“El sentimiento que llamamos volición no es la causa del acto voluntario, sino simplemente el símbolo en la conciencia del estado del cerebro que es la causa inmediata del acto”. T. H. Huxley
4. Sentimento moral, Teoria da Mente e Racionalidade
A proposta de Darwin ao aplicar à evolução humana seus princípios da seleção natural inclui extensos comentários acerca do tipo de ser que esta teria talhado com respeito aos instintos sociais e ao comportamento ético. As páginas do Descent of Man parecem-nos hoje um tanto influenciadas pela ideologia vitoriana como, por exemplo, quando fala da condição quase pré-humana dos índios que habitavam a Terra do Fogo. Convém recordar que Darwin não contou com uma teoria da herança adequada e que, mediante o mecanismo da pangênese, seguiu de perto os esquemas lamarckianos de herança dos caracteres adquiridos. De tal sorte, Darwin acreditava que um comportamento mais civilizado dos povos primitivos lhes converteria com o passo do tempo, por seleção natural, em seres humanos de uma natureza igual a dos britânicos. Como se vê, tampouco Darwin se livrou de um inadequado diagnóstico antropológico à hora de considerar a dignidade humana. Mas a descrição implícita que faz dos instintos sociais é adequada para situar o conteúdo naturalista do comportamento moral.
Como dito antes, Darwin utiliza o conceito de moral sense, que tem uma longa história na filosofia anglo-saxônica. Shaftesbury, Hutcheson e Hume consideraram o moral sense como uma força inata ligada à simpatia que leva cada pessoa a atuar em favor de outros. O comportamento moral seria, pois, uma espécie de soma algébrica de forças gravitacionais — de inequívoca referência a Newton — graças ao qual um sentimento moral centrípeto se combinaria com o instinto egoísta centrífugo para produzir esse mundo de equilíbrios precários que é tanto a natureza como a sociedade humana.
Darwin poderia ser considerado como o último autor dessa tradição intelectual que procede da Ilustração escocesa, mas, em sua obra, o moral sense adquire um caráter mais geral. No Descent of Man afirma que qualquer animal com bem marcados instintos sociais como podem ser os afetos paterno-filiais, “would inevitably acquire a moral sense or conscience, as soon as its intellectual powers had become as well, or nearly as well developed, as in man.” Trata-se de uma questão hipotética: nenhum animal alcançou o nível das faculdades mentais humanas. Nada obstante, se o lograsse, então também adquiriria o mesmo nível de moral sense de que desfrutamos.
Assim que se pode descrever a ideia darwiniana acerca da condição moral humana da seguinte forma: afetos simpáticos, por uma parte, próprios de um animal de vida social, e umas faculdades intelectuais altas que permitem avaliar os riscos e as consequências de nossas ações. O conjunto do moral sense. E este permite alcançar o grau da conduta ética. É esse o fundamento naturalista da moralidade humana.
Graças ao moral sense, atribuímos o caráter de atos heróicos a ações como a de salvar a vida de outra pessoa pondo em risco a nossa. Em Descent of Man se incluem referências a atos parecidos que levam a cabo outros primatas como os babuínos. Contudo, Darwin concluiu que não são atos morais porque os monos não contam com a capacidade de entender a consequência de suas ações: se comportam assim por instinto, mediante uma determinação genética forte. Ao contrário, o ser humano observa, antecipa, medita e avalia. Levamos a cabo não só condutas morais, senão também juízos morais das condutas alheias.
Por certo que se trata de um conjunto no qual é difícil estabelecer a fronteira entre os afetos simpáticos e os cálculos valorativos. Mas é provável que, em boa medida, a evolução de nosso cérebro se deva à necessidade de levar a cabo essas complicadíssimas operações que permitem entender a relação social, o papel de cada um e a conduta que cabe esperar de cada membro do grupo. Nicholas Humphrey [21] sustenta que outros símios como os chimpanzés contam também com esse “pensamento maquiavélico”. Some-se a avaliação ética, e temos o moral sense.
O comportamento moral humano, que inclui, entre outras coisas, a atribuição de liberdade, igualdade e dignidade às pessoas tem, portanto, como componente essencial — ainda que não único —, um complexo esquema de avaliação e antecipação das condutas alheias. Uma “teoria da mente” dos outros.
Como recorda Steven Pinker [22], todo mundo tem uma teoria implícita sobre a natureza humana. Todos nos afanamos em prever o comportamento dos demais, o que significa que todos necessitamos entender que é o que move as pessoas a adotar determinadas condutas. Trata-se da perspectiva dos “sistemas intencionais” que propôs Daniel Dennett [23], segundo a qual os humanos são considerados como sujeitos intencionais de terceira ordem: contamos com uma teoria da mente do outro na qual se inclui o fato de que esse outro sujeito também tem uma teoria de minha própria mente, e sabe que eu a tenho respeito dele.
Desse modo, as ações encaminhadas a alcançar meus desejos na vida social se ajustarão ao que minha teoria da mente do companheiro ou do adversário inclui acerca da mente alheia. É uma situação parecida a de um jogo de xadrez em que meu adversário me oferece um gambito, um sacrifício em principio absurdo que irá beneficiar-me. Por que o faz? Em que me medida me beneficia em realidade ou se trata de que eu creia que me beneficia quando irá a prejudicar-me? Ainda que exista a possibilidade de que me beneficie, o outro intenta que eu suspeite que não é assim e recuse o gambito… A cadeia do “eu creio - que tu crês -que eu creio - que tu crês” pode estender-se indefinidamente. Os melhores jogadores de xadrez são os que, já seja por intuição ou por reflexão, podem levá-la mais longe.
Imagem Ilustrativa do Post: O Espelho // Foto de: Ana Patícia Almeida // Sem alterações
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