiosidade atinge inclusive aqueles que sabem como esse processo todo funciona: a diferença está em como se enxerga toda essa situação. O “escândalo” presente no processo penal acaba ensejando, como dito, no “Processo Penal do Espetáculo”, o que gera diversas consequências principalmente para aqueles envolvidos na trama processual, fenômeno esse que é muito bem explanado por Rubens Casara:
“No julgamento-espetáculo, todos querem exercer bons papeis na trama. Ninguém ousa atuar contra os desejos da audiência, sempre manipuláveis, seja por um juiz-diretor talentoso, seja pelos grupos econômicos que detém os meios de comunicação de massa. Paradoxalmente, os atores jurídicos mais covardes, aqueles que têm medo de decidir contra a opinião pública(da), os que para atender ao “desejo de audiência” violam a lei e sonegam direitos fundamentais, são elevados à condição de heróis.”
O importante é pelo menos saber que essa construção do “escândalo” sempre possui interesses, explícitos ou implícitos, que visam chamar a atenção para aquele fato, e o canal de comunicação que melhor souber “vender o seu peixe”, sai na frente e logra êxito em seu intento.
Umberto Eco, em seu último romance publicado (“Número Zero”), apresentou determinadas estratégias utilizadas por parcela da imprensa a fim de se fazer passar uma opinião indutiva como fosse uma notícia meramente expositiva. A criação de um “escândalo” que enseja no “Processo Penal do Espetáculo” é um bom exemplo disso.
Numa parte da mencionada obra de Umberto Eco, há uma “aula” sobre como separar ‘fatos’ de ‘opiniões’ e o modo de se maquiar essa separação num artigo:
“Observem os grandes jornais de língua inglesa. Quando falam, sei lá, de um incêndio ou de um acidente de carro, evidentemente não podem dizer o que acham daquilo. Então inserem no artigo, entre aspas, as declarações de uma testemunha, um homem comum, um representante da opinião pública. Pondo-se aspas, essas afirmações se tornam fatos, ou seja, é um fato que aquele sujeito tenha expressado tal opinião. Mas seria possível supor que o jornalista tivesse dado a palavra somente a quem pensasse como ele. Portanto, haverá duas declarações discordantes entre si, para mostrar que é fato que há opiniões diferentes sobre um caso, e o jornal expõe esse fato irretorquível. A esperteza está em pôr antes entre aspas uma opinião banal e depois outra opinião, mais racional, que se assemelhe muito à opinião do jornalista. Assim o leitor tem a impressão de estar sendo informado de dois fatos, mas é induzido a aceitar uma única opinião como a mais convincente.”
Umberto Eco expõe diversas outras estratégias do tipo. Vale conferir a obra, a fim de se ter um grande aprendizado de como a coisa funciona em alguns meios de comunicação.
Por fim, atentemo-nos sempre para os “escândalos” noticiados. Seus efeitos sempre são sofridos, principalmente, por aquele que já tem contra si todo o peso do Estado. As coisas acabam muitas vezes se desvirtuando. Questões acabam sendo distorcidas. O punitivismo se exacerba. Eis um dos fatores que serve de mote para o “Processo Penal do Espetáculo”. Olhemos, portanto, pelo menos com certa desconfiança para os casos midiáticos. Os “escândalos” no processo penal são assim construídos, e os fatores que os ensejam são diversos. Estejamos alertas!
Notas e Referências:
CASARA, Rubens R. R. Processo Penal do Espetáculo: ensaios sobre o poder penal, a dogmática e o autoritarismo na sociedade brasileira. 1ª Ed. Florianópolis: Empório do Direito, 2015.
ECO, Umberto. Número Zero. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Record, 2015
GIRARD, René. O Bode Expiatório. São Paulo: Paulus, 2004
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